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Capítulo II Família, Escola e Educação

2. Escola e Educação…sem esquecer a Família

2.1 O que se espera da escola

Pensamos poder dizer que o reconhecimento da importância da educação é ponto assente.

“Neste contexto de profunda mudança ideológica, cultural, social e profissional, aponta-se a educação como o cerne do desenvolvimento da pessoa humana e da sua vivência na sociedade, sociedade da qual se espera um desenvolvimento económico acrescido e uma melhor qualidade de vida” (Alarcão; 2001: 10).

A educação assenta em duas instituições que se esperam justas, coerentes, equilibradas e completas: a família e a escola. Espera-se ainda que haja algum equilíbrio entre as duas para tornar o processo educativo aprazível e enriquecedor. O primeiro interveniente já tem vindo a ser descrito neste trabalho, resta-nos portanto descrever o segundo.

A escola deve ser um lugar de encontro de pessoas, de experiências, de conhecimento, na qual se promoverá um ambiente adequado a práticas educativas de cooperação e colaboração. “O diálogo, a atenção sistemática ao equilíbrio afectivo dos educandos, a orientação necessária ao seu projecto de vida, o acompanhamento pessoal do processo educativo de cada aluno são factores educativos quase ausentes da escola” (Lima; 1998: 41). Neste espaço educativo deverão participar activamente professores, pais, alunos e comunidade. Infelizmente a escola tem vindo a enfrentar inúmeros problemas e encontra- se, neste momento, desajustada do que se esperaria à partida para ela e parte deste desajuste é da responsabilidade dos seus intervenientes directos. Ao nível científico, verificamos que os alunos não demonstram ter competências cognitivas, atitudinais, relacionais e comunicativas como a sociedade esperaria que tivessem adquirido na escola. Esta continua muito ligada ao cognitivismo e não se consciencializou que o que os alunos realmente precisam é de uma preparação que é transversal e transdisciplinar para a vida e para o mundo e é preciso que a escola vá acompanhando estas necessidades. “Na verdade, os alunos estão muito pouco motivados para o estudo, pois a escola transformou as actividades numa aprendizagem de conteúdos científico-culturais, que nada têm a ver com as suas vidas no dia-a-dia” (Lima; 1998: 41). Ao nível pessoal, os alunos continuam a não se identificar com a escola, com o tempo e espaço que lá se vive, com a forma como se ensina, com aquilo que se ensina. “Não obstante as transformações que nela vão sendo introduzidas, ela não convence nem atrai. É coisa do passado, sem rasgos do futuro” (Alarcão; 2001: 18). Ao nível social, temos uma comunidade que se alienou da escola, que a encara como uma realidade, que a responsabiliza pela educação e futuro dos filhos, a quem confia a integridade e o carácter dos mesmos, mas que não procura, em que não investe, a que chega mesmo a desacreditar sem nunca se aperceber que dela faz parte. A família, por seu lado, também se demitiu da sua responsabilidade de apoiar a escola, e “deposita” nela os filhos para ela criar e educar e ver crescer e muitas vezes amar.

A sociedade tem sofrido alterações altamente complexas e a um ritmo alucinante. A escola tem sentido muita dificuldade em acompanhá-la e encontra-se neste momento a viver uma indescritível crise de valores, de papéis, de objectivos que se manifestam claramente e a vários níveis, alguns dos quais passaremos a descrever. O que a escola actual oferece aos alunos é uma sucessão interminável de aulas, onde são despejados conteúdos de diversas naturezas, mas que, em momento algum, visam realmente envolver os alunos, visam proporcionar-lhes novas experiências num ambiente, este sim,

verdadeiramente educativo. Os alunos acabam por não sentir que os momentos que passam na escola sejam realmente enriquecedores e não vêem utilidade naquilo que aprendem, muitas vezes porque os professores se sentem também eles desacreditados e desmoralizados e são os sentimentos que inconscientemente deixam transparecer. A escola de massas que se oferece aos alunos, hoje em dia, obriga a que se perca a individualidade de cada um e a que os alunos sejam olhados como parte de um todo e com todas as responsabilidades inerentes ao mesmo. As turmas são grandes, os programas são extensos, os horários pesados e toda esta organização faz da “cidade educativa” que devia ser a escola apenas um edifício sombrio e monótono com muitas salas com poucas condições onde os alunos se sentam para ouvir os professores e executar as tarefas impostas, já não propostas como se costumava dizer, visto que o poder de decisão e de opinião do aluno é nulo. E este é outro dos problemas da escola. Para além de submeter o aluno à passividade, não demonstra qualquer preocupação em adaptar as actividades e mesmo os conteúdos programáticos às necessidades, aos interesses e aos gostos dos alunos. São geralmente actividades enfadonhas e desinteressantes, muitas delas sem que os alunos vejam qualquer utilidade no que estão a fazer o que significa dar um passo enorme para o seu desinteresse. Para além disso, os materiais continuam a ser os mesmos e a escola continua com a eterna pobreza de apresentação, servindo-se quase exclusivamente da voz do professor, do quadro-negro e do giz.

“Pois bem, em vez de possibilitar ao aluno o contacto directo com a essência do pensamento, da arte, da natureza, da sociedade, a escola coloca entre ele e essas essências o muro da palavra (constante aula expositiva) e do livro que, necessariamente, por razões psicológicas e biológicas, produzirão tédio num ser cheio de vitalidade” (Lima; 1998: 41).

Ainda relativamente às actividades, estas dificilmente conseguem competir com o que é oferecido gratuitamente na internet ou na televisão, em que são propostos aos alunos verdadeiros desafios.

A moda do facilitismo chegou à escola. Apregoa-se diariamente nos meios de comunicação que os jovens têm a vida demasiado facilitada, que eles têm acesso fácil e rápido a todo o tipo de informação, notícias, novos programas e recursos que nada mais fazem a não ser incutir-lhes uma preocupante vontade de comprar e comprar, mas também a escola facilita todo o trabalho aos alunos não exigindo deles mais do que escreverem aquilo que o professor disse na aula. Não se criam oportunidades para o aluno realizar algo, mostrar que é capaz, revelar a sua criatividade. “A falta de concretização do ensino faz com que o mesmo se restrinja a um puro trabalho de

memorização, sem vivência alguma daquilo que é ensinado” (Nérici; 1977: 199). O currículo e os programas das escolas parecem como que alienados da realidade, mas é nela e dela que o aluno tem que viver.

A escola oferece um ambiente muito pouco educativo e muito menos equilibrado. Graças a anos de histórias de conflitos e más experiências entre professores e alunos que, diga- se, só parecem ter tendência a piorar, criou-se um abismo entre os dois intervenientes neste processo que parece que nunca vai ter direito a uma ponte. A relação humana que se vive nas escolas actualmente é contraproducente, não só pela imensa distância que separa alunos e professores, mas também pela frieza que a própria instituição pretende incutir na relação entre pares. “Em classe, é proibido conversar ou entender-se com os colegas. O educando tem de ficar isolado e sem permissão de contato com ninguém […]” (Nérici; 1977: 198), a única coisa que têm de fazer é prestar atenção ao que diz o professor e copiar a informação que este escreve no quadro. Ainda ao nível da relação pessoal, é triste que pessoas envolvidas num processo tão rico, que é o ensino, insistam em manter uma relação superficial, é como se tivessem medo de se trair de alguma forma se se entregarem à sua arte. A escola vive de tal forma afogueada pela preocupação de dar a matéria, que até se esquece de olhar para as pessoas que tem à frente, “olhar com olhos de ver”. Não é também uma finalidade da escola acolher o aluno na sua realidade humana, com os seus problemas, aflições e dificuldades? Onde fica a formação de pessoas, de adultos completos e bem resolvidos que em teoria cabe à escola? Mas não pretendemos com esta exposição atacar os professores, pois sabemos que as circunstâncias e as condições em que têm que trabalhar não são fáceis; a formação pedagógica da licenciatura deixa geralmente a desejar; há escolas que oferecem péssimas condições nas salas de aula e poucos ou nenhuns recursos para além do quadro-preto e do giz; pouca abertura a mudanças e inovações e muita pressão aos professores, o que não lhes deixa grande margem de manobra. Mas acima de tudo, é a precaridade da carreira docente e o descrédito que têm de enfrentar que determinam um corpo de trabalho tão acomodado, com tão pouco espírito de iniciativa e tão descontente. Ao nível económico, são muitos os professores que têm que ter mais que um emprego para se sustentar, ou trabalhar em diferentes escolas, o que apresenta, de modo geral, mais condições para instruir do que para educar. Ao nível profissional, a acumulação obrigatória de inúmeras funções e cargos deixa aos professores pouco tempo e ânimo para se dedicarem à construção de materiais didácticos interessantes ou a planificação de actividades estimulantes.

Também não queremos com isto desculpar os professores pela forma como dão as suas aulas. Queremos simplesmente que se vejam as duas faces desta moeda, mesmo porque não há soluções universais para se resolver estes problemas, cada escola é diferente de todas as outras, cada turma tem o seu funcionamento próprio e cada aluno tem necessidades e interesses que são só seus. Para além disso, a escola não assume a responsabilidade de educar as crianças sozinha, e a família também se tem vindo a alhear do seu papel educador, o que não tem facilitado a vida dos professores. A educação de uma criança é demasiado complexa para se responsabilizar apenas um ou outro dos intervenientes, mas neste capítulo, como ficou claro, vamos dedicar-nos à escola e nesta segunda fase vamos tentar sintetizar os principais requisitos que a escola deverá adquirir, se ainda não tiver, para produzir alunos informados, criativos, práticos e seguros de si. A escola precisa de mudar.

“Porém, para mudá-la, é preciso mudar o pensamento sobre ela. É preciso reflectir sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as frustrações, os sucessos e os fracassos, mas também em diálogo com o pensamento, o pensamento próprio e o dos outros” (Alarcão; 2001: 15).

A escola precisa acima de tudo de ir acompanhando as novidades que a sociedade vai introduzindo, a evolução dos tempos. Pelo contrário, a nossa escola tem estado parada e presa ao passado, um passado que nada tem a ver com os nossos alunos. É como se estivesse envolta em inércia. Desejamos uma escola que se pensa a si própria e na sua missão e organização; uma escola que propicia a formação em ambientes estimulantes, exigentes e formativos que favoreçam uma cultura de atitudes saudáveis e o desabrochar das capacidades de cada um, que o ajudarão na aquisição de competências para viver e conviver em sociedade. A escola é tempo de desenvolver e aproveitar a curiosidade, é tempo de trabalhar capacidades e adquirir competências, é tempo de iniciativa, é tempo de aprender a trabalhar cooperativamente, é tempo de propiciar a convivência saudável, é tempo de aprofundar conhecimentos, mas por incrível que possa parecer, este último é talvez dos menos importantes, mas aquele em que mais se aposta actualmente.

Não podemos esquecer que a escola está a formar adultos, cidadãos, filhos, pais, etc. Em virtude de tudo o que temos vindo a dizer sobre ela é importante sistematizar algumas ideias sobre o que se espera então da mesma. Espera-se uma escola que propicie um ambiente escolar alegre e agradável, onde os alunos se sintam bem e seguros e onde imperem a compreensão, o respeito, a orientação e a disciplina. Mas já não uma disciplina acente no medo, na intimidação e na repressão, mas sim que preconiza o respeito e uma autoridade justa, serena e firme. O aluno que se sente

compreendido e respeitado na escola, sente mais confiança nela e é esta confiança que dá origem à verdadeira autoridade da escola. Espera-se uma escola que aposte numa boa relação entre educadores e educandos, em que estes últimos sejam olhados como pessoas com necessidades, interesses, dificuldades, limitações e que precisam de orientação. É preciso olhar cada aluno com a sua própria identidade e não olhá-lo como apenas parte de um número. Espera-se uma escola em que as actividades, os métodos e os recursos sejam pensados para desenvolver no aluno todas as capacidades, umas inatas outras aprendidas, e que farão dele um adulto íntegro, completo, persistente e preparado para enfrentar as dificuldades que a vida lhe vai impondo. “O educando deixa de ser um espectador passivo para transformar-se em participante efectivo” (Nérici; 1977: 201). Assim, a escola não deve olhar a aquisição de conhecimentos, a instrução propriamente dita, como um fim em si mas como um meio para a concretização de um valor mais alto que é a formação e educação da pessoa do aluno e a orientação para a formação da sua personalidade. Os alunos devem ser levados a construir coisas, a construir conhecimento autonomamente, a fazer sugestões, a desenvolver a sua criatividade, a perceber o que realmente lhes interessa, no que são bons e o que precisam de melhorar. Esta é a melhor forma de os alunos irem percebendo as suas vocações, e esta é uma função que cabe em grande parte à escola, pois é esta que melhor poderá orientá-lo para a sua continuação de estudos. Assim, espera-se que a escola seja um veículo fundamental de discriminação de aptidões dos seus alunos e lhes ofereça oportunidades para que as mesmas se desenvolvam e ganhem expressão. Espera-se uma escola que se mostre capaz de integrar todos os alunos, mesmo porque a troca de experiências, de culturas, de línguas, de sentimentos, de motivações faz dela um lugar de integração e um contexto muitíssimo enriquecedor para todos os que nele convivem. Assim, é importante que a escola dê o exemplo no sentido da consciencialização para a diversidade linguística e cultural e o respeito pela diferença.

“Neste processo, torna-se possível todos aprenderem com todos, com base no respeito pelos sentimentos e valores de uns e de outros. São, aliás estes, os valores que reconhecemos como característica básica da educação para a democracia e para a cidadania” (Santos; 1997: 80/81).

Na verdade, a melhor escola é aquela que é para todos, não importa a cor da pele, a origem social ou cultural, pois todos têm direito a uma escola de qualidade. Espera-se uma escola motivadora que favoreça o sucesso dos alunos. Para tal, o ensino das disciplinas deve obedecer a uma progressão adequada às suas competências e deve prever diferentes módulos de trabalho, como o trabalho em grupo, e não apenas o trabalho individual. Espera-se uma escola preparada para dar apoio aos alunos com mais

dificuldades, sem que se sintam por isso diferentes dos outros. É importante que os estes vejam sempre na escola o seu ponto de apoio, a que podem recorrer quando sentirem dificuldades e é obrigação da escola socorrer os alunos que estejam com menor rendimento, evitando a perda do ano ou mesmo o abandono escolar em muitos casos. Espera-se uma escola capaz de adaptar os currículos e os programas à realidade dos alunos e ao mundo em que vivem, de modo que as actividades assumam um carácter de autenticidade que para eles é muito importante. Espera-se uma escola educadora, humanizada e de qualidade e sempre a rever as suas práticas, no fundo a “educar-se”. Espera-se uma escola capaz de trabalhar em conjunto com a comunidade, desenvolvendo bases de confiança, bem-estar e disponibilidade para criar e assumir novos compromissos. Espera-se uma escola com professores com formação de qualidade, não só vocacionados para o ensino dos saberes disciplinares, mas também com intuito de preparação para a vida activa.

“A escola tem de ser a escola do sim e do não, onde a prevenção deve afastar a necessidade de repressão, onde o espírito de colaboração deve evitar as guerras de poder ou competitividade mal-entendida, onde a crítica franca e construtiva evita o silêncio roedor ou a apatia empobrecedora e enturpecedora” (Alarcão; 2001: 17).