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O que fazem os profissionais de recursos humanos e como se pensam enquanto grupo

5.4. Onde trabalham e que actividades desenvolvem

Compreender o grupo dos profissionais de recursos humanos implica, também, saber onde trabalham, o que fazem e como são remunerados. É neste contexto que procuramos, através do inquérito, abordar estas três dimensões. Começando pela caracterização dos contextos do exercício profissional quanto à origem do capital das empresas, constata-se que 33,1% está ligado a empresas multinacionais, 59,9% a empresas de capitais nacionais e 7% a empresas de capital misto. Esta distribuição permite-nos chamar a atenção para a aparente importância que as empresas de capitais nacionais têm no recrutamento de profissionais de recursos humanos, porventura mais valorizadoras do recrutamento interno, uma vez que, a análise das ofertas de emprego por recurso a anúncio evidenciou um forte peso das empresas multinacionais (53,6%) por comparação com as nacionais (18,5%).

No plano geográfico, os dados reforçam a ideia da concentração territorial dos profissionais de recursos humanos, já que 62,2% dos inquiridos exerce a sua actividade no que poderemos designar por cintura industrial de Lisboa, integrando os distritos de

121 Esta lógica desencantada de acesso ao campo profissional apresenta algumas semelhanças, sobretudo por estar mais presente entre as mulheres, com os desencantados com a profissão de que fala Caetano

Lisboa, Setúbal e Santarém, e 29,7% fá-lo na cintura industrial do Porto, a que pertencem os distritos do Porto, Braga e Aveiro. Da nossa amostra, apenas 8,1% exerce a actividade profissional nas restantes regiões do país. Se esta macrocefalia já era evidente nos dados estatísticos oficiais, analisados no capítulo anterior, estes resultados confirmam essa distribuição geográfica deixando, no entanto, em aberto uma certa tendência, a carecer de confirmação. Esta tendência está patente na importância da Região Norte no recrutamento de profissionais de recursos humanos dado que, de acordo com os dados dos Quadros de Pessoal, em 2004, ela representava 21,1% do universo destes profissionais.

A distribuição dos inquiridos por dimensão da empresa em que trabalham evidencia a existência de uma relação directa entre o aumento da dimensão e o aumento da percentagem de profissionais de recursos humanos122 (Quadro 49). Este resultado vem

reforçar a ideia de que a procura de profissionais de recursos humanos é maior entre as grandes empresas. A maior concentração dos inquiridos em empresas de grande dimensão pode ser explicada não só porque a massa de trabalhadores é maior, mas também porque estas empresas tendem a ter uma maior exposição à concorrência e uma gestão mais profissionalizada, elementos que, associados à necessidade de formalização dos procedimentos e sofisticação das práticas de gestão de recursos humanos, conduzem a uma presença mais forte deste tipo de profissionais.

Quadro 49

Distribuição dos inquiridos por dimensão da empresa

Dimensão da empresa (nº de trabalhadores) % < 50 9,3 50-99 4,7 100-199 13,4 200-499 26,7 500-999 18,0 >1000 27,9 Total 100

Fonte: Inquérito por questionário

122 Note-se que os dados dos Quadros de Pessoal não evidenciavam esta relação em parte porque na nossa amostra privilegiamos o que temos vindo a designar por empresas não especializadas em detrimento das empresas especializadas na prestação de serviços de consultoria em recursos humanos. No caso das pequenas e micro empresas não especializadas tende a colocar-se um problema de escala que dificilmente justifica a contratação de um profissional a tempo inteiro.

Do ponto de vista da distribuição dos inquiridos por sectores de actividade, verifica-se um forte peso da indústria transformadora (30,2%) a qual é acompanhada num segundo nível pelos transportes e comunicações (14,5%) e pelos serviços às empresas (11,6%) (Quadro 50). Esta distribuição se, por um lado, reflecte a importância destes sectores no tecido empresarial português, por outro, indicia uma crescente profissionalização da sua gestão a que a área de recursos humanos não parece ser alheia, como já era evidente nos dados estatísticos dos Quadros de Pessoal.

Quadro 50

Distribuição dos inquiridos por sector de actividade

Sector de Actividade %

Pescas 0,6

Indústria Transformadora 30,2

Electricidade, gás e água 1,7

Construção e obras públicas 6,4

Comércio 6,4 Alojamento e restauração 1,7 Transportes e comunicações 14,5 Actividades financeiras 2,9 Serviços às empresas 11,6 Administração pública 2,9 Educação 1,2

Saúde e acção social 4,1

Outras actividades 15,7

Total (N=344) 100

Fonte: Inquérito por questionário

Merece-nos igualmente referência, o relevo dos sectores da construção e obras públicas e do comércio que, com 6,4% de profissionais cada um, se assumem como o terceiro grande grupo da actividade económica onde se concentram os profissionais de recursos humanos. Trata-se de sectores onde, de acordo com os dados dos Quadros de Pessoal, a presença destes profissionais tem vindo a apresentar uma forte dinâmica de crescimento.

Ao falarmos de profissionais inseridos em áreas funcionais específicas, importa compreender alguns dos atributos que caracterizam essa área funcional, no contexto das

organizações/empresas. Para essa caracterização seleccionamos três indicadores de referência: a designação da função, o grau de integração na gestão de topo e a dimensão, medida através do número que trabalham no departamento. Trata-se de um conjunto de indicadores amplamente tratados em estudos empíricos e que procuram dar conta do poder associado à função (Brewster et al, 2004).

Quadro 51

Caracterização da função recursos humanos

Variáveis %

Designação da função

Departamento/Direcção de Recursos Humanos 83,6

Departamento/Direcção de Pessoal 4,1

Outra designação 12,3

Total (n=342) 100

Grau de integração na gestão de topo

Faz parte da administração 13,4

Depende directamente da administração 76,2

Outra situação 10,5

Total (n=344) 100

Dimensão (n=324)

Média de pessoas por departamento (desvio-padrão=17,9) 11,79 Número médio de homens (desvio-padrão=6,2) 4,20 Número médio de mulheres (desvio-padrão=12,9) 7,70 Fonte: Inquérito por questionário

No que respeita à designação da função (Quadro 51), constata-se uma clara adesão à expressão Gestão de Recursos Humanos a qual é utilizada em mais de 80% dos casos o que, do ponto de vista da evolução histórica, significa uma adesão generalizada a uma expressão cunhada apenas na década de 80 do século XX. Esta hegemonia do recurso à designação Gestão de Recursos Humanos não deverá ser estranha a dois grandes factores explicativos (Brandão e Parente, 1998): o estarmos perante uma área funcional sem grande tradição histórica no tecido empresarial português123 e a existência de uma forte exposição ao investimento directo estrangeiro, expresso no peso que as empresas

123 As autoras chamam a atenção para o facto de a formalização da função em Portugal ter ocorrido apenas a partir dos anos 60 e início da década de 70

multinacionais assumem no recrutamento destes profissionais, o que favorece a adopção da designação dominante no mundo anglo-saxónico.

Já no que respeita ao grau de integração na gestão de topo, a percentagem dos que afirmam que o responsável da função faz parte da administração pouco excede os 13%. Este valor, embora extraído de uma base estatística diferente124, fica bastante aquém dos

30% apresentados para Portugal e dos 71% para Espanha (Cunha et al, 2004), no quadro dos estudos realizados no âmbito do Cranet Report. Esta reduzida integração na gestão de topo que, no nosso estudo está associada à dimensão da empresa125, tende a ser apresentada como uma fragilidade da gestão de recursos humanos, na medida em que a coloca fora do território das grandes decisões estratégicas (Brewster et al, 2004). Contudo, tal perspectiva não se apresenta como consensual. Na Austrália, apesar de se verificar uma reduzida representação da função recursos humanos na gestão de topo (17%), Dowling e Fisher (1997) defendem, na linha dos resultados apresentados por Tyson126 (1995) a partir da análise de trinta empresas inglesas, que essa não é, necessariamente, a única configuração organizacional que garante que as questões do pessoal sejam tidas em conta na definição da estratégia da organização.

Farndale (2005), por sua vez, chama a atenção para o facto de que a conquista de um lugar ao nível estratégico das empresas, nem sempre significa o envolvimento da função na definição dessa mesma estratégia. Aliás, também em Portugal, num estudo sobre o sector segurador, Brandão (2000: 187) destaca o facto de que, apesar de na maioria dos casos os responsáveis da função recursos humanos participarem na elaboração do plano estratégico, “as práticas de gestão caracterizavam-se por serem de certa forma obsoletas face à potencialidade dos instrumentos mais actualizados da função”.

Os resultados do nosso estudo mostram que a situação mais comum é aquela em que o responsável da função recursos humanos depende directamente da gestão de topo (72,6%) o que nos leva a admitir a ideia, que retomaremos adiante, de que, nestes casos,

124 Enquanto a unidade de análise do nosso estudo são os profissionais de recursos humanos, no estudo do Cranet Report a unidade de análise é a empresa.

125 É entre as empresas com menos de 200 trabalhadores e com mais de 1000 que a função recursos humanos tende a estar representada na gestão de topo (X2=10,556; p=0,032).

126 Tyson chama a atenção para a importância do tipo de estratégia corporativa no que respeita ao locus de controlo (financeiro, planeamento e estratégico) para a explicação do grau de integração da função na

a consideração das questões do pessoal na definição da estratégia da empresa está mais dependente do perfil e dos valores do seu director-geral127do que do responsável dos recursos humanos. No caso das restantes formas de integração, que representam 10,5% das respostas, elas colocam em evidência uma efectiva subalternidade da função recursos humanos, na medida em que o seu posicionamento na estrutura organizacional tende a descer para um terceiro nível hierárquico, transformando-a, por exemplo, numa subunidade do departamento administrativo e financeiro128.

O último indicador de caracterização da função recursos humanos que seleccionámos, remete-nos para a sua dimensão a qual, com uma média de 11,8 trabalhadores por empresa, evidencia uma grande diversidade dado o elevado desvio-padrão que apresenta. No que respeita à sua composição sexual, em consonância com a forte feminização do grupo, constatamos que, em média, existem 4,2 homens e 7,7 mulheres. Importa chamar a atenção para o facto de este padrão médio não se apresentar como uma realidade homogénea. Marques (2010), num estudo multi-caso em sectores que designa de elevada intensidade tecnológica e empresas com uma dimensão que varia entre os 100 e os 350 trabalhadores, constata que a dimensão da função oscila entre três e cinco profissionais e que, se na maioria dos casos predomina o sexo feminino, num deles a maioria dos profissionais de recursos humanos é do sexo masculino.

Num outro plano, importa compreender o tipo de actividades que estes profissionais desenvolvem ou são responsáveis no seu quotidiano de trabalho (Quadro 52). Uma primeira análise da frequência com que são assinaladas essas actividades mostra-nos a existência de um elevado índice de polivalência e uma não muito acentuada diferenciação do conteúdo do trabalho, em função das categorias profissionais consideradas, aspectos a que não deverá ser indiferente o facto de, em grande parte das empresas, a função ser da responsabilidade de um reduzido número de profissionais.

127 Referimo-nos ao Director-Geral na medida em que o conhecimento que temos da estrutura orgânica das empresas portuguesas de média e grande dimensão, incluindo filiais de multinacionais, é de que é esta figura unipessoal que representa a gestão de topo e não o Conselho de Administração como acontece no nicho das empresas cotadas em Bolsa.

128 Em Portugal esta subordinação é visível nos estudos realizados por Martins (2004) nas empresas do Distrito de Aveiro e por Marques (2010) em empresas de elevada intensidade tecnológica.

Apesar deste padrão global, há um conjunto de actividades que são exercidas por um reduzido número de profissionais de que são exemplo: a gestão da qualidade, a gestão de infra-estruturas sociais, a gestão da política de responsabilidade social, a gestão das relações laborais, a comunicação interna ou ainda a higiene e segurança no trabalho. Contudo, a sua menor frequência não nos parece que resulte tanto, ou pelos de forma exclusiva, de uma qualquer especialização intra-grupo, mas antes da sua menor expressão no quadro das responsabilidades associadas à função recursos humanos. Essa menor expressão não é, no entanto, o resultado de uma tendência homogénea. Com efeito, se nalguns casos estamos perante actividades em declínio, no quadro da função recursos humanos, como se verifica com a gestão de infra-estruturas sociais, noutros, estamos perante actividades cuja expressão nunca foi muito significativa, como é o caso das relações laborais, dado o fraco peso, em Portugal, da negociação de empresa, e, noutros ainda, estamos perante actividades emergentes, disputadas igualmente por outras áreas funcionais, como acontece com a higiene e segurança no trabalho, a gestão da qualidade e a política de responsabilidade social.

A análise das actividades que apresentam percentagens mais elevadas permite-nos identificar um núcleo duro de actividades mais comuns, constituído por actividades operacionais e técnicas onde se destacam a gestão administrativa (61,8%), a elaboração de documentos (estudos e relatórios) (61,8%), a gestão da formação (61,8%) e o recrutamento e selecção129 (61,2%). Note-se que na análise das ofertas de emprego, realizada no capítulo anterior, estas actividades também se encontravam entre as mais requeridas. Se as duas primeiras fazem parte do quotidiano da função, independentemente das estratégias adoptadas, as elevadas percentagens à gestão da formação e o recrutamento e selecção registam, reflectem duas lógicas nos modos de gestão de recursos humanos que ora se apresentam como alternativas ora como complementares. Elas expressam, por um lado, a necessidade de apostar na atracção de talentos e no desenvolvimento das competências dos trabalhadores como forma de responder às mudanças, económicas, tecnológicas e organizacionais, e, por um lado, a crescente adopção de formas flexíveis de emprego que, baseadas na precarização da

129 A generalidade dos trabalhos de investigação empírica realizados em Portugal têm vindo a destacar a centralidade destas actividades no contexto das práticas de gestão de recursos humanos (Brandão, 2000;

relação de trabalho, induzem elevados índices de rotação externa de pessoal e a consequente necessidade de garantir a sua substituição e formação.

Quadro 52

Distribuição dos profissionais por área de actividade segundo a categoria profissional130

Categoria Profissional Área de actividade Total Directores/ Gestores Chefias Intermédias Técnicos Gestão administrativa 61,8 40,8 27,6 31,6

Elaboração de estudos e relatórios internos

61,8 42,0 25,0 33,0

Gestão da formação 61,8 47,9 22,9 22,2

Recrutamento e selecção 61,2 47,4 42,7 29,9

Avaliação de desempenho 56,5 48,4 24,2 27,5

Gestão global da função RH 54,1 57,6 24,7 16,7

Elaboração do Balanço Social, Q.P., etc.

51,8 42,7 28,0 29,3

Processamento de salários 49,4 41,0 24,2 27,5

Gestão de carreiras 40,6 56,1 24,2 19,7

Higiene e segurança no trabalho 39,4 41,4 21,0 30,6

Comunicação interna 37,1 46,6 20,7 32,8

Relações laborais 25,9 57,1 26,2 16,7

Política de responsabilidade social 21,2 50,0 32,4 17,6 Gestão de infra-estruturas sociais 20,0 55,9 23,5 20,6

Gestão da qualidade 15,9 56,0 16,0 28,0

Fonte: Inquérito por questionário

A natureza destas duas lógicas tem implicações diferentes sobre o conteúdo do trabalho dos profissionais de recursos humanos. Se a gestão de recursos humanos baseada na aposta no capital humano remete para um trabalho mais rico, dada a complexidade das actividades realizadas, de que são exemplo o recurso a provas de situação e a entrevistas que contam com a participação de responsáveis de topo e de outras áreas funcionais, assim como no recurso a formação de banda larga, na medida em que representam apostas de longo prazo e se baseiam na validação ou desenvolvimento de perfis de competências mais complexos; a que se baseia na rotação externa de pessoal remete para um trabalho rotineiro e pouco qualificado, dada a reduzida mobilização de técnicas

130 Existe uma relação com significado estatístico entre as variáveis relativas às áreas de GRH e categoria profissional, para p≤0,05.

sofisticadas de recrutamento e selecção e o desenvolvimento de uma formação orientada para garantir a rápida adaptação ao posto de trabalho que visa suprir necessidades imediatas para ocupar postos de trabalho pouco qualificados ao mais baixo custo.

Surpreendente, ou talvez não, é a menor percentagem das actividades relacionadas com a gestão do desempenho e a gestão de carreiras que, fazendo parte do ciclo da gestão de recursos humanos, surgem, aparentemente, menos valorizadas, no quadro global da função. Contudo, pese embora alguns estudos sobre as práticas de gestão de recursos humanos das empresas portuguesas evidenciem um menor investimento nestas duas áreas (Brandão, 2000; Martins, 2004; Marques, 2010), os nossos dados empíricos apontam no sentido de uma maior afectação destas actividades aos directores/gestores do que às restantes categorias profissionais consideradas. Esta tendência pode explicar- se, em parte, pela maior sensibilidade política destas duas componentes da gestão de recursos humanos, uma vez que os seus resultados afectam simbólica e materialmente o estatuto dos trabalhadores nas organizações, e pela reduzida formalização que caracteriza os processos de avaliação de desempenho e de gestão de carreiras.