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O MAPA DA MINA: INTRODUÇÃO

Capítulo 1 ESCOLHENDO AS GEMAS: O REFERENCIAL TEÓRICO

1.1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

1.1.1 De onde viemos

A necessidade de formar professores leigos começou com a institucionalização da instrução pública no mundo moderno. Devido à realização dos conceitos vindos das ideias liberais de secularização e extensão do ensino primário a todas as camadas da população ocorre uma expansão da educação e consequentemente a necessidade de instituição das escolas regulares destinadas ao preparo específico para a docência.

É importante pontuar que a realização desse ideal da Revolução Francesa encontra terreno fértil no momento histórico da consolidação dos Estados Nacionais que implantam sistemas públicos de ensino, que por sua vez, multiplicam as escolas normais e também implantam sistemas de formação de professores leigos (TARUNI, 1999).

Em 1836, encontramos o registro da primeira escola brasileira, fundada na então Província do Rio de Janeiro. Segundo a lei n° 10 de 1835, essa escola seria dirigida por um diretor que também exerceria a função de professor e seu currículo se comporia dos seguintes conteúdos; ler e escrever pelo método lancasteriano; as quatro operações e proporções; a língua nacional; elementos de geografia e princípios de moral cristã (TARUNI, 1999, p. 64).

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Ao conhecermos a história da educação no Brasil percebemos que ela se constituiu a partir de um imbricado e complexo sistema, uma tecedura de vários fatos e fatores. A descrição de alguns desses momentos nos permite vislumbrar dois tipos de abordagens na formação de professores: o sistêmico- estrutural (trinadora) e a reflexiva.

No período que vai de 1931 a 1939 são criadas unidades para a formação docente em diferentes projetos de universidades. Cada um desses projetos emerge com diferentes visões de seus objetivos, processo e papel. Esses modelos que estavam sendo criados são: o modelo federal, já anunciado nas universidades brasileiras de 1931; o modelo da Universidade de São Paulo (USP); e o modelo da Universidade do Distrito Federal (UDF). (CANDAU, 1987).

Todos esses modelos expressavam correntes de pensamentos políticos diferentes. De um lado, a autoritária prevalecendo na esfera do governo central, do outro lado a liberal, possuidora de diferentes matizes, predominante na esfera de alguns governos estaduais como o da cidade de São Paulo e Distrito Federal, tirado de cena com a implantação do Estado Novo em 1937. (CANDAU, 1987)

Dentro deste cenário político educacional vemos a instituição do curso de pedagogia na USP, em 1939. Naquele momento o curso formava bacharéis denominados “técnicos em educação”. Pimenta (1997) observa que na mesma época na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP foram instituídos cursos de sociologia e psicologia que, com o tempo, passam a realizar estudos na área da educação. Esses estudos que se originam em outras áreas têm um caráter aplicacionista à educação.

O projeto inicial da USP compunha-se da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e da Faculdade de Educação criada a partir da Escola de Professores do Instituto de Educação Caetano de Campos. De acordo com o projeto, a formação pedagógica dos licenciados seria ministrada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.

No entanto, esse processo de especialização – formação de profissionais para o ensino do segundo grau- e o crescimento desordenado das Faculdades de Filosofia Ciências e Letras – pois são cursos que não exigem laboratórios, sendo mais práticos e baratos para a iniciativa privada - limitou-a à realização de uma função técnica, a formação de professores a partir da transmissão escolástica de conhecimentos, dissociada das pesquisas e da produção de saberes. (CANDAU, 1987)

A partir dos anos 60 ocorre uma expansão da rede pública de ensino que provoca o desenvolvimento da ciência pedagógica e da psicologia educacional, além das pesquisas em sociologia escolar (PIMENTA, 1997). Ortiz Alvarez (2010) acrescenta que nessa época o destino profissional dos egressos dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo foi definido pela demanda do mercado de trabalho por professores, mais do que por cientistas e especialistas.

Em 1962 o curso de pedagogia passa a formar bacharéis e licenciados. Nesta formação o pedagogo é o professor para diferentes disciplinas do curso Ginasial e Normal. O currículo de pedagogia compunha-se de disciplinas das ciências da educação, das didáticas e da administração escolar (PIMENTA, 1997). Em 1969, é extinta a distinção entre bacharelado e licenciatura em pedagogia, sendo criada na mesma época a função de especialista em administração escolar, inspeção escolar, supervisão pedagógica e orientação educacional.

Segundo Taruni (1999) o foco na prática educacional naquele período era o conteúdo curricular e o treinamento de professores, assim como os aspectos internos da escola dentre eles os meios destinados a modernizar os processos docentes – o planejamento, a coordenação, e o controle de atividades – e as novas tecnologias de ensino, os recursos audiovisuais. A preocupação estava em tornar a escola eficiente e produtiva, operacional com vistas à preparação para o trabalho, para o desenvolvimento econômico do país e para a segurança nacional (TARUNI, 1999, p. 79).

Após 1968, com a implantação da Reforma Universitária fica amortecido o debate em relação à formação de educadores (CANDAU, 1987). Taruni (1999) descreve os anos 70 como um momento delicado na educação básica, uma época de manobras pela visão tecnicista e a divisão do trabalho pedagógico de reformas do regime militar pela reordenação do ensino superior, decorrente da Lei 5.540/68 e a Lei 5.692/71, que estabeleceu as Diretrizes e Bases para o primeiro e o segundo graus.

Embora na área de educação a década de 70 tenha sido marcada pelo período de queda da qualidade do sistema educacional brasileiro (MELLO, 1983; MELLO et al. 1985; GATTI, 1987; LELIS, 1989, SANTIAGO, 1994), Pimenta (1997) coloca alguns avanços importantes como a instituição dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) que impulsionam a expansão das pesquisas na área de educação, assim como a constituição da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) a qual realizara Conferências Brasileiras na área da Educação (CBE), além do crescente aumento de edições de livros e periódicos.

Toda essa movimentação gera resultados os quais foram percebidos no final dos anos 70, com o começo dos avanços mais frequentes na formação de professores. Também

emergem ações de redefinição dos cursos de pedagogia, e de organização dos professores na luta contra a concepção técnico-burocrática oficial, que não incluía a participação dos educadores na definição da política educacional (PIMENTA, 1997).

As reformas na área da educação em todos os países da América Latina após o final da década de 70 reafirmam a relevância da formação docente, pois foram tentativas de adequar o sistema educativo às mudanças produtivas e aos novos rumos do Estado (ORTIZ ALVAREZ, 2010). Nesse contexto era necessário um professor que pudesse intervir a favor das mudanças, ou seja, um profissional reflexivo que precisa desenvolver determinadas competências para poder resolver problemas ligados à sua práxis.

Taruni (1999) assevera que nos anos 80 o descontentamento dos professores relativo à desvalorização da profissão gerou uma série de propostas de ações denominada “revitalização do ensino normal”, que propiciara iniciativas por parte do Ministério de Educação e Cultura e de Secretarias Estaduais no sentido de tomar medidas para reverter o quadro instalado. A autora indica que entre as propostas do MEC, destaca-se o projeto dos Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), elaborado em 1982 pela antiga Coordenadoria do Ensino Regular de Segundo Grau do MEC e divulgado junto às Secretarias de Educação. O projeto visava redimensionar as escolas normais, dotá-las de condições adequadas à formação de profissionais com competência técnica e política e ampliar-lhes as funções de modo a torná-los centros de formação inicial e continuada para professores de educação pré-escolar e para o ensino das séries iniciais.

Recapitulando nossa argumentação até este ponto, podemos notar avanços com relação ao sistema educacional, inclusive a abordagem da formação inicial e a necessidade da implantação de uma proposta coerente para a formação continuada.

Ortiz Alvarez (2010) concorda com a LDB de 1996 Art. 61 e 62 que estabelece que a formação de professores se dá a nível superior, porém indica que é fundamental alinhar a formação desses professores às situações de sua prática, assim como uma abordagem que possa dar conta de seu papel social de forma contextualizada, ou seja, de acordo com as demandas da sociedade atual que se transforma a cada momento.

Já na primeira década do século atual, autoras como Belloni (2002) e Kuenzer (2001) indicam que as mudanças do capitalismo e de suas formas de acumulação de bens - acumulação de capital desmedido chamado de regime de acumulação flexível que, resumidamente, significa a geração crescente de capital e geração igualmente crescente de

desigualdade - formam um novo arranjo entre educação superior e trabalho, modificando as finalidades do ensino superior, entre elas, a formação docente. Ou seja, em uma situação de menor escala, em termos de mudanças científico-tecnológicas do que a atual, a formação em nível superior poderia ser caracterizada com base na especialização, no pleno emprego e a norma seria a estabilidade. A graduação representava muitas vezes a formação inicial e final, sendo assim a educação continuada era dispensável.

Como consequência, o currículo mínimo organizava a formação e exercício dentro de certos conhecimentos que eram estabelecidos em âmbito nacional. A partir daí o que geralmente acontecia era que o egresso conseguia um emprego em sua área de formação. Se ele desempenha com competência a sua atividade profissional, isso garantiria certa estabilidade, de forma quase natural, ou seja, sem a necessidade de atualização profissional premente que garanta sua adequabilidade à produção.

Dentro das mudanças desse novo panorama está o deslocamento da função do Estado, que se manifesta principalmente na nova concepção de avaliação e certificação e no deslocamento da função de controle do Estado para o mercado. Anteriormente, com os currículos mínimos, o Ministério da Educação e Cultura e o Conselho Federal de Educação (CFE) controlavam o processo de forma centralizadora, credenciando e autorizando cursos por meio de verificação periódica de análise documental. Esse procedimento era “eminentemente cartorial” (KUENZER 2001, p. 24) e estabelecia uma relação direta entre formação e ocupação, e o papel do Estado era mediar a relação entre formação e mercado de trabalho.

Com a mudança do currículo mínimo para as Diretrizes Curriculares o MEC e o CFE continuam autorizando e reconhecendo os cursos superiores, porém com certa flexibilidade nos critérios (princípios do Banco Mundial que flexibilizam o modelo de universidade e estimula a oferta de graduação pela iniciativa privada) e a função de controle de qualidade passa a ser do mercado que aceita ou não a formação do egresso. Resumindo, o Estado muda de função, passa de mediador entre formação e mercado para uma função certificadora e o mercado assume a de controle, de avaliador da qualidade dos cursos (KUENZER, 2001). Segundo a mesma pesquisadora o Provão é uma forma de avaliação de qualidade deslocada do processo para o produto e que tem como “maior finalidade permitir o julgamento racional do desempenho profissional pelo mercado” Kuenzer (2001, p. 25).