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Organização do Ensino Superior Português e Enquadramento Legal

Capítulo 3. Ação Social no Ensino Superior em Portugal

3.1. Organização do Ensino Superior Português e Enquadramento Legal

A reforma do sistema de ensino superior português levada a cabo nos últimos 15 anos insere-se no movimento europeu de modernização do ensino superior, tendo por base o quadro definido na Estratégia de Lisboa (Conselho Europeu, 2000) que pretendia tornar a Europa na economia do conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de gerar um crescimento económico sustentável com mais e melhores empregos e maior coesão social.

O aumento da participação no ensino superior apresenta-se como uma prioridade na política educativa europeia, igualmente transposta para a política educativa nacional, reconhecendo a importância fundamental deste nível de ensino para o crescimento económico, inovação e competitividade nas sociedades globais do conhecimento (Castro et al., 2010). As instituições de ensino superior passaram, assim, a ocupar uma posição estratégica na chamada nova agenda económica global, dada a sua crucial importância no atual modelo de desenvolvimento, no qual a capacidade de produzir, interpretar e disseminar conhecimentos e informações passa a ser determinante para as vantagens competitivas entre os países.

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No contexto deste novo paradigma de desenvolvimento, a Comissão Europeia definiu como novo referencial europeu para o Ensino Superior, na estratégia Europa 2020, a meta de conclusão de uma formação de nível de Ensino Superior por, pelo menos, 40% dos adultos na faixa etária entre os 30 e os 34 anos (Comissão Europeia, 2010). Em 2014, a percentagem de portugueses diplomados nessa faixa etária era de 31%, enquanto a média europeia (UE21) atingia já os 39% e a média dos países da OCDE os 41% (OCDE, 2015a). No âmbito do quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e formação, o programa Educação e Formação para 2020 – EF 2020 define quatro objetivos estratégicos (Conselho da União Europeia, 2009):

i) Tornar a aprendizagem ao longo da vida e a mobilidade uma realidade; ii) Melhorar a qualidade e a eficácia da educação e da formação;

iii) Promover a igualdade, a coesão social e a cidadania ativa;

iv) Incentivar a criatividade e a inovação, incluindo o espírito empreendedor, a todos os níveis da educação e da formação.

O ensino superior compreende o nível de ensino mais elevado consagrado na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Educativo35. Na figura 3.1 apresenta-

se um diagrama que sistematiza as diferentes ofertas formativas disponibilizadas para jovens e adultos, no contexto do sistema educativo nacional. Neste diagrama podemos identificar os diferentes níveis e ciclos de ensino existentes no sistema educativo nacional (ensino pré-escolar, ensino básico, ensino secundário e ensino superior), respetivo número de anos, bem como a sua relação com a Classificação Internacional do Tipo de Educação (CITE) e com o Quadro Nacional de Qualificações (QNQ).

O ensino superior compreende três ciclos de estudos, correspondentes a licenciatura (CITE6), mestrado (CITE7) e doutoramento (CITE8) e baseia-se num sistema binário que distingue ensino politécnico de ensino universitário. As licenciaturas e metrados são ministrados por ambos os tipos de ensino, enquanto a oferta de mestrados integrados e doutoramentos é da competência exclusiva das universidades. Desde o ano letivo 2014/15,

35 Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, e subsequentes alterações pela Lei n.º 115, de 19 de setembro, pela Lei

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os Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP)36 passaram a integrar a oferta formativa

dos institutos politécnicos, constituindo cursos superiores não conducentes à atribuição de grau académico (com correspondência ao CITE5), vindo a substituir progressivamente os anteriores Cursos de Especialização Tecnológica (CET).

Figura 3.1 – Sistema Educativo Nacional

Fonte: CNE (2013a)

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O acesso ao ensino superior português realiza-se através de três formas principais37:

Regime Geral: com a fixação de vagas por estabelecimento e por curso, por parte da Direção

Geral do Ensino Superior (DGES), quer para o Concurso Nacional de Acesso (CNA) para o Ensino Superior Público, quer para os concursos institucionais realizados pelas instituições do Ensino Superior Privado;

Regimes Especiais: com vagas especiais, até 10% das vagas fixadas para a 1º fase do CNA, para

candidatos que se encontrem em determinadas situações, nomeadamente atletas de alta competição, familiares de diplomatas em missão no estrangeiro ou de diplomatas estrangeiros em Portugal, oficiais das forças armadas ou em missão no estrangeiro, bolseiros dos PALOP e naturais de Timor Leste.

Concursos Especiais: da responsabilidade das próprias instituições de ensino, para candidatos

maiores de 23 anos, titulares do grau de licenciatura, CET, CTeSP ou outras formações equivalentes e para estudantes internacionais. Existem ainda outros concursos especiais para acesso ao curso de Medicina por titulares de grau de licenciado e de acesso para estudantes internacionais.

A rede de instituições de ensino superior compreende as instituições de ensino superior públicas e privadas. Para além disso, o ensino superior português organiza-se num sistema binário, integrando instituições de ensino universitário e instituições de ensino politécnico. A opção binária na estrutura institucional do ensino superior português iniciou-se em 1973, com a reforma de Veiga Simão38, com a criação de estudos superiores de curta duração a

realizar nos institutos politécnicos e nas escolas superiores (Castro et al., 2010). O ensino superior politécnico viria a ser consagrado em definitivo com a alteração da designação de “Ensino Superior de curta duração” para “Ensino Superior politécnico” no diploma que criou a rede de estabelecimentos do ensino superior politécnico39. Mais tarde, a publicação da

Lei de Bases do Sistema Educativo40 constituiu um marco legislativo na estrutura binária do

ensino superior português.

37 O Regime Geral é regulado pelo Decreto-Lei nº 296-A/98, de 25 de setembro; os Regimes Especiais são

regulados pelo Decreto-Lei nº 393-A/99, de 2 de outubro; os Concursos Especiais são regulados pelo Decreto- Lei nº 113/2014, de 16 de julho; o concurso especial para acesso ao curso de Medicina por titulares de grau de licenciado é regulado pelo Decreto-Lei nº 40/2007, de 20 de fevereiro; e o de acesso para estudantes internacionais é regulado pelo Decreto-Lei nº 36/2014, de 10 de março.

38 Lei n.º 5/73, de 25 de julho, e Decreto-Lei n.º 402/73, de 11 de agosto.

39 Decreto-Lei nº 513-T/79, de 26 de dezembro, ratificado pela Lei n.º 29/80, de 28 de julho.

40 Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, e subsequentes alterações pela Lei n.º 115, de 19 de setembro, pela Lei

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De acordo com Sardinha et al. (2015), a atual organização e ordenamento do ensino superior português resultou da necessidade de se proceder à reorganização e racionalização da rede de estabelecimentos e de cursos do ensino superior e de clarificar a diferente natureza dos subsistemas universitário e politécnico. A publicação, em 2000, do diploma41 que aprovou a organização e ordenamento do ensino superior, assentou em

quatro pilares fundamentais:

i) Assumia uma lógica de “rede global” do ensino superior (considerando todas as instituições, públicas e privadas, universitárias e politécnicas), com o objetivo de racionalizar a rede do Ensino Superior,

ii) A necessidade de garantir ao ensino superior politécnico um novo modelo de organização institucional assente no instituto e não nas escolas;

iii) A garantia de requisitos mínimos e comuns de qualidade para a criação de novas escolas e cursos;

iv) A criação de um sistema de regulação independente capaz de assegurar a coordenação do sistema e a relevância social e garantia de relevância académica das suas formações.

No âmbito deste processo de reforma é publicado, três anos mais tarde, o Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior42, que procurou clarificar a natureza

de formação do binómio do ensino superior (universitário e politécnico), definir os princípios gerais a que deve obedecer a rede de estabelecimentos de ensino superior, os requisitos mínimos e comuns a que devem obedecer os cursos superiores conferentes de grau, os princípios gerais a que deve obedecer a avaliação e acreditação dos cursos, bem como a necessidade de assegurar condições de igualdade de oportunidades no acesso aos cursos ministrados nos estabelecimentos de ensino.

No mesmo ano foi também publicada a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior43, que define o financiamento do ensino superior de acordo com critérios

objetivos, indicadores de desempenho e valores padrão relativos à qualidade e excelência do ensino ministrado, no quadro de uma relação tripartida entre o Estado, as instituições de ensino superior e os estudantes.

41 Lei n.º 26/2000, de 23 de agosto. 42 Lei n.º 1/2003, de 6 de janeiro.

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O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)44 veio mais tarde a regular a

sua constituição, atribuições e organização, o funcionamento e competência dos seus órgãos e, ainda, a tutela e fiscalização pública do Estado sobre as mesmas, no quadro da sua autonomia. Este novo regime jurídico teve como objetivo dotar as instituições de ensino superior portuguesas de maior autonomia em matéria de definição de currículos, investigação e gestão dos seus recursos financeiros (OCDE, 2014b).

Relativamente aos dois subsistemas, o RJIES refere:

As universidades, os institutos universitários e as demais instituições de ensino universitário são instituições de alto nível orientadas para a criação, transmissão e difusão da cultura, do saber e da ciência e tecnologia, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação e do desenvolvimento experimental.

Os institutos politécnicos e demais instituições de ensino politécnico são instituições de alto nível orientadas para a criação, transmissão e difusão da cultura e do saber de natureza profissional, através da articulação do estudo, do ensino, da investigação orientada e do desenvolvimento experimental. (RJIES: artigos 6º e 7º)

Conforme argumentado por Urbano (2011), o ensino universitário tem por objetivo assegurar uma sólida preparação científica e cultural e proporcionar uma formação técnica que habilite o exercício de profissões intelectuais e culturais e fomente o desenvolvimento das capacidades de conceção, inovação e análise crítica, enquanto o ensino politécnico visa uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, que desenvolva a capacidade de inovação e de análise critica, com conhecimentos de índole teórica e prática, com vista ao exercício de atividades profissionais mais técnicas.

O esquema apresentado na figura 3.2 permite identificar as principais diferenças entre os dois subsistemas do ensino superior. É possível verificar as dimensões que delineiam a fronteira entre os dois subsistemas: os objetivos, a profundidade científica, as componentes teóricas e prática e os domínios envolventes. A dicotomia conceção/exercício está na base da distinção entre os dois subsistemas de ensino superior, em que ao universitário estariam associadas a capacidades mais conceptuais e ao politécnico capacidades mais pragmáticas. Como referido no artigo 3º do RJIES, o ensino universitário deve “orientar-se para a oferta de formações científicas sólidas, juntando esforços e competências de unidades de ensino e investigação” e o ensino politécnico deve

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“concentrar-se especialmente em formações vocacionais e em formações técnicas avançadas, orientadas profissionalmente”.

Figura 3.2 – Distinção dos subsistemas do Ensino Superior português

Fonte: Urbano (2011)

De realçar ainda que o ensino superior politécnico assume um âmbito fortemente regional, fundamental para o desenvolvimento das regiões onde se insere, através da formação de técnicos com uma preparação prática e em áreas científicas e económicas específicas de cada região, de acordo com as necessidades formativas do seu tecido empresarial. No Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP)45,

publicado em 2009, é referido que:

“o desenvolvimento do ensino politécnico permitiu atrair mais alunos para o ensino superior, criar fileiras de ensino superior curto em Portugal e, em muitos casos, promover uma inserção regional do ensino superior em todas as regiões do país, com manifestos benefícios económicos e sociais”.

O reforço do sistema binário permitiu, assim, numa lógica de democratização do ensino superior, promover a igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, atenuando a clivagem regional até então verificada e permitindo uma maior diversificação social da população estudantil, com adequação das matérias e práticas a diferentes grupos sociais (Sardinha et al., 2015).

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