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Capítulo III – A ampla defesa

3.3. Origem

Como foi dito acima, o direito de defesa parece ínsito ao ser humano, de forma que todas as pessoas detêm a percepção de um direito que lhe é assegurado, antes de ter, contra si, apreciada a pretensão de outrem. É por tais razões que muitos juristas encampam o direito de defesa ao Direito Natural, especialmente relacionados às obras de São Tomás de Aquino.

110 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o

Em interessante lição, FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO remonta

o direito de defesa aos preceitos bíblicos, em Gênesis, Capítulo 3, Versículos 9 a 12 111, em que existe uma conversa entre Deus e o homem, e a este é dado o direito de defesa.112

Assim, parece que o direito de defesa remonta à própria existência da humanidade. É certo que, em dados momentos históricos, tal direito restou frontalmente mitigado. Contudo, não menos certo é que, ainda assim, tal direito não foi esquecido. Pelo contrário, apesar de afastado por manobras ilícitas e autoritárias, o direito de defesa persistiu existindo e fomentando na crença das pessoas sua essência e ideal.

Segundo os estudiosos do Direito Romano, o direito de defesa remonta àquela época. A atividade jurisdicional de então foi classificada em três fases distintas: (i) legis actiones; (ii) per formulas; e, (iii) cognitio extra ordinem.113

O primeiro período, da legis actiones, vigorou da fundação de Roma até 149 a.C., os interessados em promover a atividade estatal jurisdicional deveria fazê-lo com base em uma das cinco ações expressamente previstas na lei. O procedimento era solene, bastando meras irregularidades para a parte ter desprovida sua pretensão.

Nesta fase o demandado era citado para comparecer perante um magistrado e responder às acusações que lhe eram assacadas. Aqui, o demandado poderia reconhecer o pedido, quando terminaria o procedimento; ou, negá-lo, quando então o processo era encaminhado a um árbitro privado, nomeado pelas partes, iniciando-se a fase do apud iudiucem.

111 “9. Mas chamou o Senhor Deus ao homem, e perguntou-lhe: Onde estás? 10. Respondeu-lhe o homem: Ouvi a tua voz no jardim e tive medo, porque estava nu; e escondi-me. 11. Deus perguntou-lhe mais: Quem te mostrou que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? Ao que respondeu o homem: A mulher que me deste por companheira deu- me a árvore, e eu comi”.

112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 03, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, p. 170.

113 Neste sentido: TUCCI, José Rogério Cruz e; e, AZEVEDO, Luiz Carlos de, Lições de história do

Perante este árbitro, as partes podiam sustentar suas razões orais e produzir as provas necessárias à sua demonstração.

O árbitro então decidia a quizila.

No segundo período, do per formulas, aqueles cinco tipos de ações previstas em lei não acompanharam o desenvolvimento da sociedade da época, impondo-se a ampliação de poderes aos magistrados para decidir as demais causas que lhe eram postas à apreciação.

Através deste novo procedimento, aumentaram-se as chances de defesa do demandado.

O procedimento ainda estava cindido em duas etapas: a inicial perante um magistrado e posteriormente um árbitro. Contudo, aqui, as partes nomeavam mandatários para representá-los perante as autoridades.

Na primeira fase do procedimento, o réu era notificado (in ius

vocatio) pelo autor que cientificava aquele da sua intenção de instaurar o

processo.

Em seguida, o autor formulava sua pretensão ao magistrado. Esta fase era muito importante, pois qualquer equívoco na fórmula apresentada poderia culminar na improcedência do pedido deduzido. Se houvesse dúvida do autor quanto ao objeto da lide, este poderia interpelar o demandado para definir corretamente os limites da ação.

Ao réu era possibilitada a defesa ou o reconhecimento do pedido do autor.

O magistrado redigia a fórmula e nomeava um árbitro para litis

contestatio, produção de provas e prolação da decisão.114-115. Já nesta época

existiam resquícios do que hoje entendemos por revelia, pois marcava-se uma data para a produção das provas, e, caso uma das partes não comparecesse, o árbitro declarava vitorioso a parte que estava presente.

Verifica-se, portanto, que o direito de defesa foi sendo paulatinamente prestigiado, já que diversos atos processuais passaram a prever a defesa como elemento essencial ao processo. Exemplo disso é o chamamento do réu ao processo: com o passar do tempo, já não mais foi permitido ao autor notificar o réu (in ius vocatio), mas tal incumbência passou a pertencer ao Estado (evocacio).

Na terceira e última fase, da cognitio extra ordinem, passa-se a consagrar a soberania do estado para julgar os conflitos que surgem na sociedade. A função jurisdicional passa a ser privativa do estado. O processo não é mais bipartido.

O magistrado recebia as razões do autor (petitio ou persecutio) sem a anterior atenção desmedida ao formalismo.

O réu era citado e poderia apresentar sua defesa (contraditio) com todas as matérias que julgasse pertinente.116

114 Segundo ARANGIO-RUIZ, Vincenzo, Instituciones de derecho romano, 10ª ed., Trad. José M. Caramés Ferro, Buenos Aires, Depalma, 1952, p. 147/150, as possibilidades de defesa do réu ficaram bastante alargadas.

115 Também com esta opinião: CHAMOUN, Ebert, Instituições de direito romano, Rio de Janeiro, Forense, 1951, p. 126, para quem “a exceptio era um meio de defesa que o pretor concedia ao réu, após exame dos fatos (cognita causa), para afastar os efeitos iníquos de uma norma do ius

civile e que consistia na alegação de uma circunstância acessória da pretensão do autor mas

diferente dela e destinada a afasta-la ou paralisá-la. O juiz só podia condenar o réu se a circunstância suscitada não fosse verdadeira. A exceptio era inserta entre a intentio e a

condemnatio e redigida de modo condicional e negativo”.

116 Segundo TUCCI, José Rogério Cruz e; e, AZEVEDO, Luiz Carlos de, op. cit., p. 140, “eliminada a bipartição de instâncias, o novel regime reservado ao processo, pelo inequívoco cunho publicístico que passa a ostentar, apresenta-se como uma verdadeira ruptura com o tradicional sistema do ordo iudiciorum privatorum”

Após verifica-se a litis contestatio, na qual as partes produziam as provas possíveis. Encerrado o procedimento, o juiz sentenciava.

Percebe-se, assim, que o direito de ação vem sendo amoldado e prestigiado conforme o passar do tempo. A partir de então, como não poderia deixar de ser, o direito de defesa passou a ser requisito essencial para toda e qualquer demanda judicial.