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A ocupação do território brasileiro foi inicialmente pensada com base na exploração da força de trabalho nativa, objetivo que em curto espaço de tempo mostrou-se inviável. Seguiu- se então a opção de importar mão de obra escrava, algo que melhor se ajustava aos propósitos do empreendimento colonial, desde que combinava o rentável tráfico de pessoas com a disponibilidade da força de trabalho necessária à exploração de produtos agrícolas que constituíam a matéria-prima para a manufatura de produtos altamente valorizados no mercado europeu. Neste caso, primeiramente a cana-de-açúcar a ser cultivada e industrialmente transformada em engenhos, a fim de ser exportada com a expectativa de obtenção de lucros elevados. Mais do que isto, a exploração deste produto ocorria, predominantemente em grandes propriedades, contribuindo para a consolidação de um padrão de ocupação da terra altamente concentrado.

Assim é que se estrutura na Colônia, como atividade econômica dominante, um sistema de exploração de produtos agrícolas bastante lucrativo, voltado para a exportação de produtos

96 tropicais para os países europeus, e organizado com base no trabalho escravo. No que tange a uma caracterização mais ampla da sociedade colonial, Linhares; Teixeira (1981, p. 108-109) registram que:

Elaborou-se um quadro do período colonial que criou, numa extensa faixa do território que seria, no século XIX, o Brasil, uma economia agrária caracterizada pelo regime de grandes propriedades (o latifúndio agrário-exportador e o latifúndio pecuário), pelo trabalho escravo, pela monocultura de produtos tropicais voltada para o mercado externo, por um sistema político resultante da “hipertrofia do poder privado”, que se expressava no nível municipal, e que tinha na figura do patriarca local sua representação típica. Outros elementos também podem ser incluídos na caracterização desse sistema sócio-econômico: a concentração dos núcleos urbanos ao longo da costa, a função portuária das principais cidades, o caráter rural da população, a extrema precariedade do comércio interno, a extrema escassez da moeda, a lentidão das comunicações internas, não apenas em virtude das distâncias e dos maus caminhos, como também dos transportes, a estreiteza das atividades artesanais e a quase inexistência de atividades manufatureiras, a fragilidade numérica, econômica, social e política dos comerciantes residentes na colônia, a importância numérica social e política da burocracia do Estado. E, ainda, uma estrutura de consumo que refletia a hierarquia entre ricos e pobres, senhores e escravos do mundo rural – alguns gêneros e algumas mercadorias de luxo para os ricos, a mandioca para todos e, sobretudo, para os pobres; uma estrutura familiar, entre a classe dominante, de tipo patriarcal; uma prática da religião marcada por manifestações exteriores do culto; uma extrema pobreza da vida intelectual.

Assim, o modo de organização da atividade produtiva na Colônia encontraria um de seus limites na produção de alimentos necessários à manutenção da força de trabalho escrava. Para o abastecimento de bens alimentícios colocavam-se as opções de importa-los ou de produzi-los internamente. A primeira, extremamente cara terminaria absorvendo parte dos lucros obtidos com a exportação do açúcar, embora, na medida que tal importação ocorresse, contribuiria para aprofundar as relações econômicas com a metrópole. A segunda dependeria de sua produção pela força de trabalho escrava e pelos homens livres desprovidos de terra para o cultivo dos produtos comercialmente mais valorizados. Para os homens livres a opção mais imediata seria a de se estabelecerem em pequenas unidades produtivas situadas nas franjas das grandes propriedades, ocupando-se da produção de alimentos, com base na utilização da força de trabalho familiar. Apesar disto, restava-lhes, ainda, a possibilidade de se instalarem em áreas mais distantes e relativamente isoladas. Ao analisar a maneira como se deu a ocupação econômica do território Moura (1986, p. 67) pondera que:

No Brasil colonial, a terra era um meio de produção abundante, sendo preciso imobilizar a mão de obra pelo regime da escravidão, para assegurar seu suprimento à grande lavoura. Caso contrário, essa mão de obra poderia dispersar-se e formar um campesinato independente. Não se deve, no entanto, tomar essa explicação como absoluta.

As formas de ocupação autônoma da terra pelos camponeses não se limitaram à periferia das grandes lavouras, mas surgiram também à maior distância destas,

97 constituindo-se em sítios. A pesquisa histórica sobre esses camponeses está ainda começando, mas há dados sobre sua existência no agreste e sertão nordestinos, em São Paulo e Minas, já no século XVIII. Não se trata de uma ocupação estática e acabada da terra, mas de um campesinato cuja condição independente podia atravessar incólume longos períodos, mas que ficava ameaçada sempre que fazendeiros avançavam sobre terras livres, regidas por códigos costumeiros de ocupação, e começavam a fincar limites, erguendo cercas e submetendo o camponês ao pagamento de rendas.

Com efeito, as limitações de acesso à terra impostas aos camponeses formam-se no período colonial, sendo determinadas pelo tráfico de escravos, que se constituía em uma atividade altamente rentável. Isto resultou na constituição das grandes plantações que empregavam a força de trabalho escrava. Como salienta Martins (1983, p. 37-38)

Há algumas suposições fundamentadas para entendermos por que, ao invés de empregar o trabalho de índios e agregados na grande lavoura de exportação, preferiu- se empregar o trabalho cativo do negro. De um lado, porque o fundamento do trabalho escravo estava no tráfico negreiro, era no comércio escravista e não na fazenda escravista que a escravidão se recriava. Por outro lado, esta situação tinha o seu sentido, já que permitia aos traficantes de escravos fazer do cativo renda capitalizada, extrair renda da colônia já antes da produção colonial, ao invés de extrai-la por meio de monopólio e renda territoriais. O tráfico negreiro e o trabalho escravo eram exatamente os fatores que retiravam da colônia qualquer caráter feudal. Permitiam que, ao invés da metrópole tirar renda da terra através de uma elite territorial, de um monopólio de classe ou de um monopólio estritamente estamental sobre o solo, tirasse renda na circulação, fazendo o escravo produzir renda capitalista antes de produzir mercadorias, cobrando tributo antes da produção e não depois da produção, como ocorria com a renda feudal, deslocando o problema da renda (colonial) da produção para a circulação das mercadorias, no caso o escravo. Com isso, a independência do território, em 1822, não representou um colapso para as relações coloniais. O monopólio da terra não se constituía na condição do trabalho escravo; ao contrário, a escravidão é que impunha a necessidade do monopólio rígido e de classe sobre a terra, para que os trabalhadores livres, os camponeses, mestiços, não viessem a organizar uma economia paralela, livre da escravidão e livre, portanto, do tributo representado pelo escravo, pago pelo fazendeiro aos traficantes, já que a concorrência do trabalho livre tornaria economicamente insuportável o trabalho escravo.

O conjunto de restrições impostas aos camponeses para obter o acesso à terra estendia- se, ainda, às possibilidades de sua participação na vida política. Eram praticamente impedidos de votar, desde que por sua própria condição social jamais poderiam preencher os requisitos de renda exigidos pelas leis vigentes nesse período, situação que só viria a ser alterada, em 1889, com a proclamação da República.

Nesse quadro, a relação desses homens livres com a grande propriedade, via de regra, era caracterizada pela dependência e subalternidade. Não detinham a propriedade legal das terras que ocupavam e viviam sujeitos à dinâmica da produção escravista. Por outro lado, as oscilações do preço do açúcar no mercado europeu geravam movimentos de expansão e de retração das atividades produtivas desenvolvidas nas grandes propriedades. Quando tais

98 movimentos implicavam na expansão das atividades produtivas, as terras ocupadas pelos homens livres eram absorvidas pelas plantações de cana-de-açúcar, e sua força de trabalho incorporada às grandes propriedades. Contudo, nos momentos de retração dessas atividades eles retornavam à produção de alimentos nas áreas periféricas dos grandes estabelecimentos. Ou então, como mencionado anteriormente, deslocavam-se para outras áreas ou regiões de fronteira.

De acordo com Garcia Jr. (2002), o que dotava as grandes plantações de flexibilidade em relação às elevadas flutuações de preço de seus produtos no mercado internacional eram os seus mecanismos de funcionamento. Dentre eles pode-se mencionar a natureza espoliativa dos contratos entre os donos da terra e os trabalhadores, firmados a partir de condições assimétricas e baseados em relações sociais personalizadas, o que resultava em um forte padrão de dependência para aqueles que não dispunham de outra opção para morar e trabalhar.

Estabelecidos de forma bastante desigual, tais contratos permitiam que nos períodos de baixa dos preços no mercado externo, os valores relativos à remuneração do trabalho pudessem ser reduzidos, assegurando, assim, a preservação da renda monetária dos grandes proprietários. Conforme a região ou o produto cultivado, os proprietários podiam recorrer, ainda, à expansão da área plantada, de modo a atenuar o impacto da baixa dos preços sobre os seus rendimentos. Outro mecanismo existente era o da reconversão das lavouras comerciais para a exploração de outros produtos, como o gado, o tabaco e o bicho-da-seda (GARCIA JR., 2002, p. 51).

Contudo, apesar dos acentuados padrões de subordinação do campesinato, o equacionamento do problema da produção de alimentos mostrava-se bastante complexo. Linhares; Teixeira (1981) assinalam que a monarquia portuguesa estabelecia leis que determinavam a cessão dos dias de sábado para os escravos cuidarem de sua alimentação, bem como da obrigatoriedade da reserva de terras para o cultivo da mandioca, referida como o pão da terra. Estas leis não agradavam aos senhores de terra, gerando sérias resistências à sua aplicação. Entendiam que tais determinações da metrópole lhes acarretava um duplo prejuízo, pois, não só se viam privados do uso da força de trabalho como das parcelas de terra destinadas à produção de alimentos, sobretudo nos períodos de expansão da lavoura. Em razão dessas dificuldades, a agricultura familiar passou a desempenhar um papel de grande relevância na produção de alimentos. Estes autores salientam que:

Como uma atividade menor, do ponto de vista do sistema de poder dominante, apesar de sua extensão e do número de pessoas que ela ocupa, a agricultura de subsistência torna-se, assim, a retaguarda da atividade maior que é voltada para o comércio metropolitano. Coube-lhe, entretanto, embora encarada como atividade menor, o

99 papel de ocupar a terra, desbravando-a e povoando-a, de modo a cumprir as tarefas que lhe foram sendo, gradativamente, exigidas. A área que ela ocupa, e continuará ocupando, é aquela não ocupada pela agricultura comercial especulativa (no interior da plantation) e não ambicionada pelos interesses mais poderosos (a fronteira aberta), daí o caráter precário e transitório do uso e da posse da terra por pequenos proprietários e lavradores sitiantes, como se fossem ocupantes ocasionais de glebas provisórias. (LINHARES; TEIXEIRA, 1981, p. 119)

Nessa configuração da economia colonial é que se localiza a origem das formas camponesas no Brasil. É nos pequenos estabelecimentos vinculados à produção de alimentos, que tinham como objetivo mais importante a reprodução do grupo familiar, localizados dentro ou fora das grandes propriedades ou mesmo nas regiões de fronteira aberta, que se encontra a gênese do campesinato no Brasil. Tais estabelecimentos eram explorados por homens livres, que mantinham uma relação de dependência e de subalternidade em face da grande propriedade. Exploravam os cultivos alimentares utilizando-se de técnicas rudimentares, muitas vezes responsáveis pela rápida exaustão dos solos, o que os obrigava a ocupar seguidamente outras terras, caracterizando uma prática de agricultura itinerante.

Assim, a instabilidade do processo produtivo e a precariedade do modo de vida dos grupos envolvidos com uma agricultura de subsistência, são aspectos bem evidentes na formação do campesinato brasileiro. De modo geral, a posse precária da terra e o uso de técnicas atrasadas, além de estimular uma agricultura itinerante, resultava em uma produção limitada, incapaz de satisfazer adequadamente as necessidades do grupo familiar. Por outro lado, limitava severamente as possibilidades de acumulação de capital por esses produtores.

Em que pese tais empecilhos, os camponeses e outras categorias sociais integrantes da agricultura familiar não se limitavam apenas à prática de uma agricultura de subsistência de natureza autárquica. Mesmo expostos a um quadro de adversidades muito acentuado, sempre lutaram pelo “acesso a atividades estáveis e rentáveis” (WANDERLEY, 1996, p. 10) na agricultura, apesar de que sua atenção primordial estivesse orientada para o atendimento das necessidades do grupo familiar. Segundo esta autora:

Esta dupla preocupação – a integração ao mercado e a garantia do consumo – é fundamental para o que aqui estamos chamando de “patrimônio sócio-cultural, do campesinato brasileiro. A este respeito, parece claro que a referência a uma “agricultura de subsistência”, tão frequente na literatura especializada, pode esconder os propósitos mais profundos dos agricultores. Nada indica que o campesinato brasileiro se restrinja, em seus objetivos, à simples obtenção direta da alimentação familiar, o que só acontece quando as portas do mercado estão efetivamente fechadas para eles. Pelo contrário, a experiência do envolvimento nesta dupla face da atividade produtiva gerou um saber especifico, que pôde ser transmitido através das gerações sucessivas e que serviu de base para o enfrentamento – vitorioso ou não – da precariedade e da instabilidade acima analisadas. (WANDERLEY, 1996, p. 11)

100 Um dos aspectos centrais da evolução do campesinato brasileiro e da realização de suas lutas é, portanto, o da posse e uso da terra. Neste sentido, torna-se importante considerar que a ocupação do espaço agrário, no período colonial, ocorreu mediante a concessão de grandes extensões de terra pela Coroa portuguesa – as sesmarias – com o objetivo de que fossem utilizadas para a produção de alimentos para o abastecimento da população e de mercadorias agrícolas para o mercado europeu. Tais concessões deram origem à constituição das grandes propriedades, excluindo-se a população nativa e os homens pobres, mesmo que fossem livres, do acesso legal à terra. Este tipo de ordenamento era acompanhado da prevalência do morgadio, uma disposição jurídica que tornava o primogênito das famílias dos grandes proprietários único herdeiro dos bens familiares. Isto gerava o empobrecimento dos outros membros da família que passavam a viver sob a dependência do mais velho, na condição de agregado. Delineavam-se, portanto, as condições básicas para o monopólio da terra a ser exercido pelo pequeno grupo formado por grandes proprietários. De acordo com Martins (1983, p. 33):

O morgadio interditava a dispersão da riqueza pela herança, mas não impedia a abertura de novas fazendas e a constituição de novas propriedades mediante simples ocupação e uso da terra. Aliás, era esse o processo de obtenção de sesmarias: o futuro sesmeiro ocupava antes a terra, abria sua fazenda e só assim se credenciava para obter a concessão e a legitimação da sesmaria. O emprego útil da terra era a base da legitimação. Por esse motivo, terras abandonadas, como ocorreu com frequência onde os terrenos que se tornavam “cansados”, ainda que já concedidos em sesmarias, podiam cair em comisso, revertendo à Coroa, possibilitando a sua entrega a um novo sesmeiro.

Mais tarde, em 1835, a extinção do morgadio deveu-se ao temor de que uma aristocracia fundiária monopolizasse os cargos políticos no Senado do Império, tendo por base direitos hereditários. Os casamentos intrafamiliares passaram, então, a ser promovidos como meio de evitar a fragmentação da propriedade. A par de disso, recorreu-se ao expediente de manter as terras indivisas, ressalvando-se o direito de todos os herdeiros (MARTINS, 1983, p. 33-34).

Por outro lado, o grande número de pessoas afastadas dos direitos de propriedade da terra era bem diferenciado. Os agregados só podiam requerer o domínio sobre uma posse em nome de um fazendeiro. Seus direitos eram, assim, convertidos em uma concessão do proprietário, valendo como uma condição de troca. O consentimento de permanecer na terra era retribuído pelo agregado mediante a prestação de serviços e produtos, caracterizando uma troca em condições bastante desiguais. Algo semelhante ocorria com os moradores das grandes propriedades no Nordeste. A concessão da moradia de favor e de exploração da terra pelo

101 proprietário era regida tanto por contrapartidas materiais quanto por compromissos de lealdade, que incluíam obrigações de ambas as partes. Conforme Martins (1983, p. 36):

A natureza da troca envolvida e embutida na concepção de favor evoluirá com o desenvolvimento econômico brasileiro para se definir mais concretamente como relação de arrendamento: terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), de espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e no sudeste). Mas essa evolução será diferente para o fazendeiro e para o agregado.

Dentre o campesinato também se encontravam os posseiros e os sitiantes. Ambos tinham em comum a posse da terra, mas não o seu domínio. Desde que a sesmaria tinha a primazia sobre a posse de uma terra, havia a possibilidade de um sesmeiro encontrar no estabelecimento que lhe fora outorgado certo número de posseiros, que só poderiam permanecer na propriedade com o seu assentimento. Em caso contrário, via-se apenas obrigado a indenizá-los das benfeitorias realizadas. Por sua vez, os sitiantes constituíam uma categoria de produtores independentes, que possuíam um pedaço de terra, onde geralmente produziam alimentos para o próprio consumo e para o mercado, comercializando-os em feiras livres. Praticavam uma agricultura itinerante, abandonando os sítios que exploravam, após o esgotamento dos solos.

Historicamente, a posse e o uso da terra assumem, portanto, uma importância crucial para os camponeses. Delas dependia o seu modo de vida, sua cultura, suas relações sociais, sua memória. Daí a necessidade de buscar outras opções quando suas relações com a grande propriedade se tornavam insuportáveis e ameaçavam sua relativa autonomia e possibilidades de reprodução social. Dentro desse quadro, observam-se diversas situações que respondem pelo esforço em ocupar e deter a posse da terra enquanto um meio de produção. Uma delas era a da migração para regiões que proporcionassem melhores condições que as de suas áreas de origem. A outra estava relacionada com os fluxos de deslocamento destinados à recriação da economia camponesa nas regiões de fronteira. Neste caso, a fronteira era vista como o local de restabelecimento da autonomia e de desenvolvimento da agricultura familiar. Isto a caracterizava também como um espaço de realização da utopia camponesa, algo que realçava, uma vez mais, a posição de centralidade que a posse da terra ocupava em suas aspirações e expectativas sociais. Neste sentido, Ianni (2009, p. 142) pondera que:

(...)A relação do camponês com ela compreende um intercambio social complexo, que implica a cultura. Jamais se limita à produção de gêneros alimentícios, elementos artesanais, matérias-primas para a satisfação das necessidades de alimentação, vestuário, abrigo, etc. muito mais do que isso, a relação do camponês com a terra põe em causa também a sua vida espiritual. A noite e o dia, a chuva e o sol, a estação de plantio e a da colheita, o trabalho de alguns e o mutirão, a festa e o canto, a história e

102 a lenda, a façanha e a inventiva – são muitas as dimensões sociais que criam e recriam na relação do camponês com a terra, o seu lugar.

Assim, as unidades produtivas camponesas também se constituíam no espaço social de produção e reprodução da família. Voltadas, inicialmente, para o cultivo de alimentos que assegurassem a subsistência do grupo familiar, evoluíram para a incorporação da criação de animais e produção de matérias-primas agrícolas. Passaram a apresentar uma diversidade muito grande, conforme sua condição de origem ou ao contexto em que eram recriadas.

No que tange ao desenvolvimento das relações de trabalho no campo, pode-se considerar, ainda, que a abolição da escravatura representou para os grandes proprietários de terra a perda do capital investido em escravos, em que pese a extensa duração deste processo, dividido em etapas balizadas por leis que os desoneravam, gradativamente, de suas obrigações com a manutenção da força de trabalho, como o que ocorreu com a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários. A principal evidência de que a eliminação legal do trabalho compulsório não abalou significativamente os mecanismos de dominação existentes nas grandes plantações era