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CAPÍTULO 2 FUNDOS CONSTITUCIONAIS DE FINANCIAMENTO: ORIGEM E

2.1 Origem e caracterização

Na década de 1980 esgotam-se as ações da antiga política de desenvolvimento regional brasileira, num contexto de fortes crises fiscal e financeira do Estado, acompanhadas por um processo de inflação crônica, que acabaram por fazer com que a questão do desenvolvimento regional fosse deixada em segundo plano.

Juntamente com isto observa-se também uma mudança no direcionamento de recursos agrícolas, comprometendo ainda mais a situação do acesso a recursos públicos na região Nordeste. A alta inflação levava a uma queda constante dos depósitos à vista, fonte central de recursos para o crédito agrícola. De fato, legalmente uma percentagem dos depósitos à vista

deve ser direcionada a este tipo de crédito – configurando as chamadas Exigibilidades28 -, sendo esta uma das fontes tradicionais de recursos à agricultura. Com a queda dos recursos das Exigibilidades bancárias, o Tesouro Nacional passa a direcionar mais recursos ao Sistema Nacional de Crédito Rural, mas isto se dá por meio de financiamento inflacionário e crédito subsidiado (BARBOSA, 2005).

Uma das características desse sistema, a partir de meados da década de 1980, foi o de que a crise fiscal levou ao questionamento desse mecanismo. Num quadro em que diminuía a ação do Estado no direcionamento de recursos às regiões mais carentes, e em que também reduzia a atuação do Tesouro no oferecimento de financiamento subsidiado, advogava-se a necessidade de reformas no sistema, com a criação de novas fontes de recursos não inflacionárias e menos ligadas a recursos do Tesouro (CORRÊA, 1999b). Nesta direção, foram surgindo outras fontes alternativas de recursos, tais como: Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária (Procera), Caderneta de Poupança Rural, Sociedades de Crédito Imobiliário e Bancos Múltiplos, Fundos de Aplicações Financeiras (FAF), Depósitos Intrafinanceiros Rurais (DIR), Depósitos Especiais Remunerados (DER), Fundos de

Commodities, Recursos externos, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), Recursos

Extramercado (FAE), Adiantamentos sobre contratos de câmbio (ACC), Finame agrícola e os Fundos Constitucionais de Financiamento.

A construção de uma nova institucionalidade que possibilitasse a continuidade das políticas governamentais de apoio creditício à agricultura, em resposta às pressões dos produtores rurais de menor renda e de algumas representações regionais que já conviviam com a queda dos recursos do Sistema Nacional de Crédito Rural e com a escassez de políticas regionais explícitas, tornou-se visível com a divulgação da Constituição Federal de 1988, quando um papel mais relevante foi dado ao desenvolvimento regional.

A preocupação com os desequilíbrios inter-regionais, historicamente conhecidos e evidenciados na marginalização de algumas regiões frente ao dinamismo de outras, a pressão dos movimentos sociais reivindicando uma solução para as disparidades socioeconômicas e o entendimento de que tais disparidades não afetam apenas essas regiões, mas também o crescimento do País de forma geral, contribuíram para que o Governo Federal criasse uma estrutura de políticas de desenvolvimento regional com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais no Brasil. Essa estrutura seria formada pelo Ministério da Integração Nacional, que

28 De acordo com Barbosa (2005), as Exigibilidades referem-se aos percentuais dos depósitos à vista que devem ser direcionados para a agricultura ou permanecer inaplicáveis para outras operações, podendo ser liberados tanto por bancos públicos quanto privados.

supervisiona os Fundos de Desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia – FINOR e FINAN, respectivamente -; pelo Departamento de obras Contra a Seca (DNOCS) e a Companhia do Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), bem como pelos Fundos Constitucionais de Financiamento.

A criação dos Fundos Constitucionais, a partir do artigo 159, inciso I, alínea “c” da Constituição Federal, representou a institucionalização de um importante instrumento de financiamento com vistas a contribuir de forma mais direta para o desenvolvimento de regiões que apresentavam maior dificuldade econômica. Num contexto de queda dos recursos direcionados ao setor produtivo, esperava-se que os Fundos viessem a ocupar papel fundamental no direcionamento de recursos aos produtores de menor porte.

De acordo com o dispositivo constitucional, e posterior regulamentação dada pela Lei n0 7.827, de 27 de setembro de 1989, ficou estabelecido que 3% da arrecadação total do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) devem ser aplicados em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e dos municípios incluídos na área de atuação da Sudene dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social dessas regiões com vistas à diminuição da desigualdade regional no País.

Uma vez que a fonte de recursos dos Fundos Constitucionais é assegurada pela Constituição Federal e, por isto, não se trata de resolução transitória ou mutável conforme o governo em vigência, o aporte inicial de recursos já se encontra definido na Carta Magna. Ademais, por definição legal a aplicação desses recursos encontra-se a salvo das injunções de políticas conjunturais de contingenciamento de crédito, uma vez que se pretende assegurar a continuidade das inversões de desenvolvimento regional.

Por meio das instituições financeiras federais de caráter regional, os Fundos Constitucionais de Financiamento possibilitam a alocação de recursos nas seguintes proporções: 1,8% para o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) e para aqueles municípios na área de atuação da Sudene; 0,6% ao Fundo Constitucional do Norte (FNO) e 0,6% ao Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO).

A Figura 2.1 mostra o ciclo no qual se originam os recursos dos Fundos Constitucionais, bem como o caminho percorrido por esses recursos para o cumprimento do objetivo traçado. Inicialmente, as transações entre pessoas físicas e jurídicas, no mercado consumidor de produtos e serviços, geram a base para os dois tipos de impostos que constituem a fonte originária de recursos dos Fundos: IR e IPI, cujo montante de 3% da

arrecadação desses mesmos impostos compõem as transferências do Tesouro Nacional para os três Fundos Constitucionais: FNE, FNO E FCO.

Figura 2. 1 - O Ciclo dos Fundos Constitucionais de Financiamento

Fonte: apud Brasil (2008, p.12).

Cabe à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) o repasse dos recursos ao Ministério da Integração Nacional, que os transfere às instituições responsáveis por sua administração e operacionalização nessas regiões: Banco do Nordeste do Brasil S/A, que administra o FNE; Banco da Amazônia S/A, o FNO, e Banco do Brasil, o FCO. Tais bancos operadores, por sua vez, efetuam operações de empréstimos a empreendedores - produtores rurais, firmas individuais, pessoas jurídicas, associações e cooperativas – que desenvolvam atividades no setor produtivo das regiões-alvo, com vistas à geração de emprego e renda. Ressalta-se que, além da receita do IR e do IPI, outras fontes de recursos dos Fundos provêm do retorno das operações de empréstimos, da remuneração de aplicações financeiras e do retorno aos fundos dos riscos assumidos pelos bancos (MACEDO e MATOS, 2008).

Em conformidade com seu objetivo, a criação dos Fundos Constitucionais de Financiamento se deu devido à preocupação de correção dos desequilíbrios inter e intra- regionais na busca de garantir às regiões mais pobres os recursos necessários ao seu crescimento e à melhora das condições sociais. Nesta direção, tais Fundos devem priorizar o atendimento a mini e pequenos produtores rurais, a micro e pequenas empresas, à região semiárida (no caso do FNE) e aos municípios localizados em microrregiões de baixa renda e de pouco ou nenhum dinamismo econômico no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Ademais, a destinação do crédito vinculada aos Fundos,

por parte dos bancos gestores, precisa ser diferenciada dos recursos comumente liberados pelas instituições financeiras, devendo seguir legislação específica.

Os programas de financiamento são elaborados pelos bancos administradores dos Fundos em consonância com as diretrizes, orientações gerais e prioridades estabelecidas no artigo 3º da Lei nº 7.827, de 1989, e aprovados pelos Conselhos Deliberativos das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), do Nordeste (SUDENE) e do Centro-Oeste (SUDECO) e pelo Ministério da Integração Nacional. As condições dos financiamentos que integram os programas são discutidas em cada estado com os representantes das classes produtoras e outras representações.

Com atuação circunscrita a mais de 2.900 municípios de 22 unidades federativas, que, em 2010, participavam com quase 28,0% do PIB brasileiro e detinham cerca de 44% da população total do País, os Fundos Constitucionais de Financiamento são importante instrumento de política pública para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, bem como para alguns municípios dos estados do Espírito Santo e de Minas Gerais, incluindo os Vales do Jequitinhonha e do Mucuri.

Conforme destacado na Figura 2.2, na região Norte, o Fundo Constitucional do Norte (FNO) financia projetos localizados nos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Na região Centro-Oeste, o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) atua no financiamento de empreendimentos no Distrito Federal e nos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Na região Nordeste, o Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) financia projetos localizados nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, além de municípios situados nos estados do Espírito Santo e Minas Gerais, pertencentes à área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Figura 2. 2 - Mapa com a área de atuação dos Fundos Constitucionais de Financiamento

(FCO, FNE e FNO)

Fonte: Lei nº 7.827, de 27.09.1989, apud Brasil (2008).

Caracterizados por possuírem fonte de receita obrigatória e destinação exclusiva sob a forma de operações de crédito, os Fundos Constitucionais são fundos de poupança compulsória29, de natureza contábil-financeira, e constituem fonte privilegiada de funding para o financiamento de projetos que visem à geração de emprego e renda. Seu caráter compulsório de extração dos recursos ao setor privado para constituição das fontes de recursos lhe assegura estabilidade e, portanto, certeza de continuidade do financiamento do desenvolvimento regional (MTE-DIEESE, 2007).

Ademais, a mobilização de recursos via fundos públicos de poupança compulsória traz um benefício indireto: “(...) a vinculação de receitas fiscais ao funding das instituições bancárias que administram tais recursos reduz o risco destas instituições de fomento, colocando-as em posição mais favorável para a captação em outras fontes” (MTE-DIEESE, 2007).

Para os bancos gestores, os Fundos Constitucionais de Financiamento constituem passivos altamente estáveis, uma vez que, como já foi dito, não são objeto de contingenciamento por parte do Tesouro, e não há previsão legal para o Tesouro sacar dinheiro destes fundos para outros fins. Contudo, há que se ressaltar que, apesar de seu

29

Conforme afirma Cintra (2007, p.3), “os fundos regionais de poupança compulsória foram criados para compensar a fragilidade fiscal e financeira dos Estados e Municípios das regiões periféricas”.

caráter estável e contando com um montante de recursos que, de forma alguma, pode ser considerado irrelevante, os Fundos Constitucionais não se mostram suficientes, por si só, para fazerem frente aos problemas das regiões-alvo, tampouco para sustentarem, isoladamente, uma política de desenvolvimento regional (MACEDO e MATOS, 2008).

A partir de 2007, com a instituição da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), os Fundos Constitucionais de Financiamento juntaram-se aos Fundos de Desenvolvimento Regional, aos Fundos de Investimentos e aos Incentivos e Benefícios Fiscais, configurando-se como um dos mais valiosos instrumentos de políticas de fomento regional executadas pelo Ministério da Integração.

Há que se ressaltar, no entanto, que, ao longo das duas últimas décadas, o arcabouço legal dos Fundos Constitucionais passou por alterações significativas que podem ter impactado a forma de aplicação dos recursos e, com isto, também o alcance dos objetivos para o qual foram criados.

2.2. A Constituição Federal e o marco legal dos Fundos Constitucionais: fundamentos