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4 TUTELA CONSTITUCIONAL e INFRACONSTITUCIONAL DO AMPARO AO

4.2 Estatuto do Idoso e os Direitos Fundamentais da Pessoa

4.2.1 Origem do Estatuto do Idoso

A atenção específica ao idoso no Brasil é um fenômeno recente na história da assistência social do País. Somente na década de 40 que se iniciou uma preocupação em se estudar a velhice, por intermédio da medicina, principalmente, através da geriatria e gerontologia, que passou a considerar a faixa etária dessas pessoas, a fim de estabelecer um procedimento a ser adotado em casos de doenças

183 Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Denota-se aqui o um dos princípios magno que rege o Estatuto do idoso, a saber: “ da proteção integral”.

e de estudos a serem realizados. Daí, no Brasil, o surgimento em 1961 da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, que passou a atuar em todo território brasileiro, preocupando-se não somente com a saúde do idoso, mas com o seu bem-estar físico, mental, social e ambiental.185

Destarte, devendo-se, principalmente, ao fato do Brasil ter se constituído até 30 anos atrás, de uma população jovem, mas, que nos últimos anos vem se revertendo, visto o aumento considerável da população idosa no país.

A par disso, a fragilidade das políticas sociais que historicamente acompanharam os governos instalados, inviabilizou o enfoque à situação do idoso, haja vista que o atendimento à criança e a mulher individualmente, bem como ao segmento materno-infantil e, ainda, o dispêndio de recursos públicos no combate as doenças infecto-contagiosas e as de elevados índices de mortalidade como câncer e AIDS, absorveram a maioria dos investimentos.

A cultura política desfavorável de atenção ao idoso no âmbito público, tem sido reforçada pela cultura da eficiência técnica, da produtividade, da agilidade e da lógica de “mercadorização” de todos os serviços e produtos a uma lógica permeada pela relação custo-benefício, característica das “modernas” economias. Em face disto, foi que ganharam relevo, principalmente através da mídia, os valores de jovialidade, agilidade, vigor físico e beleza, associados à eficiência e à produtividade, deixando-se de lado outros valores.

Apesar disto, dentro deste cenário, emerge no Brasil uma população que envelhece e atinge patamares mais elevados de longevidade. Conforme já dito nesta dissertação, em 2050, a previsão é que o número de idosos triplique, passando hoje de 21 milhões para 64 milhões de longevos. Por estas previsões, a proporção de pessoas mais velhas no total da população brasileira passaria de 10%, em 2012, para 29%, em 2050.

Esse fenômeno remete a duas importantes observações. De um lado, a constatação positiva de que o País pelo o menos nesse aspecto, caminha com os mais desenvolvidos, elevando sua expectativa de vida. Mas, de outro, tal fenômeno vem agravar um quadro social deficiente já existente, e que atinge, indistintamente, a um percentual elevado da população brasileira.

Nesta mesma linha de raciocínio, Gilberto Costa Bastos comenta:

A população brasileira, que até pouco tempo, era majoritariamente jovem, está envelhecendo e deverá levar o Brasil a ocupar o sexto lugar entre os países com maior contingente de idosos no mundo. Diante da falta de políticas públicas voltadas para a valorização do idoso, pode-se até prever os riscos e os temores de se envelhecer em um país de terceiro mundo como o nosso. Contudo, antes de qualquer avaliação pessimista, tentar olhar por outros prismas é até mais produtivo. A partir de ações pautadas por uma lógica, é possível de romper com uma ideologia puramente mercadológica e competitiva, para dar lugar a uma perspectiva de oferecer qualidade de vida para aqueles que, após anos de trabalho, merecem o seu lugar ao sol ou na sombra.186

A terceira idade em si não constitui um problema grave de assistência social em países desenvolvidos, mas, quando se faz presente em Estados com economias em desenvolvimento como no Brasil, reverte-se de magnitude e deve ser fonte de atenção especial por parte das autoridades constituídas.

A questão econômica, contudo, é apenas um dos problemas no qual se assenta o fenômeno do envelhecimento, porque inviabiliza as condições objetivas da dignidade humana em níveis variados, que vão desde a falta de moradia ou abrigo, passando pela inadequada assistência à saúde, má alimentação e condições gerais de existência. Outros problemas de ordem conjuntural e cultural somam-se àquele, transformando essa etapa da vida para muitos, em tempo de sofrimento, desesperança, baixa estima e enfim, de infelicidade.

Deve-se reconhecer que em termos promoção desses direitos, o País pode respaldar-se no fato de este ser um fenômeno relativamente novo e que por esta razão, encontra-se ainda em fase de elaboração e constituição desses direitos. Nesse mesmo pensamento, Paulo Paim assevera:

O país, no entanto, não está se preparando para o próprio envelhecimento. Parece que não está consciente desta nova realidade. A infra-estrutura para responder às demandas da população de idosos em termos de instalações, programas e adequação urbana das cidades está muito aquém do desejável. Não fosse isso o bastante, ainda observam- se em nossa sociedade preconceito e discriminação contra os idosos.187

O fator mais preocupante, no entanto, origina-se nas características da sociedade atual já referida anteriormente, com supremacia do individualismo, do padrão genericamente imposto de racionalização de tudo, como tempo, recursos financeiros, lazer, eficiência e até mesmo afeto, carinho, companhia, etc.

186 BASTOS, Gilberto Costa. Vencedores do tempo. Fortaleza, Minerva, 2002, p. 36.

187 PAIM, Paulo. Prefaciando a obra de SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de. Estatuto do idoso de A a

Assim sendo, tem-se agravado a situação do idoso que, passa a ser visto como um ente que atrapalha, incomoda, é inconveniente, dá trabalho, não é produtivo, etc., explicando a falta de respaldo familiar, causa 1ª das condições em que muitos idosos se encontram.

É verdade que nem todas as famílias têm condições adequadas de assistência e atenção ao idoso, mas, não são poucos os registros de abandono familiar sofrido por pessoas na terceira idade, vítimas do efeito “descartável” que a sociedade pratica obcecada pela ideia da supervalorização do novo, que desqualifica a memória e banaliza o velho.

O desdobramento dessa questão cultural é o desenvolvimento do preconceito e, por conseguinte, da discriminação. Desse modo, não estão livres sequer os que se encontra em situação financeira privilegiada, haja vista que aos 60 anos ou após essa idade, ainda que a pessoa goze de plena capacidade cognitiva e física (o que é comum na faixa social economicamente favorável), ficam excluídos de fato, de determinadas atividades socioculturais como dançar, reunir-se com amigos, namorar e participar de festividades familiares, porque ainda que tenha disposição é discriminado, censurado e rejeitado, levando-o a auto-recolhimento, quando não é expressamente excluído do grupo social. Assim sendo, lugar de “velho” no imaginário popular brasileiro é dentro do pijama, pela manhã sentado na cadeira lendo jornal, e à noite, em frente à televisão.

Todas essas questões têm levado, cada vez mais, os familiares a internarem seus parentes idosos em instituições asilares que os acolhem. Ressalvando-se evidentemente, outros condicionantes que justificam o internamento asilar, como a necessidade de reabilitação, ausência temporária justificada ou inexistência real de ente familiar próximo, idosos em estágios terminais de patologias e dependência elevada, e outros. Esse comportamento tem reforçado o desrespeito e o preconceito, além de agravar o estado psicossocial do idoso ao afastá-lo de sua coletividade e de seu espaço social.

Desde então, a preocupação com os idosos passou a ser muito mais enfatizada, cobrada pelas autoridades competentes, pois a cada dia o número de idosos no Brasil, como no mundo, vem aumentando acentuadamente.

Assim, consoante já mencionado neste trabalho, foi através da Lei n. 8.842 de 4 de janeiro de 1994, que foi criado o Conselho ou Política Nacional do Idoso (PIN), ou seja, foi o primeiro passo dado pelos constituintes em busca de uma

Lei que tratasse os idosos de maneira mais digna, mais igualitária, visando atingir essa camada social composta de nada mais nada menos de 16 (dezesseis) milhões de idosos aos quais contribuíram para o crescimento dessa Nação. Assim, necessitando de um microssistema jurídico que lhe conferisse maior atenção, como ocorreu, por exemplo, com as crianças e adolescentes através do advento do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente).188

Diante disto, tendo os idosos uma Lei que tinha como escopo a implementação de uma política nacional de proteção e tutela para assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, e considerando ao idoso, para todos os efeitos, a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos de idade.189

Logo após, veio o Decreto nº 4.227, de 13 de maio de 2002, que regulamentou o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso-CNDI, que passou a supervisionar e avaliar a Política Nacional do Idoso (PIN), elaborando proposições, objetivando aperfeiçoar a legislação pertinente à Política Nacional, estimulando e apoiando a criação desses direitos nos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, dentre outras funções de mesma natureza. Depois, mais recentemente, tivemos a aprovação do Projeto Lei nº 3.561, de autoria do senador Paulo Pain (PT- RS), criando o Estatuto do Idoso, que tramitava no Congresso Nacional desde 1997 e somente em 1° de outubro de 2003 foi sancionado pelo Presidente da República, constituindo na Lei 10.741/03, ou seja, passava-se a existir um Estatuto destinado a regular os direitos das pessoas idosas com idade igual ou superior a sessenta anos, trazendo consigo regras de direito privado, previdenciário, penal e processual.190

Após esta fase, constatou-se uma grande vitória de todos os idosos do país e de toda a sociedade. Logo, se faz necessária uma efetiva fiscalização para que o Estatuto supracitado venha a ser cumprido, necessitando de um conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.191

188 OLIVEIRA. Fabrício Dias de. Estatuto do idoso artigo 94: aplicabilidade absoluta ou interpretação

strictu sensu?. Revista de previdência social. São Paulo, ano XXVIII, n. 285, agosto. 2004, p.284.

189 TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. op.cit., p.54. 190 TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. op.cit., p.54.