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1. Os estilos nacionais e a ornamentação no barroco tardio

1.1. Os ornamentos de acordo com: Tartini, Carl Philipp Emanuel Bach e Leopold Mozart.

Giuseppe Tartini (1692-1770) escreveu o seu “Tratado sobre os

Ornamentos na Música” entre os anos de 1735-1750 (há indícios de que pode ter

sido escrito entre 1752-1756). A primeira edição, em francês, Traité des Agrémens

de la Musique, foi publicada em 1771 na cidade de Paris: a tradução foi atribuída a

P. Denis, mas acredita-se que Pierre La Houssaye (aluno de Tartini) tenha sido um

possível tradutor (WALLACE, 2003, p. 36-37). Apenas 4 cópias do manuscrito

original foram encontradas, sendo que em 1957, Pierluigi Petrobelli encontrou a mais

completa versão do tratado na biblioteca do conservatório de música Benedetto

Marcello. Esta versão vem assinada por Giovanni Francesco Nicolai (aluno de

Tartini) e foi disponibilizada ao público em 1960 (WALLACE, 2003, p. 37).

De maneira geral, de acordo com Sol Babitz

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, o tratado de Tartini,

É o primeiro livro a lidar integralmente com ornamentação; o primeiro livro a discutir em detalhes a raison d’être e a aplicação de ornamentos, oferecendo informações não disponíveis em qualquer outro livro da época; o único livro escrito na Itália acerca do assunto, em um tempo no qual toda a Europa copiava o modelo italiano de performance. Estranhamente, nunca chegou a ser publicado em italiano, embora circulasse amplamente em manuscrito; enquanto assim circulava, tinha, segundo seu tradutor francês, larga influência; foi provavelmente visto por C. P. E. Bach e mais certamente estudado por Leopold Mozart, que se apropriou de seções inteiras dele para o seu Violinschule, com a então habitual ausência de menções ao autor. (BABITZ, ed., Treatise on the Ornaments of Music, 1956, p. 75, tradução nossa)15.

Tartini não acreditava no uso mecânico da ornamentação, pelo contrário,

estimulava a improvisação na hora da performance musical. Em seu outro tratado,

Trattato di Musica, publicado em 1754, ele afirma:

Posso aprovar o uso apropriado de ornamentos musicais em muitas melodias, mas nunca fui capaz de entender o uso de exatamente os mesmos ornamentos em todas as melodias. Convenço-me firmemente que, cada melodia que realmente corresponde a um efeito de palavras, deve possuir a sua própria maneira individual e original de expressão e, consequentemente, os seus próprios ornamentos individuais e originais. (TARTINI apud WALLACE, 2003, p. 40, tradução nossa)16.

Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788) publicou a primeira parte de seu

tratado, Versuch über die wahre Art das Clavier zu spielen, no ano de 1753. A Parte

II foi publicada em 1762. De acordo com Fernando Cazarini, tradutor do tratado para

o português (edição de 2009, p. 9), o Versuch de C. P. E. Bach é considerado o

tratado sobre teclado mais importante do século XVIII, além de “[...] um guia para

dedilhado, ornamentação, fundamentos estéticos, baixo-contínuo e improvisação”.

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Tradutora para o inglês do tratado de Tartini. 15

It is the first book dealing entirely with ornamentation; the first book to discuss in detail the raison d'etre and application of ornaments, providing information found in no other books of the period; the only book written on that subject in Italy at a time when all Europe was copying the Italian model in performance. Oddly enough, it was never published in Italian but circulated widely in manuscript; while thus circulating it had, according to its French translator, wide influence; it was probably seen by C. P. E. Bach and most certainly studied by Leopold Mozart, who appropriated entire sections from it for his Violinschule with the then customary lack of acknowledgement.

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I can approve of the proper use of musical ornaments in many tunes, but I have never been able to understand the use of exactly the same ornaments in all tunes. I am firmly convinced that every tune that truly corresponds to an affect of words must possess its own individual and original manner of expression and consequently its own individual and original ornaments.

No século XVIII houve outras edições do tratado: Parte I em Berlim

(1759); Partes I e II (1780) e Parte I (1787) em Leipzig. No século XX muitas outras

edições foram publicadas: em Leipzig (edição completa, 1906, 1917, 1920 e 1925);

Londres (edição completa sem as sonatas, 1949); Milão (Parte I, 1973); Paris (Parte

I com as sonatas, 1979). Sobre a ornamentação, C. P. E. Bach exemplifica no

Capítulo 2 as características gerais dos ornamentos e demonstra conhecimento

sobre os estilos italiano e francês de composição e interpretação da música.

Destacaremos alguns exemplos:

As cadências ornamentadas são também composições de improviso. De acordo com o caráter da peça, são tocadas livremente, sem levar em conta o compasso. Por isso, nas Lições, o valor das notas dessas cadências é aproximado17. Capítulo 3, tópico 30.

Por isso sempre agiram com mais segurança os compositores que indicaram claramente em suas peças os ornamentos que deveriam ocorrer, em vez de deixarem suas peças sujeitas ao discernimento de executantes desajeitados. Capítulo 2, Parte I, tópico 3.

A lição em fá maior é um esboço da maneira como se costuma hoje em dia variar a segunda das duas reprises dos Allegros. Por louvável que seja essa invenção, ela é muito mal utilizada. Minha opinião sobre isso é esta: não se deve variar tudo, pois se não surge uma outra peça. Muitas passagens de uma peça, principalmente as afetuosas e eloquentes, não se prestam a variação. [...]. Toda variação deve ser conforme o afeto da peça. [...]. Às vezes é bom variar as passagens mais simples acrescentando-lhes ornamentos, e vice-versa. [...]. Capítulo 3, tópico 31.

Também neste ponto deve-se fazer justiça aos franceses, por serem particularmente meticulosos na notação de suas peças. Os maiores mestres de nosso instrumento na Alemanha agiram da mesma forma, contudo, sem excesso de ornamentos, como os franceses. [...]. Capítulo 2, Parte I, tópico 4.

Os ornamentos podem dividir-se em duas classes. Na primeira coloco os que se costumam indicar por certos sinais convencionais, ou por algumas pequenas notas; à outra classe pertencem os restantes, para os quais não há sinais e que consistem de muitas notas curtas. Os ornamentos deste último tipo dependem particularmente do bom gosto na música, e são, consequentemente, suscetíveis de mudanças. Nas peças para teclado geralmente são indicados. Devido ao grande número de ornamentos do outro tipo, pode-se passar sem eles. Assim sendo, trarei pouco deles, no final, quando estiver tratando das fermatas. Antes, tratarei dos ornamentos da primeira classe, uma vez que estes já há muito tempo estão relacionados à própria essência de tocar teclado e, sem dúvida, continuarão sempre na moda. [...]. Capítulo 2, Parte I, tópicos 6 e 7.

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Os franceses são minuciosos na indicação dos sinais de seus ornamentos; infelizmente, à medida que nos afastamos de suas peças e de sua maneira excelente de tocar teclado, também vai desaparecendo a compreensão exata dos ornamentos [...]. Capítulo 2, Parte I, tópico 16.

Vemos, portanto, que os ornamentos são mais usados em andamentos lentos e moderados do que em andamentos rápidos, e mais com notas longas do que com curtas. [...]. Capítulo 2, Parte I, tópico 21.

O gosto atual, influenciado sensivelmente pelo bel canto italiano, não pode se exprimir apenas com os ornamentos franceses: assim, tive que reunir ornamentos de mais de um país. Acrescentei-lhes ainda alguns novos. Creio que, tanto para o teclado como para outros instrumentos, a melhor maneira de tocar é a que reúne de forma correta a precisão e o brilho do gosto francês com a sedução do canto italiano. [...]. Capítulo 2, Parte I, tópico 25.

Leopold Mozart (1719-1787) publicou o seu Versuch einer gründlichen

Violinschule no ano de 1756. Alec Hyatt King, nas notas acrescentadas à tradução

para o inglês deste tratado (edição de 1985, p. vii), afirma que o Versuch de Leopold

é considerado o maior trabalho para violino do século XVIII, comparável ao tratado

para flauta de Quantz e ao tratado para teclado de C. P. E. Bach. Quanto às

edições, podemos elencar algumas de acordo com David D. Boyden (1949, p. 148):

em alemão, 1769, 1970, 1787, 1800; em holandês, 1766; em francês, 1770; em

inglês, 1948, por Editha Knocker. Vale destacar que Leopold lançou mão do Traité

des Agreméns de la Musique de Tartini para a elaboração de seu Versuch. Sol

Babitz acrescenta:

O manuscrito [Tartini] aparentemente não tem data, mas deve ter sido escrito antes de 1750, possibilitando sua circulação por vários anos e alcançando Leopold Mozart a tempo de ser incorporado a seu livro antes de sua escrita em 1754. (BABITZ, ed., Treatise on the Ornaments of Music, 1956, p. 75, tradução nossa)18.

O tratado de Leopold traz grande atenção aos ornamentos desenvolvidos

na França e Itália, ressaltando sua expressiva significância para a interpretação

musical do século XVIII. Vejamos alguns exemplos:

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The manuscript [Tartini] apparently bore no date, but it must have been written prior to 1750 in order to allow several years for it to circulate and reach Leopold Mozart in time to be incorporated into his book before its writing in 1754.

Leopold era considerado o melhor professor de Salzburgo, muito procurado mesmo quando mais velho. Ele não se permitia ser influenciado por Quantz e, menos ainda, por Carl Philip Emmanuel Bach, como provado por seu capítulo sobre ornamentação, no qual segue a prática da escola italiana de Tartini, em vez da dos músicos saxões ou do norte da Alemanha. (KNOCKER, ed., A Treatise on the Fundamental Principles of Violin Playing, 1985, p. xxx-xxxi, tradução nossa)19.

O Zurückschlag (em italiano, Ribattuta) é usado quando se sustenta uma nota muito longa e geralmente antes de um trilo. [...] O Zurückschlag também pode ser usado agradavelmente, por exemplo, em um adagio20.

[...]. Capítulo XI, tópico 17, tradução nossa.

Há ainda alguns outros ornamentos que são majoritariamente nomeados do italiano. Apenas o Battement é de origem francesa. Ribattuta, Groppo,

Tirata, Mezzo Circolo e outros são de origem italiana. E, mesmo que

raramente sejam mencionados, vou, apesar disso, exemplifica-los aqui, uma vez que eles não estão em desuso e ainda podem ser aplicados21. [...]. Capítulo XI, tópico 15, tradução nossa.

No Anexo I apresentamos resumidamente as características gerais de

alguns dos ornamentos destacados por C. P. E. Bach, Leopold Mozart e Tartini em

seus respectivos tratados, já mencionados neste trabalho. Espera-se que estes

apontamentos sejam um guia para aqueles que desejam aprofundar-se no estudo da

ornamentação desenvolvida no século XVIII, além de um estímulo para a elaboração

de nossos próprios ornamentos. Donington afirma:

Assim como Geminiani ou Tartini ou Leopoldo Mozart, quando tocavam Corelli, não procuravam soar exatamente como Corelli, ou como J. S. Bach que colocava muito de sua refinada e livre ornamentação nas suas performances de Vivaldi... esperamos recorrer as nossas afinidades de temperamento e intuição a fim de produzir uma ornamentação livre que seja, ao mesmo tempo, vívida e compatível. (DONINGTON apud BORÉM, 2004, p. 49).

19

Leopold was considered to be the best teacher in Salzburg, and his teaching was sought after even in his old age. He did not permit himself to be influenced by Quantz, and still less by Ph. Em. Bach, as is proved by his chapter on Ornamentation, in which he follows the practice of the Italian School of tartini rather than of the Saxon or North German musicians.

20

The Zurückschlag (Italian Ribattuta) is used in the sustaining of a very long note and generally before a trill. […]. The Zurückschlag can also be used pleasingly, for example, in an adagio. […]. 21

There are still a few other embellishments which are mostly named from the Italian. The Battement only is of French origen. The Ribattuta, Groppo, Tirata, Mezzo Circulo, and other such, are of Italian birth. And even though one now rarely hears them mentioned, I will, in spite of this, set them down here, for they are not without use and may well be used still. […].

CAPÍTULO 2