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Ela ornará a parte esquerda do biombo voltado para a direita, e deixará em uma sombra relativa a esquerda e o fundo do ambiente.

No documento ARTAUD - linguagem e vida.pdf (páginas 63-69)

No momento da metamorfose a luz de fora, se intensificando até o ofus- camento, penetrará pelas janelas, pelas paredes transparentes, parecendo expulsar a iluminação própria dos dois cômodos.

Essa luz entrará com um ruído de vibração atroz amplificado até se tornar insuportável, dilacerante. Este ruído durará apenas alguns segundos e será perse- guido através de todos os meios possíveis até se ter exatamente a amplitude e o diapasão desejados.

Desde o início do ato, o "espião" liberará um halo um pouco mais extenso do que no ato precedente e tomando todas as partes sombrias do espectro solar. O barulho e a luz, se extinguindo de repente, deixarão ver, ao lado de cada personagem, uma espécie de duplo vestido como eles. Todos estes duplos plenos de uma imobilidade inquietante e figurados, ao menos alguns dentre eles, por manequins, desaparecerão lentamente, mancando, enquanto todas as perso- nagens se sacudirão como que despertadas de um sono profundo. Isto terá durado mais ou menos um minuto.

TERCEIRO ATO Cenário

Todo o cenário será construído sob uma iluminação que será irreal sem ter nada de muito convencionalmente feérico.

A frente do palco será ocupada por uma espécie de quiosque hindu com colunas transparentes, de vidro ou de outro material, translúcido em toda a sua largura.

Plantas verdadeiras ou artificiais, mas não pendentes, ocuparão todos os recantos. Iluminações perdidas serão disseminadas nas folhagens, a maioria par- tindo de baixo para cima.

O cenário será orientado da direita para a esquerda, a partir da parte pos- terior do palco até o fundo. A esquerda e ao fundo será montado o pequeno salão redondo que será separado da parte posterior do palco por um grande vidro semelhante àqueles das vitrines dos grandes magazines, de maneira que tudo o que se passar será achatado e como que deformado pela água e sobretudo que nenhum ruído virá dessa parte do palco. A direita e ao fundo o cenário estará livre. Assim, todo esse cenário ocupará apenas a profundidade do palco.

Iluminação

A iluminação do salão redondo será igual, amarelada, difundida por toda parte. No primeiro plano e desde o início do ato a luz será distribuída de modo a formar um círculo sobre cuja as bordas tudo será deformado como através de

um prisma e no centro haverá uma abertura tal que a imagem do salão redondo possa aparecer de lado a lado.

Este círculo ocupará toda extensão do palco de alto a baixo e da esquerda para a direita.

Ao fim do ato todas estas iluminações deSaparecerão dando lugar à ilumi- nação do tablado do fundo por cima da qual se mani estarão os reflexos da Ilha dos Mortos.

O aparecimento da Ilha dos Mortos  far-se-á da seguinte maneira:

Uma maquete em relevo, representando a Ilha dos Mortos, de Bõcklin, sub- metida a ação de uma luz intensa, será colocada diante 'e um espelho situado sobre o tablado do fundo. Este tablado será mantido em nível mais baixo do

que

  o do palco.

E, seguindo um processo outrora muito empregado no teatro, a imagem virtual da maquete deverá ser projetada no ar sob a forma dí reflexos e alguns metros acima da maquete real, de modo a ser vista da cera e nitidamente per- cebida pelo público.

Depois o elevador subirá de maneira a projetar com grande lentidão, acima dele, a aparição da Ilha dos Mortos.

Poder-se-á acrescentar a imagem mulher de cera estendida sobre um vasto leito vermelho debaixo de uma espécie de campanula de vidro,

ou o manequim de um velho de muletas deslocando-se na obscuridade com a condição que essa aparição do manequim possa ser regulada com toda a precisão e todo o tato desejado.

Haverá neste momento como iluminação, à parte dos reflexos virtuais da  Ilha  no ar negro, apenas um ponto luminoso deslocando-se sobre uma parte do

manequim movente.

Ruídos

Não se ouvirá nenhum ruído.

Os passos serão feltrados. Às vezes deverão soar como se se elevassem da névoa.

Não haverá outro ruído exceto o da música do fim que deverá ser procurada em instrumentos especiais: viola etc.

O Jogo

O jogo dos atores seguirá as oscilações da peça, a dicção sempre nítida e precisa não cairá jamais na salmodia; o que não quer dizer que se proibirá todo o lirismo longe disto.

O estudante representará de uma ponta a outra da peça como um homem mal desperto e que, ao tocar a matéria sólida de uma impressão, de um senti- mento, deve tocá-la como um homem que o fizesse por procuração.

O Velho evitará a atual composição do velho de teatro, tremilicando, ba- lindo e que fala com uma vozinha esganiçada, da garganta.

Ele terá ao contrário um tom muito nítido, embora um pouco mais elevado do que o normal, sinal de grande segurança, de que ele tem consciência de falar em-nome-daquilo-que-o inspira.

Na múmia, as defasagens de tom serão extremamente bruscas. Mas sua voz alguns instantes antes da metamorfose tomará estranhos toques de doçura e ju- ventude.

A moça falará sempre com imensa doçura, uma espécie de resignação. Sua voz, que não salmodiará jamais e há de precisar de tudo, será por instante apenas colocada. Ela ouvirá a si mesma mais ainda que a outros personagens.

O jogo do desempenho será no conjunto bastante lento como sentido, muito embora travado e movimentado a fim de evitar a monotonia. A mono- tonia será evitada pelo relevo geral, pela ausência de jogo entre as réplicas, salvo quando este for absolutamente necessário, pois então o intervalo será marcado com insistência. O jogo deverá dar por momentos a impressão do ralentado de cinema, sobretudo para certas personagens, que se deslocarão com pequenos pas- sos de maneira quase sempre imperceptível e, no entanto, chegarão a seus lugares sem que ninguém se aperceba do fato. Procurar-se-á uma grande harmonia no gesto, na relação dos movimentos, que mais ainda do que no Golpe de Trafalgar, serão fixados e ajustados como mecanismo bem remontado.

A personagem da cozinheira será figurada por um manequim e suas réplicas serão lançadas em voz enorme e monocordia por vários alto-falantes, de maneira que não se possa discenir exatamente a fonte.

No momento da metamorfose todas as personagens se congelarão por al- guns instantes numa imobilidade absoluta.

No último ato, os atores quase não se mexerão. Parecerão procurar seus gestos, suas palavras terão o ar de contar os passos, como pessoas que perderam a memória.

No fim somente, para lançar sua invocação à morte, o ator recuperará sua força, sua consistência, uma voz bem corpórea.

Convidado, 8 de dezembro último, pelo grupo Effort, a tomar parte em um debate sobre o teatro2, condensei em algumas páginas e de uma maneira extrema- mente breve, esquemática mesmo, minhas idéias sobre o assunto. Sendo, creio, o assunto proposto: o Destino do Teatro3, respondi direta e ingenuamente. Isto é, 1. O texto dessa conferência, visivelmente inacabado e redigido provavelmente após o debate ao qual assistiu Antonin Artaud, daí seu título, nos foi comunicado pelo Sr. Jean-Marie Conty, que nos transmitiu também esse fragmento, que sem dúvida foi escrito a propósito da mesma confe- rência:

Todo mundo fala hoje em dia "crise" do teatro. Esta expressão está longe de significar a mesma coisa  para todo mundo. E mesmo entre aqueles que não confundem a  arte  do teatro com seu rendimento material e industrial, que não falam da crise do teatro como falariam de uma crise na alimentação ou na

venda de borrachas [...]

2. É muito provavelmente a esse debate  que Antonin Artaud faz alusão em "A Encenação e a Metafísica".

3.  UEffort  (O Esforço), agrupamento intelectual e artístico, fora fundado em 1929. Numerosos es- critores, homens de teatro, músicas e cineastas lhe subministraram seu apoio. Esse agrupamento organiza- va reuniões, debates, conferências, concertos, representações teatrais, visitas a exposições. Oferecia a seus membros um serviço de informações sobre os livros, os espetáculos e os discos et c, e lhes proporcio-

nava entradas a preços reduzidos para certos espetáculos. O objetivo era adquirir conhecimentos em todos os domínios através da investigação coletiva, embora permitindo a cada membro uma pesquisa in- dividual.

UEffort  havia organizado na sala de Iéna, para terça-feira 8 de dezembro 1931, um debate sobre O Destino do Teatro, do qual participaram: Antonin Artaud, René Bruyez, René Fauchois, H.-R. Le-

sem antes me preocupar em saber qual era o público com que eu iria tratar, tentei considerar o teatro filosoficamente e na sua essência. Atitude abstrata, da qual só me dei conta ao perceber em que silêncio mortal caíam minhas palavras, ter- rivelmente fora de hora e lugar. Sem dúvida, eu nada tenho de um verdadeiro filó- sofo e a linguagem que adotei era, na minha boca, ridícula em vista de minha grande inabilidade em me servir dos termos filosóficos. No entanto, não percebi na sala nada que se assemelhasse a risos, que sem dúvida eram dissimulados, o que prova que as pessoas estavam seguras de si, menos ainda do que eu de mim, porém prova também que a filosofia, quando se exprime, tratando-se da filosofia aplicada ao teatro por um semi-ignorante, só pode causar espanto.

As pessoas que esperavam ser energicamente sacudidas puderam, com toda razão, sentir-se decepcionadas. Decepção que, por outro lado, me serve de elogio. E que deixei o palco com a impressão de ter falado não sei bem qual língua morta, impermeável ao espírito, e cujo manuseio é reservado apenas aos eruditos. Eis o discurso, não como o proferi, mas como, depois de proferido, me parece que deveria tê-lo feito a esse público de pessoas da sociedade, de artistas dos teatros próximos, de autores dramáticos representados quando jovens, e de jovens ansiosos por serem representados antes de envelhecer!

Rebelem-se quanto queiram contra essa maneira ambiciosa, quase que ampla demais, e ultrapassando sem dúvida os meus meios de considerar a questão do teatro, digo que, no momento e no ponto em que estamos, nenhuma questão pode ser colocada de outro modo salvo no plano universal, isto é, no da liqui- dação de todos os valores sob os quais vivemos e que, ninguém poderá negar, estão cedendo um após outro, em todas as costuras; e que essa liquidação, que cheira talvez a decadência, cheira acima de tudo a um ajuste de contas, que no seu desarranjo de máquina parece evocar a marcha contrária de alguma suja doença humana, cujos gestos não são mais sequer humorísticos, à força de serem repetidos demais. Voltarei a tudo isso em breve.

Na melhor das hipóteses, esperamos ver, enfim, formulada essa questão que nos interessa tanto: a questão do teatro.

No número de 12 de dezembro de 1931, da Comcedia, encontra-se o relato desta sessão intitula- do : Um Grande Debate sobre o Destino do Teatro ou "O Bom Rapaz Vive Ainda". A intervenção de An- tonin Artaud é aí comentada nos seguintes termos:

Um outro jovem, mais jovem ainda o sucede  (a Hanry-Jaunet, antigo administrador e secretário geral do Studio des Champs-Elysées): Antonin Artaud. Um frêmito percorre a sala: O criador do Teatro Ubu vai certamente derrubar tudo. Infelizmente! Apesar de sua máscara a Ia Marat, apesar de sua voz sibi- lante, apesar de seus recursos de peito e de seus cabelos em posição de batalha, Artaud se contentou em fazer  uma pequena exposição sobre a encenação e uma apologia do teatro metafísico que em nada resolveu o pro- blema. Decepcionou. Não seria para menos, pois esperava-se no mínimo vê-lo pegar o teatro, o velho teatro,  pelos ombros para tentar repô-lo em pé.

Porém, ela não será melhor formulada esta noite do que tem sido desde

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