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O Sonho de Strindberg faz parte deste repertório de um teatro ideal, cons titui uma destas peças-padrão cuja realização é para um encenador como que o

No documento ARTAUD - linguagem e vida.pdf (páginas 41-47)

coroamento de uma carreira. O registro dos sentimentos que aí se acham tradu-

zidos, reunidos, é infinito. Encontramos aí ao mesmo tempo o lado de dentro

1. O texto incluído no programa vendido por ocasião das representações do Sonho ou Jogo de Sonhos, de Strindberg, interpretado pela primeira vez em Paris, na tradução francesa do autor. A mise en scène era de Antonin Artaud. No programa constava esta especificação: O Prólogo e os 6 o , 12°, 14° quadros não serão representados.

A peça foi representada por Tânia Balachova (Agnès), Yvonne Save (a Mãe e a Zeladora), Lannay (a Cantora e a Dançarina), Gilles (Christine), Alexandra (Louise e Edith), Ghita Luchaire (Ela e a Velha Coquette, depois a Mulher e Victoria); Srs. Raymond Rouleau (o Oficial), Straram (o Vidraceiro e o Pai), Bontoux (o Corista e Ele, depois o Marido), Sarantidis (o Ponto e o Amigo), Bruyez (o Pregador de Cartazes e o Escolar), Dallé (o Policial), Maxime Fabert (o Advogado), Boverio (o Poeta), Decroux (o Chefe da Quarentena), Zacharie (Don Juan), de Vos (o Cego); Antonin Artaud só aparecia no 15° e último quadro no papel de A Teologia.

No tocante à distribuição dos papéis em O Sonho, Sra. Colette Allendy nos comunicou esta nota manuscrita de Antonin Artaud talvez destinada à imprensa:

O Sr. Raymond Rouleau que possui uma rara inteligência das necessidades e das leis do teatro de hoje no papel do Oficial. O Sr. Boverio, de natureza generosa, de temperamento de fogo, é que comporá uma  fremente figura de Poeta ideal. O Sr. Fabert que soube outogar o seu temperamento cômico às necessidades

de um papel com toda a profundidade. Do lado das senhoras, Tânia Balachova presta sua sensibilidade ao  papel de Agnès e a Sra. Yvonne Save, seu senso do palco ao duplo papel da Mãe e da Zeladora. Mais ainda,

e o de fora de um pensamento múltiplo e fremente. Os mais altos problemas estão aí representados, evocados em uma forma concreta e misteriosa ao mesmo tempo. É verdadeiramente a universalidade do espírito e da vida cujo frêmito nos é oferecido e que nos empolga no sentido de nossa humanidade mais precisa e mais fecunda. A consecução de semelhante representação sagra necessariamente um encenador, um diretor. O Teatro Jarry tinha a obrigação de montar uma tal peça. É conhecida a razão de ser e o princípio desta nova companhia. O Teatro Jarry gostaria de reintroduzir no teatro o sentido, não da vida, mas de uma certa verdade captada no íntimo do espírito. Entre a vida real e a vida do sonho existe um certo jogo de combinações mentais, de relações de gestos, de acontecimentos traduzíveis em atos e que constitui exatamente esta realidade teatral que o Teatro Jarry pôs na cabeça que iria ressuscitar. O sentido da ver- dadeira realidade do teatro se perdeu. A noção de teatro se apagou dos cérebros humanos. Ela existe, no entanto, a meio caminho entre a realidade e o sonho. Mas enquanto ela não tiver sido reencontrada em sua integridade mais absoluta e mais fecunda, o teatro não cessará de periclitar. O teatro atual representa a vida, procura, por cenários e iluminações mais ou menos realistas, nos restituir a verdade comum da vida, ou então cultiva a  ilusão -  e então é pior que tudo. Nada há de menos capaz de nos iludir do que a ilusão de acessórios falsos, de papelão e tecidos pintados que a cena moderna nos apresenta. Cumpre tomar o partido dela e não procurar lutar com a vida. Há na simples exposição dos objetos do real, em suas combinações, em sua ordem, nas relações da voz humana com a luz, toda uma realidade que se basta a si mesma e não tem necessidade de outra para viver. É esta falsa realidade que é o teatro, é ela que é preciso cultivar.

A mise en scene de O Sonho  obedece, portanto, a esta necessidade de nada propor aos olhos do público que não possa ser utilizado imediatamente e tal qual pelos atores. Personagens a três dimensões que ver-se-á moverem-se em meio de acessórios, de objetos, em meio de toda uma realidade igualmente a três di- mensões. O falso no meio do verdadeiro, eis a definição ideal desta encenação. Um sentido, uma utilização de uma nova ordem espiritual dada aos objetos e às coisas ordinárias da vida.

DECLARAÇÃO

O Teatro Alfred Jarry, consciente da derrota do teatro diante do desen- volvimento invasor da técnica internacional do cinema, se propõe por  meios especificamente teatrais contribuir para a ruína do teatro tal como ele existe atual- mente na França, arrastando nessa destruição todas as idéias literárias ou artísticas, todas as convenções psicológicas, todos os artifícios plásticos etc, sobre os quais 1. Brochura de quarenta e oito páginas, ilustrada com nove fotomontagens, sob capa em cores de Gaston-Louis Roux. N enhuma indicação do impressor.

As cartas descobertas por Henri Béhar nos informaram que sua redação fora confiada a Roger Vitrac. Esta brochura não pode ser separada das outras publicações do Teatro Alfred Jarry. Além do fato de ter sido Antonin Artaud quem teve a idéia de utilizar as opiniões da imprensa e ter ele se encarregado pessoalmente de redigir, sob a forma de canas humorísticas, a crônica do segundo e terceiro espetáculos, ele deu a Vitrac instruções precisas sobre o  essencial do que devia ser a! dito, instruções que ele deve ter renovado, por certo, mais de uma vez de viva-voz, Artaud o levou a modificar certas passagens e rejeitou algumas de suas proposições, nomeadamente naquilo que poderia tender a dar ao planfleto o tom de um manifesto político. Além disso, ele se encarregou pessoalmente das últimas correções e assinou a liberação de impressão.

Henri Béhar descobriu uma cópia datilografada do texto de introdução trazendo, em cima do título, pela mão de Roger Vitrac, a menção: I o artigo.  Entre esta cópia e a versão que foi impressa é possível notar algumas diferenças que indicamos aqui abaixo. Elas podem corresponder às correções feitas nas provas por Antonin Artaud. Cumpre observar, além do mais, que esta cópia não

o teatro se edifica e reconciliando, ao menos provisoriamente, a idéia do teatro com as partes mais ardentes da atualidade.

HISTÓRICO

O Teatro Alfred Jarry, de 1927 a 1930, deu quatro espetáculos, a despeito das piores dificuldades.

I. O primeiro espetáculo foi representado no Teatro de Grenelle nos dias Io  e 2 de junho de 1927, em soirée.  Comportava:

1. Ventre bríilé ou Ia Mère folie {Ventre Queimado ou a Mãe Louca), pochade musical de Antonin Artaud2. Obra lírica que denunciava humoristicamente ó conflito entre o cinema e o teatro;

2. O texto Ventre brúlé dela Mire folie ("Ventre Queimado ou A Mãe Louca") não foi encon- trado; é de se perguntar se Antonin Artaud na realidade escreveu o "texto" deste rabisco musical e se não se tratava antes de um esquema sucinto a partir do qual ele teria indicado no curso de ensaios os  jogos de cena aos atores. Parece, de fato, em todo caso, que o músico, Maxime Jacob, trabalhou tão-so-

mente segundo diretivas verbais porquanto, à nossa pergunta relativamente a esse texto problemático, ele respondeu: Lembro-me com muita nitidez de Ventre brúlé ou Ia Mère folie, mas jamais tive texto al- gum entre as mãos e não conservei sequer minha música de cena para bateria e contrabaixo. Ao sair da rep- resentação, Benjamin Crémieux nota na Gazette du franc  (4 de junho de 1927) que se trata de uma breve alucinação sem texto ou quase.

Numa tese defendida em 1960, o Hors-Théâtre, Robert Maguire tentou reconstituir o esquema de Ventre de brúlé de Ia Mère folie, interrogando os atores. Ele também utilizou visivelmente as críticas da época: a de Benjamin Crémieux, já citada, e de Mareei Sauvage na Comcedia (3 de junho dde 1927) e de Régis Gignoux no Vlmpartial francais (7 de junho de 1927) das quais há extratos na montagem que da conta da reação da imprensa ao primeiro espetáculo do Teatro Alfred Jarry. Não se deve ocultar o lado contestável e aleatório de uma tal reconstituição feita com lembranças solicitadas a respeito de um fato ocorrido trinta anos antes. (Assim, Arthur Adamov, envocando a representação do  Sonho em V-  Homme et VEnfant  (Gallimard, 1968) a partir de suas próprias lembranças, pôde escrever: No palco, An- tonin Artaud, no papel do Oficial, com um gigantesco buquê de flores na mão, bate a uma porta fechada, insiste, chama: "Victoria! Victoria!"  Ora, basta consultar o programa do Sonho  (cf. nota 1, p. 41) para perceber que o papel do Oficial era desempenhado por Raymond Rouleau e que Antonin Artaud só aparecia no fim da peça no papel da Teologia.) Por isso, damos à reconstituição de Maguire, a título de documentário, mas fazendo as maiores reservas:

Uma personagem entra em cena envergando uma grande toga preta e com as mãos enluvadas; masca- ra-lhe o rosto a sua longa cabeleira que parece ser de couro umedecido e duro. Ela dança uma espécie de charleston numa obscuridade quase completa, adiantando e recuando uma cadeira ao mesmo tempo que  pronuncia frases misteriosas. Um brilho de raio e ela se desmorona. E nesse momento que entra o Mistério

de Hollywood, vestido de uma longa veste vermelha, com o olho prolongado na direção da boca, por uma máscara que traz um risco no meio. Este torna entre os dedos os longos fios de sua cabeleira e, como que fas- cinado, puxa-o para a luz violeta afim de estudá-lo, como um químico com seu frasco. Nesse momento, do outro lado do palco, uma personagem, Corno de Abundância, grita: "Acabou o macaroni. Mistério de Hol- lywood!" Ao que Mistério de Hollywood responde: "Cuidado com o raio, Corno de Abundância, cuidado com o raio!" Uma rainha passa e morre (entre outras personagens que também morrem), mas seu cadáver se levanta ã passagem do rei para gritar à suas costas: "Como!" antes de voltar e deitar-se definitivamente. A

2. Les Mystères de 1'Amour (Os Mistérios do Amor,três  quadros), de Roger Vitrac3. Obra irônica que concretizava na cena a inquietação, a dupla solidão, as segundas intenções criminosas e o erotismo dos amantes. Pela primeira vez um  sonho real  foi realizado no teatro;

3. Gigogne,  um quadro de Max Robur4. Escrito e representado com um objetivo sistemático de provocação.

II. O segundo espetáculo foi representado na Comédie des Champs-Elysées a 14 de janeiro de 1928, em matinê. Comportava:

1. Partage de Midi  (um ato), de Paul Claudel, encenado contra a vontade do autor5. Este ato foi apresentado em virtude do axioma de que uma obra impressa pertence a todo o mundo;

o cortejo, vitriolado por um jato de luz violeta vindo dos bastidores, desfila ao rufor do tambor atrás de uma cortina de jogo de luz.

Maguire cita em seguida uma carta endereçada a ele por Maxime Jacob que dá mostras de uma prudência mais justa: Quanto a mim sou infelizmente incapaz de reconstituir o tema e desenvolvimento da peça. Posso somente vos dizer que ela se ligava ao esforço de negação e revolta do movimen to surrealista. Parece-me que as personagens - o Rei, sua mulher - encarnavam a angústia do autor e sua recusa desespera- da ou blasfematária diante da vida: amor, casamento, sociedade etc, me parece, eram as mais particular- mente visadas. Tenho a lembrança de uma espécie de marcha fúnebre semigrotcsca e semipungentc. Por isso concebi uma música quase exclusivamente para percussão, com pulsões monótonas e frenéticas, com ritmos elementares, e suas combinações me pareciam dever ilustrar bem os tormentos da alma do autor, que eu não  partilhava de modo algum.

3. Um pequeno cartaz anunciando o primeiro espetáculo do Teatro Alfred Jarry nos informa sobre a sua interpretação:

VENTRE QUEIMADO OU A MÃE LOUCA pochade musical por ANTONIN ARTAUD

com a colaboração de MAXIME JACOB GIGOGNE, por MAX ROBUR

LE MYSTÈRES DE UAMOUR por ROGER VITRAC mise en scène de ANTONIN ARTAUD

maquetes de JEAN DE BOSSCHÈRE INTERPRETADO por

GÉNICA ATHANASIOU

JACQUELINE HOPSTEIN, JEAN MAMY

EDMOND BEAUCHAMP, RAYMOND ROULEAU RENÈ LEFÈVRE etc.

4. O texto de Gigogne, por Max Robur (pseudônimo de Robert Aron), não foi publicado. Eis o que dizia dele Benjamin Crémieux: O Sr. Max Robur em Gigogne retomou um assunto muitas vezes tratado, de um pai de Gigogne (figura de teatro de criança que se apresenta como mãe de grande número de filhos que lhe saem debaixo da saia) rodeado por seus pequenos bastardos. Não demora muito para ele lançar sobre o público injúrias do gênero Chat Noir que não provocaram outras reações na platéia exceto as de um estranho espanto: "Mas ninguém berra?" Ninguém tinha, na verdade, vontade de se indignar. (La Gazettedufranc, 4.jun.l927).

2. La Mere (A Mãe),  segundo Gorki, filme revolucionário de Pudovkin, proibido pela censura e que foi projetado em primeiro lugar pelas idéias que contém, depois por suas próprias qualidades e, enfim, para protestar justamente contra a censura.

III. O terceiro espetáculo foi representado no Théâtre de 1'Avenue, nos dias 2 e 9 de junho de 1928, em matinê. Comportava:

O Sonho ou Jogo de Sonhos, de August Strindberg. Este drama foi montado por causa de seu caráter excepcional, porque o onirismo desempenha aí o papel máximo, porque ninguém ousava montá-lo em Paris, porque foi traduzido em francês por Strindberg mesmo, por causa da dificuldade que uma tal empresa comportava e, enfim, para aplicar e desenvolver em grande escala os métodos de encenação que são próprios do Teatro Alfred Jarry.

IV. O quarto espetáculo foi representado na Comédie des Champs-Élysées nos dias 24 e 29 de dezembro de 1928 e 5 de janeiro de 1929, em matinê. Comportava:

Victor ou les Enfants au pouvoir (Vitor ou as Crianças no Poder),  drama burguês em três atos de Roger Vitrac. Este drama ora lírico, ora irônico, ora direto, era dirigido contra a família burguesa, tendo como discriminantes: o adul- tério, o incesto, a escatologia, a cólera, a poesia surrealista, o patriotismo, a loucura, a vergonha e a morte.

A HOSTILIDADE PUBLICA

Nós classificamos sob esta denominação todas as dificuldades com as quais se chocam as empresas livres e desinteressadas do gênero Teatro Alfred Jarry. São:  a procura de capitais, a escolha do lugar, as dificuldades de colaboração, a censura, a polícia, a sabotagem sistemática, a concorrência, o público, a crítica.

Procura de Capitais

O dinheiro se esconde. Acontece, todavia, que às vezes é encontrado para um espetáculo, o que é insuficiente, pois os empreendimentos periódicos não constituem propriamente um negócio, não se beneficiam das vantagens de que I. Uma obra-prima do cinema russo moderno, A Mãe, de Pudovkin (segundo o romance de Gorki).

Versão integral

II. Um ato inédito de um escritor "notório" representado sem autorização do autor*. Com a participação da:

Senhora Cênica Atbanasiou, os senhores André Berley, Henri Crémieux etc.  Mise en scene dcAntonin Artaud.

gozam explorações regulares. Ao contrário, são sangrados ao vivo pelos forne-

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