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PARTE III: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.2 DESDOBRAMENTO DO PROBLEMA CENTRAL À ESTRUTURAÇÃO

4.2.1 Os agentes protagonistas do conflito e possíveis coalizões

O conflito pode ser analisado como um processo ativo, com desdobramentos no espaço e tempo que conduz a determinados efeitos e causas (PIGNATELLI, 2010). Remetendo ao caso de Pipa, o conflito torna-se evidente a partir do momento em que novos moradores, representando notadamente o setor privado, começam a confrontar o poder público em busca de ações mais efetivas de crescimento acelerado do turismo. Ao mesmo tempo em que os políticos locais passam a sentir a pressão e ameaça do novo grupo dominante, ocasionando uma série de divergências de interesses.

Em decorrência de tais fatores, a população local é impactada diretamente, sendo afastada das suas residências e cada vez mais distanciada do processo de desenvolvimento turístico.

O conflito socioambiental em Pipa agrupa três grandes agentes do desenvolvimento local: Mercado, Poder Público e População. Ressalta-se também o papel do agente múltiplo, aquele que muitas vezes acumula papéis em diferentes grupos. Os conflitos de poder podem ser verificados no âmbito político, entre:

Figura 14- Protagonistas do conflito em Pipa

Fonte: Elaboração própria.

No período de maior exploração turística da Pipa, diversos foram os agentes que impulsionaram transformações que refletem sobre a vida de relações, “tais agentes foram: o

PODER PÚBLICO LOCAL

EMPRESARIADO

POPULAÇÃO

•Além de representantes políticos, eram os detentores do poder econômico;

•Marcado predominantemente por outsiders que possuem negócios em Pipa;

•Sente os reflexos dos entraves, sendo penalizada pelo predomínio do empresariado e do poder público, lutando prioritariamente em busca de causas próprias.

Estado, os agentes econômicos – entre os quais os promotores imobiliários – e a sociedade civil.” (BRANDÃO, 2013, p.163).

O Mercado é representado por dois grupos distintos: empresários nativos e de outras localidades. Os empresários do local são aqueles que nasceram e sempre viveram em Pipa, já os empresários de outras localidades são os que residem no município, de origem nacional e estrangeiros, podendo ser segmentados entre os que adotaram o lugar com afetividade, respeitam e se preocupam com sua conservação, e os empresários capitalistas que visam o lucro a curto prazo, não respeitam a legislação ambiental e excluem a população nativa do processo de desenvolvimento endógeno.

O Poder Público é constituído por políticos do lugar, que por muito tempo detinham também o monopólio do setor privado, sendo empresários e gestores dos primeiros empreendimentos turísticos do município. Ao longo dos anos, foram diminuindo o monopólio diante os novos empresários que chegavam e investiam recursos significativos no setor do turismo, perdendo espaço no setor privado.

No entanto, os representantes públicos passaram a ter uma atuação discordante com as aspirações do mercado, com cobranças abusivas de taxas e pouco investimento em promoção e desenvolvimento do turismo, ocasionando insatisfação dos empresários, que apesar das transições de poder municipal, reclamam que não há mudanças no cenário.

No discurso de N5 fica evidente a insatisfação do setor privado diante a ineficiência do setor público, alegando falta de compromisso e exploração desenfreada do turismo. Isso mostra que mesmo não havendo um conflito eminente, onde as partes brigam diretamente pelos seus direitos, há manifestação de um conflito latente, onde os grupos estão insatisfeitos e desacreditados na atuação pública, mas por algum tempo estiveram acomodados em relação à luta direta. Os investigados apontam que o conflito entre poder público, privado e população:

“É real, todos os dias, todos os dias, mas o que mata uma cidade como essa aqui é a politicagem, é o apadrinhamento político.” (Depoimento E7).

Gonçalves (2010, p.17-18) esboça dificuldades de relacionamento e rivalidade entre os atores mencionados:

Os empresários do turismo (que são outsiders, procedentes de outros estados brasileiros e de outros países) não se submetem ao poder local, possuem outra cultura, têm dificuldades de diálogos e entendimentos com os agentes políticos locais a respeito dos encaminhamentos para a promoção do turismo. Na medida em

que a atividade turística assume relevância, a classe dominante local tradicional quer assumir o controle da atividade, além de participar dos dividendos propiciados pelo turismo, desencadeando conflitos entre os dois grupos distintos: de um lado os empresários do setor turístico (outsiders) e, do outro, os empresários e grupo político local tradicional (insiders).

Outro participante do conflito é a população local que vem sofrendo impactos diretos do desenvolvimento do turismo, passando por grandes adaptações com o “boom” turístico de Pipa, sendo em um primeiro momento afastados do local em virtude da invasão de investidores que supervalorizaram suas propriedades e os seduziram a venderem suas residências.

Em seguida, tornam-se funcionários dos novos empreendimentos, tendo outras oportunidades de emprego e substituindo as antigas habilidades produtivas para trabalharem na área turística. Todavia, percebe-se insatisfação com as novas condições de trabalho, os subempregos que são submetidos, sendo em alguns casos, atraídos pelo tráfico e prostituição.

Nesse sentido, alguns entrevistados reforçam que é uma questão muito mais de trabalhar auto-estima, empoderamento e conscientização do próprio nativo, podendo ressaltar que:

“Pipa não se destaca como destino de atração para o turismo sexual, mas pela situação de baixa escolaridade e poucas perspectivas de vida, a própria população começa a se inclinar por esse lado.” (Depoimento de E11).

“Eu tô vendo os paraísos serem extintos assim, com a conivência dos nativos que não percebem que seus filhos vão cair no tráfico, que não tem emprego, emprego vem para gente de fora que é treinado, os donos de hotéis não trazem uma escola, num fazem um curso para treinar os meninos, então os meninos não tem capacitação, vão todos ser prostitutos.” (Depoimento de E20).

A distribuição financeira provenientes do turismo tem sido motivador de muitos conflitos, tendo em vista que os retornos econômicos acabam sendo concentrados em poucas mãos, não havendo uma distribuição igualitária e justa entre os grupos, sendo a comunidade local normalmente os mais prejudicados nessa divisão (YANG et al., 2013).

A população ainda sente os efeitos negativos por parte das autoridades locais, que normalmente priorizam as obras públicas para atender as necessidades dos turistas, em vez de destinar infra-estrutura local e serviços públicos de qualidade, despertando sentimento de insatisfação e em alguns casos, conflito entre sociedade e poder público (HAIJA, 2011).

Pode ser enquadrada como causa e consequência de um sem-número dentre as transformações ocorridas nas dinâmicas territoriais dos balneários, foi se tornando cada vez mais complexa e heterogênea e, por isso mesmo, mais exigente de diferentes demandas, que incluem o atendimento a interesses específicos de grupos como os moradores mais antigos e os novos moradores (entre os quais se deve incluir estrangeiros e brasileiros de outros estados), os migrantes temporários (proprietários de segundas residências e força de trabalho evocada nos períodos de alta estação) e os turistas.

O fluxo migratório dos que chegarem em Pipa, mesmo representando um embate para os costumes da população nativa, reflete benefícios desse intercâmbio, sendo alguns espaços de convivência perfeitamente compartilhados. Evidencia-se a existência de interação entre essa miscigenação que envolve forasteiros, estrangeiros, turistas e moradores nascidos no lugar:

“Muito bem, eles frequentam aqui, eu frequento a casa deles, é bem misturado. Eu faço aula de hidroginástica, por exemplo, é o máximo da globalização (risos), porque tem gente do mundo inteiro e tem famílias de nativos. Mas sempre foi assim, agora nem tem tantos estrangeiros, mas já houve época de ter muito estrangeiro, e todo mundo junto, não tem nenhuma distinção, isso é o que eu acho mais legal aqui, porque aqui você realmente vive. (Depoimento de E14).

Cada grupo de participantes segmentados no conflito pode ser agrupado por coalizões, tendo em vista o interesse em comum e o agrupamento dos setores como alternativa estratégica para fortalecimento das decisões.

“Mas que o setor público ele entenda que tem o suporte do setor privado e que juntos a gente consiga chegar no nosso objetivo que é melhorar a qualidade do destino pipa.” (Depoimento de E3).

Assim, o poder público pode ser representado pelos membros da gestão local, tais como secretarias e câmara municipal; o Mercado também apresenta suas coalizões, constituído pelas diversas associações vinculadas ao trade turístico- hospedagem, restaurantes, vendedores; por fim, a população local pode ser agrupada em coalizões, representados pelos colegiados, associações e conselhos que visam objetivos semelhantes, como a conservação da destinação turística, buscando desenvolvimento socialmente mais justo e equilibrado (quadro 7).

Quadro 7- Possíveis coalizões dos grupos envolvidos no conflito

PODER PÚBLICO

Possíveis coalizões Definição de metas

 Prefeitura Municipal

 Secretaria Municipal de Turismo  Secretaria de Meio Ambiente  Câmara Municipal

 Secretaria de Educação, Cultura e Desporto

 Manter o controle sobre o uso e ocupação do solo;

 Desapropriar construções irregulares que desrespeitam as leis ambientais;

 Conseguir efetivar um planejamento turístico com metas a longo prazo;

 Tornar Pipa atrativa para os turistas, mas principalmente para a população local, atendendo aos anseios e necessidades básicas da população;

 Incentivar os conselhos participativos, ouvindo efetivamente as aspirações da sociedade sobre os direcionamentos que almejam;

 Fiscalizar a utilização indevida dos recursos naturais e atuar junto aos demais órgãos competentes, tais como IDEMA e IBAMA.

MERCADO

Possíveis coalizões Definição de metas  Associação de Bares e Restaurantes de

Pipa/Tibau (ABREST)

 Associação dos Hotéis de Tibau do Sul e Pipa (ASHTEP)

 Associação dos Barraqueiros da Praia da Pipa

 Associação dos Moradores e Amigos da Pipa (AMAPIPA)

 Ampliar as ferramentas de divulgação e propagação do destino turístico;

 Cobrar ações da gestão pública quanto à melhoria da infra- estrutura básica;

 Conter as construções de equipamentos turísticos em áreas preservadas;

 Maior rigidez em relação a responsabilidade socioambiental;  Seguir as diretrizes para um desenvolvimento turístico mais

sustentável;

 Absorver e capacitar a população local, fornecendo maiores possibilidades de ascensão na atividade turística.

POPULAÇÃO

Possíveis coalizões Definição de metas  Núcleo Ecológico de Pipa (NEP)

 EDUCAPIPA  Associação Catavento  Associação de surf

 Conselho Comunitário de Pipa  Grupo Ecológico Salva Vidas

 Associação dos moradores da praia da Pipa

 Ser inserida no planejamento turístico;

 Participar ativamente das decisões relacionadas a praia da Pipa;

 Manter o patrimônio natural da localidade, com preservação das unidades de conservação;

 Fazer parte do processo de desenvolvimento endógeno;  Monitorar e reagir as irregularidades diante as explorações dos

recursos de uso comum;

 Ter maior consciência sobre direitos e deveres diante a conservação dos recursos naturais.

Fonte: Elaboração própria.

Com a pesquisa de campo, foi possível detectar a abertura de alguns atores para ampliar as representações, sendo a união dos membros de cada grupo uma estratégia para fortalecer os segmentos e atuar de maneira mais ordenada.

No entanto, é válido reforçar que as coalizões devem ser pensadas como estratégias para as ações coletivas, e não focadas em interesses individuais.

“Talvez, porque começam a olhar pra seu próprio umbigo e deu, alguns aí que já tentaram, mas depois aquela fogueira das vaidades, começam a ficar muito vaidosos porque “foi eu que fiz”, cara “eu não faz nada, nós fazemos”, mas sempre teve aqueles que aproveitavam o momento e começava “eu, porque eu” e isso deu muita desunião, entendeu?! Muita coisa não andou, e muitos eram os que poderiam, que tinham condições pra fazer acontecer e mesmo assim, Pipa é isso aí que a gente vê hoje, imagine se fosse mais bem organizado, mesmo assim, a gente tem um lugar maravilhoso.” (Depoimento de E10).

Portanto, torna-se necessário ultrapassar as limitações de trabalho isolado e em causas próprias, para começar a pensar no coletivo. Casos anteriores evidenciam que as iniciativas isoladas não surtiram efeito, e agora é preciso seguir outro caminho para alcançar resultados propensos às aspirações do grupo em geral.

“Hoje, Pipa se encontra cada um por si, todos estão extraindo tudo que pode para seu lucro particular. E se esquecem que o que atrai o turismo aqui é a natureza.” (Depoimento de F2).

É possível destacar que os grupos apresentam posições, interesses e necessidades específicas. Por isso, baseados na fundamentação do Cap-Net (2008) e das constatações in loco, foi possível agrupar essas questões (quadro 8):

Quadro 8- Posições, interesses e necessidades dos grupos da pesquisa

PODER PÚBLICO

Posições Interesses Necessidades

Contrários ao monópolio do trade turístico

Manter as relações de poder Efetivo planejamento turístico

MERCADO

Posições Interesses Necessidades

Almejam o crescimento do turismo

Benefícios econômicos Permanecer no mercado turístico

POPULAÇÃO

Posições Interesses Necessidades

Favorários ao desenvolvimento turístico

Mais oportunidades na atividade turística

Desenvolvimento endógeno com participação no planejamento

turístico Fonte: Elaboração Própria, com base no Cap-net (2008).

Como é possível observar, cada grupo apresenta posições, interesses e necessidades próprias, mas todos estão interligados aos anseios vinculados ao desenvolvimento da atividade turística na praia da Pipa.

Traçando um paralelo com o triângulo dos conflitos (GALTUNG, 1996, p.72 apud PIGNATELLI, 2000, p.22), é possível fazer uma análise sobre o conflito em Pipa/ RN, envolvendo os três grupos divergentes do caso analisado- população local, mercado e poder público:

 Atitudes (emoções): revolta da população local contra a exclusão dos nativos do processo de desenvolvimento turístico, ocasionando insatisfação em relação a apropriação desenfreada dos outsiders e da ineficiência da gestão pública.

 Comportamentos: os agentes econômicos são responsáveis pela (re)territorialização de Pipa, agindo em busca de interesses econômicos e desrespeitando em alguns momentos os limites ambientais, sociais, culturais e políticos.

 Contradição: o poder público é ineficiente nas ações de fiscalização e controle de ocupação do solo, sendo por vezes omissos quanto ao planejamento turístico do destino, princípios de sustentabilidade e aos anseios da comunidade local.

Em alguns momentos, os grupos se confundem, sendo membros da população local também representante do setor privado, políticos como agentes do setor privado e às vezes, ocupam os três grupos, ou seja, político, empresário e população local. Yang et al. (2013, p.88) reforçam que pode haver essa sobreposição em distintos grupos, “membros de um grupo pode ter vários interesses em que os desenha em um segundo ou mesmo terceiro grupo, como no exemplo de um local que está envolvido no governo e é também envolvido com uma pequena empresa.”

Em conformidade com ponderações de E12, o conflito entre poder público, privado e população é muito antigo, sendo um dos fatores limitantes para gestão de Pipa como um dos 65 destinos indutores do Ministério do Turismo. Portanto, tendo como base as peculiaridades dos grupos apresentados, serão delineadas as etapas que envolvem o desdobramento do conflito.