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2.1 PRESSUPOSTOS DOS ESTUDOS DO TURISMO

2.1.1 Turismo, aspectos socioespaciais e seus desdobramentos

O turismo se apropria e domina os espaços para desenvolver-se, por conseguinte, ao estudar o fenômeno torna-se relevante tratar da abordagem socioespacial por entender que muitas transformações são provenientes da sua prática. Assim, Cruz (2006, p.338) enaltece duas características intrínsecas do turismo “uma delas é o fato de o turismo ser, antes de qualquer coisa, uma prática social. A outra é o fato de ser o espaço seu principal objeto de consumo.”

Considerando a relação entre os aspectos sociais e espaciais, é possível tecer algumas ponderações sobre a atividade turística, já que as destinações passam por adaptações estruturais como uma condição para se adequar as exigências do turismo. Suscita alterações que variam desde infra-estrutura, até mesmo, aspectos de ordem social, tais como mudanças dos hábitos e costume de vida da população receptora para atender os anseios do fluxo de visitantes (ALVES e AZEVEDO, 2013).

Balastreri (2006, p.305) analisa que “é no espaço de origem da demanda que se originam os fluxos turísticos, mas é no espaço de destino que se concretiza, produzindo novas territorialidades.” Dessa forma, serão levantados conceitos que abordam o território como categoria de análise, compreendendo que território e espaço assumem significados diferentes, apesar da forte ligação que os envolve, sendo o primeiro projetado a partir do espaço.

Refletindo sobre tais aspectos, Saquet (2010, p.13) traz uma análise que considera o território como sendo associado a “recorte espacial apropriado e dominado militar e estrategicamente, como uma parcela ou porção do espaço. Já o espaço é um conceito mais amplo, vinculado à organização societal, ou seja, envolvendo relações de poder, efetivadas especialmente entre diferentes nações.”

Haesbaert (2005, p.6774) exalta que “território, assim, em qualquer acepção, tem a ver com poder, mas não apenas ao tradicional “poder político”. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação.” Corroborando, Balastreri (2006) reforça que os espaços apropriados passam a ser territórios, configurando-se como expressão de poder tanto no aspecto político quanto no sentido simbólico, vigorando as relações sociais no contexto inserido.

Em relação às concepções acerca do poder, Fernandes e Coriolano (2015) ponderam que estão vinculados às relações de força, não sendo restrito ao Estado. Por isso, a sociedade civil também é imponderada para estabelecer poder. Nessa conjuntura, a configuração horizontal adotada pelas gestões é vista como nova orientação para inclusão dos sujeitos sociais.

Legitimando tal perspectiva, Saquet (2010) destaca que o entendimento de poder está frequentemente vinculado ao Estado, todavia, também está ligado a outras relações, tais como o aspecto social, o que possibilita entender o território como uma combinação de fatores materiais e imateriais.

Como se percebe, o fenômeno turístico envolve uma gama de fatores, tendo reflexos sentidos diretamente nas novas configurações territoriais e sociais. A falta de ordenamento do turismo em determinadas zonas faz com que a gestão dos territórios pareça mais complexa, ou pelo menos, a ineficiência mostra-se mais evidente:

Apesar das políticas incentivadas pelo Estado de gestão para a zona costeira, as ações locais ainda parecem insuficientes. O estudo da evolução dos sistemas espaciais, na escala municipal, pode contribuir com informações sobre a dinâmica das formas e estruturas espaciais, fundamentais para a equidade de um planejamento territorial que leve em conta a qualidade de vida dos habitantes e a preservação do meio ambiente (PANIZZA et al., 2009, p.14).

Fontoura e Andrade (2008, p.9) abordam que na atualidade, “o turismo deixou de ser um usuário passivo dos territórios para tornar-se um agente condicionador de seu ordenamento.” Foi exatamente isso que aconteceu no local de estudo- Pipa, o processo turistificador condicionou um novo ordenamento territorial para atender as exigências emergentes do mercado.

A maneira inconsequente, relacionada muitas vezes a forma que o turismo vem sendo executado, ocasiona impactos e consequências severas nas localidades, tais como (ALVES, 2010, p.50):

 Falta de um planejamento prévio, com subsídios para envolver os diversos agentes ligados com a atividade;

 Problemas que começam aparecer, constantemente, em função do aumento do fluxo de visitantes, que interfere diretamente na vida dos residentes, tais como acúmulo de lixo, aumento dos engarrafamentos, escassez de água;

 Inflação nos preços dos produtos, especulação imobiliária e exclusão dos autóctones;

 Concentração de renda nas mãos de uma minoria;

 Exploração demasiada dos recursos naturais.

Nesse contexto, Balastreri (2006, p.309) pondera que “em áreas de praias quase desertas, de rara beleza cênica, de baixa densidade populacional, ocupadas eventualmente por pequenas aldeias de pescadores, impõem novas territorialidades que estão modificando radicalmente o mapa e a paisagem regional.” Tal perspectiva pode ser constatada em várias localidades da costa litorânea brasileira que despontaram para o turismo, inclusive o local objeto do estudo.

Ao tratar das categorias de análise em torno do território e turismo, encontra-se um vasto leque de relações que levam a reflexão sobre o ordenamento, uso e ocupação do solo nos destinos.

A produção do espaço pelo turismo pode ser compreendida pela inter-relação entre agentes sociais, atuando em um espaço específico. Assim, “operado pelos agentes sociais envolvidos com o turismo, concretiza-se em um fenômeno socioespacial complexo, que tem como face mais visível uma atividade econômica extremamente dinâmica e impactante na contemporaneidade do nosso mundo social.” (FRATUCCI, 2014, p.91).

As transformações socioespaciais para se adequar as exigências turísticas, ocasiona o que autores denominam de desterritorialização. Haesbaert e Ramos (2004) trabalham na perspectiva centrada em matrizes econômicas, política e/ ou cultural, atrelados aos aspectos sociais, como norteadoras na condição do processo de desterritorialização.

Oliveira (2006, p.27) traz à tona as concepções de desterritorialização e reterritorialização, podendo “afirmar que desterritorialização refere-se ao movimento de abandono do território e que reterritorialização trata-se de um movimento de construção do território.”

De acordo com Gonçalves (2010), o turismo envolve desde ações de desterritorialização e posterior, reterritorialização, suscitando apropriações do espaço por agentes externos, sendo as implicações sentidas intensamente pela comunidade, despertando

sentimentos diversos que vão da resistência à identificação, tendo os aspectos econômicos priorizados em todo processo.

Balastreri (2006, p.308) cita algumas características que evidencia o modelo de apropriação territorial pelo turismo:

Do ponto de vista locacional: está comprometido com a articulação local-global, sendo planejado para a atuação em larga escala, embora no discurso oficial esteja vinculado ao chamado “desenvolvimento” regional;

Do ponto de vista econômico: é alimentado basicamente por capitais externos, com contrapartida de capitais nacionais, prometendo geração de emprego e de renda, captação de divisas, voltando-se principalmente para a demanda turística internacional, ofertando incentivos à iniciativa privada, inclusive isenção de tributos, em muitos casos;

Do ponto de vista técnico: resulta de um planejamento imposto em escala federal, baseado na racionalidade e na funcionalidade, necessitando de infra-estrutura pesada a cargo do setor público que tem privilegiado as empresas corporativas outorgando-lhes benefícios de toda sorte, desde incentivos fiscais até a logística a fim de favorecer a viabilidade dos projetos;

Do ponto de vista ambiental: promete a sustentabilidade em suas diversas dimensões, em particular na esfera ecológica, que via de regra é desconsiderada, como por exemplo, através de construção de equipamentos sobre geossistemas litorâneos frágeis, tais como sistemas dunares e manguezais;

Do ponto de vista social, trata-se de um modelo de turismo segregador e excludente, tanto para a demanda de menor poder aquisitivo, quanto para a população anfitriã, que frequentemente é alijada do processo por não apresentar qualificação profissional adequada, sendo mobilizada eventualmente como força de trabalho para postos não especializados e, portanto, mal remunerados.

Em virtude dos retornos financeiros deixados pelo turismo, infelizmente, ainda relaciona-se prioritariamente aos fatores econômicos, sendo tratado como atividade promissora. Entretanto, deixando em segundo plano a abordagem ampla que envolve o fenômeno, tais como a vertente social, ambiental e cultural.

Então, em muitas situações, o turismo tem se apropriado e transformado os espaços, alterando sensivelmente o contexto local, refletindo sobretudo nos aspectos sociais já que os retornos econômicos acabam sendo dominantes do contexto. Por isso, a imposição dos novos

espaços, para atender aos anseios da demanda turística e setor privado, contribuindo para constituição dos territórios turistificados.