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5. SEMINÁRIO EPISCOPAL DE SÃO PAULO COMO ESTRATÉGIA

5.4 Os capuchinhos

Esperava-se que a definição de uma nova conduta moral e ética no clero encontrasse o seu desenvolvimento pela justificativa de um argumento filosófico e teológico, capaz de imprimir elementos dogmáticos e doutrinários ao pensamento religioso que viria diferenciar o clero como os portadores de um saber especializado, que lhes imprimiria o rótulo de detentores do sagrado. Assim como os demais grupos que estavam se formando, os clérigos deveriam se reconhecer como uma classe diferenciada, demonstrando para a sociedade as práticas e representações do seu conhecimento religioso. O reconhecimento dos clérigos como uma classe social diferenciada é apresentado na Carta Pastoral sobre o Seminário:

“A Providência que zomba de toda a oposição para ir a seus fins, suave e fortemente tem- nos dado força e os meios de ver hoje realizado este Estabelecimento, única esperança da reforma da Diocese, pela reforma da Classe Sacerdotal.”56

Pensar a formação dos sacerdotes a partir do conceito de classes significava dotá-los de conhecimento específico, que lhes traria reconhecimento social. No caso específico dos clérigos, deveriam se apresentar como um grupo diferenciado dos leigos no que tange à ética e moral praticada. Para implantar este raciocínio que daria aos ordinandos as características de uma classe de profissionais, assim como já acontecia na formação das demais classes, que se definiam como grupos de intelectuais dotados de um saber

56 CAMARGO, Paulo Florêncio da Silveira. Carta Pastoral sobre o Seminário. In: A Igreja na História de São Paulo (1851-1861). São Paulo: Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, 1953. 7 v. p. 314.

especializado, seria vital a organização de um sistema de ensino adequado e mormente a presença de professores capazes de iniciar este movimento sociocultural.

Na ata de abertura do Seminário e na Poliantéia constam as mesmas informações contidas na Carta Pastoral sobre o Seminário, com relação à vinda dos capuchinhos de Savóia para assumir a administração financeira, intelectual e religiosa da escola episcopal.

Na Carta Pastoral sobre o Seminário, consta:

“Colocado apesar de nosso demérito, sobre a administração espiritual do Bispado, participando ao SS.P.e da posse que tomamos, sua resposta impressa em nosso Regulamento de novembro de 1852, já nos fazia ver, que sem reforma do clero, sem Seminário com Professores eminentes em instrução e piedade nada de bem espiritual conseguiríamos. Muito folgamos na primeira carta que lhe enviamos poder asseverar em S.Santidade, que nosso desejo, nosso voto, era mesmo aquele, que sua solicitude paternal Nos inspirava. Nesta segunda carta, como de joelhos em sua presença, lhes pedimos o socorro de alguns Padres em circunstâncias de Nos coadjuvar no desempenho da tarefa tão desaproporcionada a Nossas forças; Nossas lágrimas impressionaram S.S. Nossa fervorosa suplica encontrou simpatias no coração bondoso de Pio IX. Mandando-nos a mais consoladora respostas, enviou-nos as suas expensas dois Sacerdotes a toda a prova, quer de saber como em inteireza de costumes. É na Sabóia, é em frente do protestantismo, é em Chamberi, que Ele entreviu atletas, que melhor corresponderiam aos seus fins. Ele os chamou, ouviu-os, entreteve- os e, abrindo-lhes o seu Paternal Coração, No-los enviou, como ecos do seu zelo, dos seus desvelos sobre este país (...) Já demos passos e esperamos obter mais 5 lentes lazaristas de Paris. Então se criarão outras cadeiras e se regularizarão todos os estudos.”57

Nesta passagem, ficou evidente a submissão do bispo ao papa; no entanto, considera-se que a demora do bispo para responder ou notificar quanto às necessidades pertinentes ao Seminário tenha ocorrido diante da tentativa de promover a educação clerical sugerida sem grande intervenção do papa. A espera de padres lazaristas de Paris58 para também assumir as disciplinas que deveriam ser oferecidas pelo Seminário é um outro ponto que elucida a insatisfação do bispo quanto ao envio dos capuchinhos. Os lazaristas,

57 CAMARGO, Paulo Florêncio da Silveira. Carta Pastoral sobre o Seminário. In: A Igreja na História de São Paulo (1851-1861). São Paulo: Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, 1953. 7 v. p. 314.

58 Por outro lado, o sistema educacional desenvolvido em Paris vinha sendo almejado por todas as nações

emergentes no novo mundo, como principal modelo propagador dos hábitos civilizados. Mencionar Paris poderia ser estratégico para chamar a atenção dos pais quanto às vantagens da educação que seria oferecida pelo Seminário.

por sua vez, não foram integrados às alas educacionais do Seminário; ao contrário, novos grupos de capuchinhos foram enviados para atender às exigências do quadro docente. Neste sentido, prevaleceu o interesse do papa, garantido pela aplicação dos controles burocráticos do Vaticano, que fortaleciam a hierarquia naquela ocasião.

De acordo com Monsenhor Carmargo59 e Augustin Wernet,60 dentre as primeiras

medidas de dom Antônio para conseguir os professores e diretores para o Seminário estava o encaminhamento de uma carta ao provincial dos jesuítas no Rio Grande do Sul – os quais acabavam de ser exilados da Argentina. O padre Mariano Berdrago teria negado o pedido de envio de professores jesuítas, dizendo que não era da sua competência a resposta. Dom Antônio recorreu então ao Superior Geral dos Jesuítas em Roma, que alegou serem insuficientes os jesuítas no Brasil para assumir a administração e compor o corpo docente do Seminário. Diante da resposta negativa da Cia. de Jesus, dom Antônio se dirigiu aos Lazaristas, a congregação que vinha desempenhando, no Brasil, desde o começo do século XIX, as atividades relativas à educação nos poucos Seminários que existiam. Na visão de dom Antônio e dos demais que formavam as alas conservadoras, os Lazaristas vinham produzindo ótimos resultados. Também os Lazaristas alegaram serem insuficientes no Brasil. Em última instância, dom Antônio teria recorrido à Cúria Romana, solicitando pessoal idôneo e ilustrado, competente para assumir o estabelecimento que estava sendo construído.61 Estas indicações elucidam as intenções do bispo quanto aos administradores.

59 CAMARGO, Paulo Florêncio da Silveira. A Igreja na História de São Paulo (1851-1861). São Paulo:

Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, 1953. 7 v. p. 117.

60 WERNET, Augustin. A Igreja paulista no século XIX: a reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-

1861). São Paulo: Ática, 1987. p. 106-107.

61 Cf. WERNET, Augustin. A Igreja paulista no século XIX: a reforma de D. Antônio Joaquim de Melo

(1851-1861). São Paulo: Ática, 1987. p.106-107.; POLIANTÉIA comemorativa do 1º. Quinquagenário da Fundação do Seminário Episcopal de S. Paulo. (1856-1906), p. 128.

Na obra Les capucins en Savóie, consta que os capuchinhos savoianos foram convocados para assumir uma importante missão na Província de São Paulo, no Brasil, em 1853.62 De acordo com as estratégias de Pio IX, a atividade dos jesuítas deveria ser substituída por outras congregações que começavam a ser utilizadas com o propósito educativo.63

A relação de Pio IX com a Ordem dos Capuchinhos pode ser compreendida como uma retomada das determinações do Concílio de Trento. Trata-se de uma ordem criada no século XVI, com propósitos semelhantes aos da Cia. de Jesus. A Ordem dos Capuchinhos italianos foi vista como um movimento franciscano reformado, que atendia aos interesses do catolicismo romano, destacando-se pelo rigorismo e pela observância no cumprimento das regras. Vários conventos franciscanos foram estabelecidos junto às cortes dos estados monárquicos, tornando-se o local de devoção dos nobres. Gregório XIII, em 1574, decreta permissão para que a missão dos capuchinhos italianos se espalhasse pelo mundo inteiro. No século XVI, os capuchinhos se espalharam pela França,64 e junto às províncias foram reconhecidos pelo Concílio de Trento, atuando sob o apoio da monarquia contrária à

62 COGNIN, P. Jean de. Les capucins em Savóie. Chambéry: Rosier de Sant-François, 80, Fauburg,

Montmelian, 1934. p. 186.

63 Idem, p. 183.; D’AULON, Irenee. Histoire de Freres Mineurs Capucins de l’ancienne province d’Aquitaine (Guyenne, Gascogne et Be). Roma: Couvent de Saint-Laurent de Brindes, 1906. p. 9-27. De acordo com os autores, as intermediações entre a hierarquia romana e os demais clérigos que estavam no exterior era feita pela Sagrada Congregação de Propaganda Fidei. A Sagrada Congregação de Propaganda Fidei conciliava os interesses da hierarquia romana e os interesses políticos e religiosos das distintas localidades que compunham o catolicismo – estratégia do clero romano para expandir a doutrina que estava sendo estruturada. A partir dos interesses e das necessidades de cada região visados pela propensão às práticas do catolicismo, destinava-se um grupo específico para o local, considerado apto à difusão de uma nova moralidade religiosa. A vinda de religiosos europeus para assumirem o recinto foi o que denotou a aproximação do clero paulista com os interesses da hierarquia romana, fazendo com que o bispo fosse entendido como um romanizador. Todavia, entendê-lo somente como romanizador implica minimizar a complexidade dos acontecimentos que trouxeram os capuchinhos franceses para a Província de São Paulo em 1854, e que ocasionaram o desenvolvimento da escola clerical almejada nos moldes do Concílio de Trento.

64 BERETON, Lê P. Hilaire. Les capucins et la France. [s.l.: s.n., s.d.]. p. 3. Em 1572, os capuchinhos foram

reconhecidos pelo rei Charles IX e, em 1574, pelo papa Gregório XIII, depois de decretada a permissão aos capuchinhos para se espalharem além da Itália.

ascensão do calvinismo que fortemente se expandia;65 eles atendiam as práticas católicas da

Corte, ministrando orações e sacramentos, dedicando-se à educação e à assistência aos enfermos. Consideravam-se soldados católicos na luta contra o calvinismo.66 A atividade dos capuchinhos franceses em parte destoou do movimento originário na Itália.

Os capuchinhos de Savóia – região de onde vieram os freis que assumiram o Seminário de São Paulo – assim como os que surgiram nas demais localidades da França, foram organizados de forma a atender às necessidades das monarquias católicas perante a ascensão do calvinismo. Em 1576, o parlamento de Paris, sob o reinado de Charles IX, atribui plenos poderes aos capuchinhos para se espalharem por todo o reino, se tornando na França um elemento responsável pela unidade moral. As ordens parlamentares de expansão e liberdade de atuação dos capuchinhos foram cumpridas até meados do século XVIII.67 Os capuchinhos de Savóia, sob a autoridade do príncipe de Geneve e direção de São Francisco de Sales – preboste no Chablais –, tornaram-se soldados do catolicismo na guerra contra o protestantismo calvinista, estimados pelos inúmeros trabalhos destinados à Corte francesa.68 A Savóia foi uma das localidades de maior ascensão do calvinismo, chegando a ter a maioria calvinista no início do século XVI;69 a reação católica marcada pela atividade dos missionários reverteu o quadro no século XVII, no entanto, no século XVIII o catolicismo foi novamente minimizado pelo ideal iluminista. No momento em que os

65 COGNIN, P. Jean de. Les capucins em Savóie. Chambéry: Rosier de Sant-François, 80, Fauburg,

Montmelian, 1934. p. VII.

66 Cf: BERETON, Lê P. Hilaire. Les capucins et la France. [s.l.: s.n., s.d.].; D’AULON, Irenee. Histoire de Freres Mineurs Capucins de l`ancienne province d`Aquitaine (Guyenne, Gascogne et Be). Roma: Couvent de Saint-Laurent de Brindes, 1906.; ST-JUST, P. Theoteme. Les capucins de Lyon. De la fin de la revolucions française a nos jours. St. Etienne (Loire): Administration du Petit Masseger de St. François, 1942.; COGNIN, P. Jean. Les capucins en Savóie. Chambéry: Rosier de Sant François, 80, Fauburg, Montmelian, 1934.

67 Cf: BERETON, Le P. Hilaire de. Lês capucins e la France. [s.l.: s.n., s.d.]. p. 1-9. Neste primeiro capítulo

da obra, consta também parte do registro do Conselho do Estado.

68 Cf: COGNIN, P. Jean de. Les Capucins en Savóie. Chambéry: Rosier de Sant François, 80, Faubourg;

Montmelian, 1934. p. 13-14.

69 Cf: BARRACLOUCH, Geoffrey (Ed.). Atlas da História do Mundo. 4 ed. por Geoffrey Parker/Folha de

capuchinhos são enviados para o Brasil, em 1853, o território estava sendo disputado entre os reinos da França e Itália. A Savóia chegou a pertencer a Piemonte, Reino da Sardenha, ou seja, tornou-se um reino italiano dentro do território francês, o que indica uma identidade comum orientada pelo pensamento católico em ambos os territórios.70

Considera-se também que a indicação dos capuchinhos savoianos para a Província de São Paulo perpassa os acontecimentos políticos que envolviam as disputas territoriais entre França e Itália. Tais disputas recaíram nos aspectos culturais desenvolvidos em ambos os territórios, uma vez que o catolicismo estava inserido na formação da identidade nacional tanto francesa como italiana. Fazia parte das estratégias de Pio IX se reconciliar com o governo francês, sob a liderança de Luis Bonaparte. A partir de 1848, a França se vê saturada dos ideais revolucionários e se abre aos ideais conservadores defendidos pelo Vaticano, atribuindo novamente ao clero liberdade de ensino nas escolas públicas e privadas, esta última almejada pela burguesia ascendente. Pio IX estabelece um pacto com a França, aumentando o número de ordens e congregações francesas sob concessão de liberdade para a formação de grupos institucionais voltados ao assistencialismo. Parte do acordo entre Pio IX e o governo francês envolvia a expansão dos missionários franceses em outros continentes, colaborando para que a França continuasse a se destacar como principal centro de propagação da cultura européia.

Os capuchinhos savoianos, entre 1848 e 1854, foram impulsionados a um novo período de atividades que iria repercutir dentro e fora da província de Savóia. O provincial

70 Idem. “Na Itália, Cavour, compreendendo que a expansão do Piemonte dependia do apoio externo, aliou-se

a França (acorde de Plombières, 1858) contra a Áustria (...) Com a paz definitiva celebrada em Zurique (novembro de 1859), parte da Lombardia passou para Piemonte em troca de Nice e Savóia.” (p. 212-213)

padre Victor de Houches,71 entre 1848 e 1851, é responsabilizado pela restauração do

catolicismo no interior de Savóia, incentivando as práticas do catolicismo pela observância das regras, da forma como havia sido colocado entre os propósitos de fundação do grupo, no século XVI. O provincial Afonso de Rumilly, que esteve no cargo de 1851 a 1854, eleito também Definidor Geral em 1853, cargo desempenhado em Roma, teria sido o responsável pela expansão dos capuchinhos savoianos fora de Savóia.

O período de 1848 a 1854 se apresentou como um momento de expansão missionária, em que os religiosos savoianos se viram envolvidos com a evangelização fora da França.

“En ce temps-lá, lês besoins nombreux et pressants des missions par dela lês mers attiraient nos Religieux. Obtenir alors une obedience de missionnaire apostolique etait facile; il siffisait, pour être exaucé, qu’un sujet adressât directement une demande à notre Procureur general des Missions (...) Mis que lês Minstres n´accordent à personne la permission d´y aller, si ce n´est à céus qu´ils reconnaîtront capables d´y être envoyés.”72

Nesta citação, verifica-se o interesse dos capuchinhos de Savóia nas missões no exterior, assim como o julgamento da hierarquia romana da capacidade dos mesmos de executar a missão. Foram dois os lugares para onde foram enviados os missionários: para as ilhas Seychelles – arquipélago do Oceano Índico, a noroeste de Madagascar – e para a Província de São Paulo, no Brasil.

A vinda dos primeiros capuchinhos franceses para o Brasil ocorreu antes da primeira missão ser enviada para Seychelles, em 1863, embora tenham sido solicitados primeiramente para aquela região. Ao que consta na obra do Cognin, eleito Definidor Geral dos Capuchinhos, em 1853, o padre Afonso de Rumilly, instalado em Roma, recebeu do

71 É importante salientar que todos os capuchinhos citados pelo autor são precedidos da palavra padre, o que

indica a atividade dos mesmos na hierarquia.

72 COGNIN, P. Jean de. Les capuncins en Savoie. Chambéry: Rosier de Saint François, 80, Faubourg;

cardeal Ferrata a solicitação do Soberano Pontífice para executar uma importante missão no Brasil, sendo encarregado de assumir a direção do Grande e do Pequeno Seminário, na vila episcopal de São Paulo.

“A peine celui-ci était-il installé à Rome, que lê Cardinal Ferrata vint lui offrir de la part du Souverain Pontife une important mission au Brasil. Il ne s´agissat de rien moins que de prendre la direction du Grand et du Petit-Semineires, que venait de fonder en sa ville episcopale l´evêque de Saint- Paul. Plein de zele pour les missions du dehors, le P. Alphonse l´accepta d´emblée pour sa Province.”73

No aspecto político, é importante considerar que os capuchinhos italianos já vinham fazendo a sua história junto à Corte brasileira.74 Os capuchinhos começaram a se destacar na curta regência de Araújo Lima, sucessor do padre Feijó, e no reinado de Pedro II, segundo os relatos de Cândido Mendes.75 As décadas de 1840 e 1850, que marcaram o início do Reinado de dom Pedro II, forma um período conturbado para os capuchinhos italianos radicados no Brasil, em virtude das disputas entre o clero brasileiro, o clero romano e o poder monárquico instaurado. ‘A política imperial exigia maior submissão dos capuchinhos aos bispos então nomeados pela monarquia brasileira, fazendo prevalecer seus interesses sobre os mandamentos de Roma, o que caracterizava a centralização do poder

73 Idem, p. 186.

74 Cf: TIRAPELLI, Percival (Org.). Arte Sacra Colonial: Barroco memória viva. São Paulo: Editora UNESP;

Imprensa Oficial do Estado, 2001. p. 10. De acordo com o autor, as ordens religiosas dos franciscanos eram as prediletas dos reis portugueses, juntamente a dos carmelitas e dos beneditinos mais fechados em seus conventos e mosteiros. Mas, em geral, balizaram os limites das cidades brasileiras criando suas redes de edifícios na trama urbana, que durante muito tempo dominava as cidades.

75 PRIMÉRIO, Fr. Fidelis M. de. Capuchinhos em Terras de Santa Cruz nos séculos XVII, XVIII e XIX. São

Paulo: Província dos Capuchinhos de São Paulo, 1937. No capítulo III da obra, intitulado “Missão oficial dos capuchinhos”, encontram-se informações de Cândido Mendes, do Direito Civil Eclesiástico, volume III, sobre os capuchinhos que estavam no Rio de Janeiro com a Corte brasileira no reinado de Araújo Lima. “O novo regente Araújo Lima, já na abertura das câmaras, a 3 de maio de 1838, em se referindo a S. Sé usou uma linguagem muito diferente da empregada pelo seu antecessor; era uma linguagem que revelava simpatia e dedicação ao chefe da Igreja (...) Foi no governo deste regente que apareceu o aviso de 18 de janeiro de 1840, no qual o governo determinava ao nosso ministro em Roma, que promovesse a vinda de missionários Capuchinhos para algumas províncias do Brasil (...) No aviso de 12 de maio de 1840, dirigido ao representante da S. Sé, o governo se obrigava a pagar a passagem aos missionários e a passar-lhes, a cada um, a diária de 500 réis.” (p. 239)

religioso nas mãos do Imperador. Contudo, as disputas pelo poder não foram suficientes para romper a relação entre os capuchinhos italianos e a Corte brasileira. Conforme o decreto de 1840, os novos missionários capuchinhos italianos assumiram a Igreja de S. Sebastião,76 no Morro do Castelo, uma das mais antigas da cidade do Rio de Janeiro, primeira matriz da cidade e ex-catedral.77 O decreto de 1844 indica o jogo de poder que envolvia a Santa Sé, o ministro Geral dos Capuchinhos e o Governo Imperial, disputas que se arrastaram até 1860, conforme o relatório divulgado em maio do mesmo ano, pelo Ministério da Justiça.78 Os missionários da Corte, igualmente aos que estavam envolvidos com a catequização dos indígenas, destinavam-se à educação e evangelização, o que correspondia ao ensino da moral; todavia, eram os membros da própria Corte os elementos desta evangelização.79

Os capuchinhos que participaram da história do Brasil são majoritariamente italianos. Os capuchinhos franceses enviados para administrar e assumir como lentes o Seminário modelo, criado no episcopado de dom Antônio, são uma exceção na conjuntura histórica brasileira do século XIX.

76 Idem, p. 240-241. Nesta igreja, encontrava-se o túmulo de Estácio de Sá, o fundador do Rio de Janeiro, e

marco primitivo da fundação da cidade.

77 Idem. Em 1842, vieram mais onze capuchinhos para o Rio, e ainda em 1843 foram enviados outros para a

capital do Pará; em 1844, para o Rio Negro, capital da Guiana Portuguesa e Sergipe. “Em 1844, por Decreto de n. 373, de 30 de julho, fixava o governo as regras a observar-se na distribuição, pelas Províncias, dos Missionários Capuchinhos; como porém eram medidas que tolhiam dos direitos dos superiores regulares, cerceavam os direitos da S. Sé e atribuíam demasiada ingerência aos Bispos e máxima ao governo imperial