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OS CLS NAS LÍNGUAS DE SINAIS

No documento davivieiramedeiros (páginas 52-59)

Como aponta Rodero-Takahira (2015), nas línguas de sinais, a definição, bem como a noção, do que vem a ser um CL ainda é bastante discutida. E, de modo geral, uma questão recorrente nas pesquisas envolvendo línguas sinalizadas é se eles correspondem, ou não, aos CLs das línguas orais.

De modo geral, segundo a autora, os próprios sinalizantes nativos da Libras compartilham a visão de que CLs são, apenas, elementos que servem para “descrever, detalhar, dar características para um objeto, animal ou pessoa” (RODERO-TAKAHIRA, 2015, p. 54); já no meio acadêmico, a autora aponta a existência de, pelo menos, cinco caminhos seguidos pelos pesquisadores, envolvendo esses elementos: o primeiro é feito por autores que o consideram como sendo gestos, como Cogill-Koez (2000); o segundo é trilhado por pesquisadores que, na verdade, veem esses elementos como sendo uma mistura de componentes linguísticos e gestuais, como Liddell (2003), não analisando-os como CLs, mas, sim, como depictivos; o terceiro é percorrido por estudiosos que tratam os CLs como sendo morfemas, como Supalla (1978, 1982, 1986); o quarto é seguido por autores que compartilham a visão de que eles se tratam de raízes semanticamente motivadas, formando compostos raízes, como Zwitserlood (2002, 2003a, 2003b, 2008); o quinto

é realizado por pesquisadores que discutem se eles poderiam ser definidores de classe de palavras, como Meir (2012) e Zwitserlood (2012).

De todo modo, como defende Rodero-Takahira (2015, p. 54) podemos afirmar que “o uso dos CLs é muito mais sistemático, no sentido que o CL é um elemento linguístico, e como tal respeita os processos de formação de palavras e a sintaxe dessa língua”.

Apresentamos, nas próximas seções, as visões de alguns autores acerca dos CLs que consideramos fundamentais para a sua análise no presente trabalho, enquanto elementos linguísticos, na medida em que, conforme destacado no início do capítulo, eles são consideravelmente importantes, produtivos e icônicos nas línguas de sinais.

3.2.1 Supalla (1978, 1982, 1986)

Para Supalla (1978, 1982, 1986), cada parâmetro formacional (ou fonológico) básico dos verbos de movimento e/ou dos verbos de localização na ASL corresponde a um morfema. Esses morfemas apresentam a tendência de serem combinados simultaneamente e são significativamente relacionados (visualmente) ao(s) seu(s) significado(s), dando a esses verbos a aparência de representação dos objetos e dos movimentos correspondentes ao mundo real.

De acordo com o autor, é a CM o morfema CL dos verbos de movimento e/ou de localização mais típico. O autor defende que um conjunto de morfemas articuladores – por exemplo, uma mão (ou, ainda, outra parte do corpo), com certa configuração e orientação, situadas em um local particular, ao longo de uma trajetória de movimento – é afixado à raiz de deslocamento.

Apresentando o objetivo de comparar os CLs da ASL com os das línguas orais, o autor fez a descrição daqueles, a partir da seguinte classificação: (i) especificadores de forma e tamanho (SASSes13); (ii) semânticos; (iii) corporais; (iv) de partes do corpo;

e (v) instrumentais.

Nos CLs SASSes, a(s) mão(s) (em alguns casos, ainda, o antebraço) representa(m) o tamanho e/ou a forma do objeto referido. Nesses CLs, as partes da(s) mão(s) são consideradas morfemas, os quais representam diferentes aspectos do

referente. Supalla divide os SASSes em dois subgrupos: (i.i) os estáticos e (i.ii) os de traço, ou de traçado.

(i.i) Nos SASSes estáticos, a(s) CM representa(m) o tamanho e/ou a forma de um objeto, como pode ser visto na Figura 4.

Figura 4 – Exemplos de CLs SASSes estáticos

Fonte: Supalla (1982, p. 27-38)

(i.ii) Nos SASSes de traço, ou de traçado, a mão traça o tamanho e/ou a forma de um objeto, como na Figura 5, que traz o sinal referente a casa, na ASL.

Figura 5 – Exemplo de CL SASS de traço – sinal referente a casa, na ASL

Fonte: Supalla (1986, p. 207)

Nos CLs semânticos, a(s) mão(s) que articula(m) o sinal representa(m) a categoria semântica do referente, contudo, de modo um pouco mais abstrato do que nos SASSes. Nesses CLs, a mão inteira corresponde a um morfema. Supalla (1978, 1982, 1986) organiza esses CLs em dois subgrupos: o primeiro refere-se a entidades com pernas (sejam essas entidades pessoas, sejam elas animais, sejam elas, ainda, objetos); o segundo refere-se a outros três tipos de CLs, no que tange às suas funções e/ou orientações (posição horizontal, posição vertical e fixos em uma coluna). As Figuras 6 e 7 exemplificam esses dois subgrupos, respectivamente.

Figura 6 – Exemplos de CLs semânticos – subgrupo 1

Fonte: Supalla (1982, p. 41)

Figura 7 – Exemplos de CLs semânticos – subgrupo 2

Fonte: Supalla (1982, p. 41)

Segundo o autor, nos CLs corporais, todo o corpo do sinalizador é utilizado para representar uma entidade, devendo essa entidade ser [+ animada]14. A Figura 8

exemplifica esse tipo de CL.

Figura 8 – Exemplo de CL corporal

Fonte: Supalla (1982, p. 49)

Nos CLs de partes do corpo, o corpo do sinalizador é utilizado para fazer referência a uma parte do corpo do referente: por exemplo, o olho, o nariz ou a boca

14Há um vídeo em Libras produzido por um sinalizador nativo nessa língua e postado no

YouTube, em que o sinalizador produz um CL corporal, conforme as definições de Supalla (1978, 1982, 1986). No entanto, a entidade à qual o sinalizador faz referência por meio do CL é uma bolinha de pingue-pongue, ou seja, a entidade é [- animada]. O vídeo pode ser visto, na íntegra, através deste link: https://youtu.be/VhGCEznqljo; o momento em que o sinalizador produz o classificador em questão é o seguinte: 2’50’’–2’56’’.

podem ser utilizados para marcar esses atributos do referente. Além disso, o sinalizador pode apontar para determinado local do seu corpo ou traçar o contorno dessa localidade em seu corpo para se referir ao corpo do referente. Um exemplo desse tipo de CL pode ser visto na Figura 9.

Figura 9 – Exemplo de CL de parte do corpo

Fonte: Supalla (1982, p. 49)

Por fim, nos CLs instrumentais, a(s) mão(s) do sinalizador é(são) usada(s) para fazer referência ao tipo de instrumento que age sobre o objeto, ou seja, nesse caso, o objeto só é referido indiretamente. A Figura 10 apresenta alguns exemplos desse tipo de CL.

Figura 10 – Exemplos de CLs instrumentais

Fonte: Supalla (1986) apud (VELOSO, 2008, p. 27)

De modo geral, Supalla (1978, 1982, 1986) afirma que algumas CM da ASL e/ou o corpo e/ou partes do corpo do sinalizador funcionam como os CLs das línguas orais, isto é, são morfemas que marcam características de uma entidade, podendo ser, essas características, formas particulares ou categorias semânticas mais abstratas. Para o autor, assim como ocorre nas línguas orais, cada nome é associado a um conjunto de CLs, os quais podem ser usados em um predicado. Além disso,

como aponta o linguista, os CLs também podem ser opcionais e, em um mesmo discurso, um sinalizador pode mudar de um CL para outro, com a finalidade de enfatizar características específicas de uma entidade ou de uma ação, o que parece ir ao encontro de Aikhenvald (2000), em relação aos CLs verbais, no que diz respeito à não obrigatoriedade desses elementos, bem como ao comportamento discursivo que eles apresentam.

3.2.2 McDonald (1982)

McDonald (1982), analisando construções com CLs na ASL, da mesma forma que Supalla (1978, 1982, 1986), assume que essas construções são semelhantes àquelas pertencentes às línguas orais.

A autora distingue dois grupos de CM, a saber: (i) CM que se referem, diretamente, a uma entidade; e (ii) CM que se referem, indiretamente, a uma entidade15, conforme exemplificado na Figura 11.

Figura 11 – Referência direta e indireta a uma entidade, respectivamente

Fonte: Supalla (1986) apud (VELOSO, 2008, p. 28)

No primeiro exemplo, a CM se refere diretamente ao avião, ou seja, representa diretamente tal objeto; já no segundo exemplo, a CM se refere indiretamente a um copo ou a uma garrafa ou, ainda, a qualquer objeto cilíndrico, isto é, a referência é indireta, pois se relaciona, na realidade, à forma de manuseio do objeto.

De acordo com McDonald (1982), nas construções classificadoras da ASL, o movimento é polissêmico, uma vez que ele pode expressar, pelo menos, os seguintes significados: (i) deslocamento independente de determinada entidade (por exemplo,

15 Para a autora, as CM que fazem referência direta a uma entidade estão associadas a verbos

intransitivos; já as CM que fazem referência indireta a uma entidade ocorrem em predicados agentivos e/ou transitivos.

um veículo que se move); (ii) deslocamento dependente de uma entidade (por exemplo, o movimento de uma folha de papel feito por alguém); e (iii) extensão ou contorno de uma entidade (por exemplo, a extensão de uma mesa e/ou de uma fila de pessoas). A ilustração de (i), de (ii) e de (iii) pode ser vista na Figura 12.

Figura 12 – A polissemia do movimento em construções classificadoras na ASL

Fonte: Zwitserlood (2003b, p. 53)

Em resumo, para McDonald, em uma construção classificadora, a CM deveria ser vista como sendo uma raiz verbal, já que ela contribui, significativamente, com o significado do sinal.

3.2.3 Ferreira-Brito (1995)

Como aponta Rodero-Takahira (2015), a primeira pesquisadora que se propôs a descrever os CLs na Libras foi Ferreira-Brito (1995). A autora considerou três tipos de CLs, os dois primeiros com base em McDonald (1982) e o último com base em Baker e Cokely (1980): (i) CLs x-tipo de objeto; (ii) CLs segurar x-tipo de objeto; e (iii) CLs que veiculam a maneira como a ação acontece.

Nos CLs x-tipo de objeto, a(s) CM representa(m) o tipo do objeto; nos CLs segurar x-tipo de objeto, a(s) CM representa(m) a forma de se segurar o objeto. Por fim, os CLs que veiculam a maneira como a ação acontece funcionam como advérbios, como no sinal referente a dirigir, por exemplo. Esse sinal, segundo Ferreira- Brito (1995, p. 106), “refere-se não apenas ao ato como também à maneira de se segurar o objeto que se move (o volante)”.

Os CLs na Libras descritos por Ferreira-Brito (1995) podem ser vistos no quadro 1.

Quadro 1 – CLs na Libras descritos por Ferreira-Brito (1995)

CL Tipo(s) de uso

“Uma pessoa andando”

“Duas pessoas andando ou paradas uma ao lado da outra”

“Pessoas gordas; objetos altos e largos de forma irregular; roupas, comidas e outros objetos da casa variados, bonitos e bons”

“Superfícies planas, lisas ou onduladas (palma para baixo); objetos não altos nem finos (palma para cima); objetos planos (qualquer O [orientação] da palma)”

“Descreve com a extremidade do indicador, com as duas mãos, objetos ou locais, fios ou tiras; localiza com a ponta do indicador cidades, locais e outros referentes; o indicador representa objetos longos e finos”

“Com apenas a mão direita: objetos cilíndricos, planos e pequenos; maneira de segurar objetos pequenos e finos”. “Com as duas mãos: objetos cilíndricos longos”

“Segurar objetos tais como buquê de flores, faca, carimbo, etc. Funciona como parte do verbo e representa o objeto que se move ou é localizado”.

Fonte: Ferreira-Brito (1995, p. 106–111)

No documento davivieiramedeiros (páginas 52-59)