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PARTE I O IMAGINÁRIO DA DROGA E A EXPERIÊNCIA

3.1 OS CONFLITOS COMERCIAIS ENTRE AS POTÊNCIAS IMPERIALISTAS

IMPERIALISTAS:

OS

TRATADOS

INTERNACIONAIS

E

AS

CONVENÇÕES REGULATÓRIAS SOBRE DROGAS

A Guerra do Ópio entre China e Grã-Bretanha permitiu ampliar a presença colonial desta última, no Extremo Oriente, ao impor seus interesses comerciais na região. Os conflitos armados do século XIX, em torno do ópio, entre estas nações, foram substituídos pelas mesas de negociações, que discutiram o status da legalidade de certas substâncias, regulando o comércio internacional sob hegemonia de uma nova potência mundial. A construção do proibicionismo às drogas ocorreu no início do século XX, envolvendo diferentes nações, discursos e interesses econômicos, como vantagens da indústria farmacêutica de diferentes Países em competição e segmentos da corporação médica. A guerra do ópio entre a China e a Grã-Bretanha ilustra o jogo de interesses envolvidos neste conflito, o que posteriormente culminou no debate internacional sobre o controle de produtos no comércio internacional, que discutiu o status de legalidade de certas substâncias psicotrópicas. Isto revelou imbricados interesses comerciais, regionais e a emergência do capitalismo norte-americano. Tais conflitos, assim como as negociações comerciais para o controle das substâncias psicoativas, revelam que as razões do controle internacional de drogas baseiam-se mais em interesses econômicos do que em razões de saúde pública ou em problemas

morais13.

Na passagem para o século XX, constatam-se as diferenças de interesses entre as sociedades desenvolvidas e industriais do Hemisfério Norte e as sociedades colonizadas e tradicionais do Sul, os locais de produção de substâncias psicoativas, de matérias-primas para serem manufaturadas pelas indústrias farmacêuticas das sociedades industrializadas. No final do século XIX, em 1898, a heroína foi lançada pela indústria farmacêutica Bayer com grande

13

Essa foi a constatação feita por Lin Tse-Hsü, confuciano rigoroso, responsável pelo controle do ópio no Cantão, na carta dirigida à rainha Vitória em 1939 (PASSETTI, Edson. Das fumeries ao

publicidade e venda livre, o que converteu uma pequena fábrica numa indústria gigante. A morfina, a cocaína e a heroína foram utilizadas para reabilitar os dependentes de ópio, sendo até recomendadas ao imperador chinês como plano ocidental de luta e tratamento contra o ópio (PASSETI, 1991).

Na origem da construção internacional do atual “problema das drogas” encontram-se no Oriente interesses geopolíticos divergentes entre o capitalismo tradicional da Grã-Bretanha e o capitalismo moderno dos EUA, especialmente no tocante às disputas comerciais em torno da indústria farmacêutica. A Comissão Filipina do Ópio (1903) e a Comissão de Xangai (1909) foram precursoras da atual legislação internacional sobre drogas, embora inicialmente estivessem somente interessadas no velho “problema do ópio”, objetivando erradicar o consumo (fumado) desta substância nestas regiões. Enquanto a primeira tratava do consumo nas Filipinas e nos Países vizinhos, a segunda abordava o consumo e o comércio anglo-indiano para a China. Em Xangai, a China conclamou os EUA a liderarem a “cruzada moral do século XX”, posicionando-se pela imediata proibição do uso não médico do ópio.

Foi nessa direção que os EUA prepararam a convenção de Haia (1912), planejada para reiterar as resoluções de Xangai e este foi o local de nascimento de todo o controle oficial e internacional de “narcóticos”. A Grã-Bretanha foi a última a aceitar o convite, impondo, ainda, a condição de poder modificar os acordos anteriormente estabelecidos e sugerindo a inclusão de outras substâncias psicotrópicas não-opiáceas na lista de produtos a serem controlados internacionalmente. Esta proposta da Grã-Bretanha visava ampliar a margem de negociação, visto que o controle apenas sobre o comércio do ópio e dos opiáceos contrariava os interesses comerciais e estigmatizava a política externa da Grã- Bretanha. Na mesa de negociações, foi sugerida pelos ingleses a introdução da cocaína, um dos principais produtos da indústria farmacêutica alemã, contra os interesses comerciais desta nação, maior competidora dos ingleses nos mercados europeus.

Foi no período de 1910 a 1920 que se estabeleceu o controle sobre a cocaína, transformando a “velha questão do ópio” no atual “problema mundial das

drogas em geral”. Nos EUA, a “Lei Harisson” de 1914, a qual proibia uma série de drogas no País, incluía esta substância como “narcótico”, classificação no mínimo imprecisa, mas que se difundiu pelo mundo. Sebastian Scheerer descreve bem este processo de negociações diplomáticas e a origem da atual política proibicionista:

O que é hoje chamado o problema das drogas refere-se a um enorme número de substâncias psicoativas diferentes, e tem como objetivo que o controle internacional de drogas implique na restrição ao uso destas, a ser limitado apenas às necessidades médicas e científicas (princípios americanos). Essa política, gerada em relação ao problema anglo- indiano-chinês com o ópio, originalmente limitava-se ao ópio, talvez ”com olho posto” na morfina e heroína, mas não mais que isso. A inclusão da cocaína na lista de substancias a serem colocadas sob controle internacional foi instrumental na transformação do “ problema do ópio” no problema das drogas”, que domina o discurso oficial contemporâneo, os mitos cotidianos, e gera a triste realidade da guerra às drogas. (SCHEERER, 1993 p.188-189).

Nessa época, a Alemanha era a maior produtora e exportadora de cocaína, sendo a maior potência competidora da Grã-Bretanha. O argumento inglês, na época, era de que a política antiópio tinha como efeito movimentos de substituição dos consumidores em direção à morfina, heroína e cocaína. Mas Scheerer observa que esta constatação, ao invés de levar a uma revisão do proibicionismo no sentido de uma regulamentação à holandesa serviu para justificar uma ampliação do leque de substâncias proibidas, levando a uma disputa da indústria farmacêutica com o mercado negro, sempre perdida pelas forças proibicionistas e do controle social.

Naquela época, os únicos Países que poderiam fazer frente à política de proibição às drogas eram a Alemanha, a Holanda e a França. Além do mais, não havia nas mesas de negociações internacionais a presença e a defesa dos interesses de Países como o Peru e a Bolívia, onde havia a produção e o consumo tradicional das folhas de coca. Embora a Convenção de Haia tenha fracassado, os termos deste acordo foram mantidos e impostos pelos EUA e aliados à Alemanha, após a derrota na Primeira Guerra Mundial, através dos tratados de paz.

Scheerer chama a atenção para um aspecto intrigante: a “transferência de normas”. Enquanto certos atos são vistos “universalmente” como errados, como o

assassinato, o roubo, o assalto e o incesto, o mesmo não se aplica ao consumo de drogas psicoativas. Isto porque outros comportamentos lícitos e ilícitos variam entre os povos. Contudo, nesta questão do controle de drogas, há mais homogeneidade e uniformidade nas leis do que às referentes aos assassinatos, roubos, etc. Neste sentido, Scheerer (1993) conclui que houve um transplante dos ideais americanos e de normas jurídicas para outras culturas, povos e nações.

A preocupação aqui é demonstrar como este problema foi construído historicamente, extrapolando o controle do ópio para outras substâncias psicoativas e regulando o comércio entre as nações. Aborda-se a transformação do conflito de guerra ao ópio para o atual “problema das drogas em geral”, para indicar o papel crucial desempenhando pela cocaína nas mesas de negociações internacionais. A cocaína foi o produto que possibilitou a ampliação e a extensão do controle para outras substâncias psicoativas, para além dos opiáceos, desempenhando um papel fundamental nas mesas de negociações comerciais e no controle destas outras substâncias.

Os usos médicos e legítimos de cocaína constatam que ela, quando usada como anestésico e contra a depressão, não provoca dependência física, mas uma dependência psicológica. A duração dos efeitos varia de uma a duas horas. Os efeitos em curto prazo (psicológicos, farmacológicos, sociais) de doses comuns são de um estimulante poderoso do sistema nervoso central, elevando o estado de ânimo, aumentando o ritmo cardíaco e respiratório e tendo também função de laxante. Há controvérsias entre os especialistas a respeito da tolerância criada pela cocaína, e embora muitos considerem esta possibilidade, uma grande parte afirma que não há o desenvolvimento da tolerância. Também não há síndrome de abstinência causada por esta droga. Os efeitos da cocaína em médio prazo, conforme mencionados pelos consumidores investigados, prevalecem como euforia, estimulação, redução da fadiga e do apetite, excitação sexual, aumento das capacidades mentais e da sociabilidade. A longo prazo, tais efeitos cedem e provocam agitação e irritabilidade, perda de peso, inquietude, insônia, problemas como ulcerações nas mucosas nasais, hábito de consumo, dispersão de energia e gastos financeiros (BUCH; Schnoll, 1990).

A construção mundial do “problema internacional das drogas em geral” se deu nas primeiras décadas do século XX e acabou por influir em diferentes Países. Foi somente após a Primeira Guerra Mundial que os EUA conseguiram impor à Alemanha e aliados o controle sobre a cocaína, produto da indústria farmacêutica alemã, ampliando a lista de substâncias a serem controladas no comércio internacional. Scheerer chama atenção para um aspecto importante deste processo, o de que o controle de drogas tem mundialmente maior homogeneidade legal do que qualquer outro tipo penal, ato e/ou comportamentos “desviantes”. Este fato acaba por influenciar as formas de apreensão deste fenômeno e as respectivas abordagens teóricas e conceituais neste campo de estudo, devido à criminalização e à medicalização do problema social recém- criado.

O controle de drogas tem atraído a preocupação mundial desde a primeira conferência realizada em Xangai, em 1909. O sistema internacional de controle foi sendo criado ao longo do século XX, mais especificamente a partir de 1920, sob os auspícios da Liga das Nações e, desde 1946, pela Organização das Nações Unidas. Da Segunda Guerra Mundial para cá, houve várias Convenções, acarretando um aumento de substâncias controladas e de Países signatários. Interessante notar as mudanças dos nomes destas convenções e das preocupações presentes em cada tratado internacional, o que mostra o desenvolvimento dos termos e do campo político e científico sobre drogas ilícitas internacionalmente. A “Convenção Única sobre Entorpecentes” (1961), em vigor desde 1964, substituiu os tratados anteriores à Segunda Guerra sobre opiáceos, maconha e cocaína. Atualmente, este tratado controla mais de 116 drogas, e, depois de 1995, tem 153 Países signatários.

A “Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas” (1971), em vigor desde 1976, teve como objetivo controlar as drogas não previstas nos tratados anteriores, como os alucinógenos, as anfetaminas, os barbitúricos e os sedativos e tranqüilizantes não barbitúricos. Por esta convenção, aproximadamente 105 substâncias psicotrópicas são controladas, a maior parte delas contida em produtos farmacêuticos que atuam no sistema nervoso central. Por este Tratado, substâncias consideradas mais perigosas, como o ácido lisérgico (LSD), devem

ser submetidas a um controle mais rígido enquanto aquelas substâncias utilizadas para fins médicos seriam controladas de maneira menos rigorosa, não obstruindo sua finalidade e evitando seu desvio ou abuso. A convenção tem 140 signatários desde 1º de novembro de 1995. Um instrumento suplementar, conhecido como “Protocolo de Emenda à Convenção única de 1972” , em vigor desde 1975, destaca a necessidade de tratamento e reabilitação de dependentes de drogas, com um número menor de signatários, apenas 134 Países.

Depois desses Tratados, foi acordada a “Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas”; de 1988, vigorando desde 1990, a qual objetiva impedir a lavagem de dinheiro oriundo do tráfico e proporcionar instrumentos concretos para a cooperação internacional para a repressão. Além disso, os signatários se comprometem a eliminar ou reduzir a demanda ilegal de drogas, controlar os produtos químicos envolvidos na manufatura ilícita e o controle dos transportes para que não sejam utilizados para carregar tais substâncias. A partir de 1º de novembro de 1995, 119 Países se tornaram signatários desta Convenção, além da União Européia. O principal objetivo foi limitar o suprimento e a demanda de entorpecentes e substâncias psicotrópicas às necessidades médicas e científicas.

Alem desses Tratados internacionais, foi criada nas Nações Unidas a “Comissão de Drogas”, um órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social, que tem o poder de determinar se uma nova substância ou produto químico deve ser incluído ou retirado da lista de substancias controladas internacionalmente, mediante considerações e recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) com respeito às drogas e da “Junta Internacional de Controle de Drogas (INCBN) quanto aos produtos químicos. Esta Junta acompanha o comércio internacional e listou 22 substâncias em duas tabelas para prevenir seu desvio para uso na produção ilícita de “entorpecentes” ou de “substâncias psicotrópicas”.

Atualmente estima-se que em todo o mundo um milhão de pessoas

consuma cocaína, sem distinção entre usuários e abusadores14. O status legal da

14

As distinções entre uso e abuso estão relacionadas com as diferenças entre padrões de uso moderado e abuso de drogas relativo aos altos níveis de consumo, levando a um tipo de uso

cocaína em diferentes partes do mundo geralmente é de proibição geral ou por prescrição médica. Como se tenta refletir neste histórico, o “atual problema das drogas” é resultante de vários processos sociais associados e interligados, tais como: conflitos de interesses geopolíticos entre as nações num contexto pós- colonial; disputas comerciais entre indústrias farmacêuticas e processo de medicalização da sociedade, tornando a automedicação “proscrita” um “abuso”, além de a história da cocaína ilustrar os conflitos comerciais entre Países do Hemisfério Norte, produtores de drogas industrializadas, e os Países do Hemisfério Sul, exportadores de matéria-prima e produtores de drogas vegetais para as indústrias farmacêuticas do Norte. No tocante à cocaína, os produtos químicos envolvidos em seu refinamento, como o éter e a acetona, o carbonato de potássio, o querosene e o ácido sulfúrico, todos são produtos industrializados de alta tecnologia dos Países do norte. Portanto, na proibição das drogas, ultrapassa-se o problema da drogadição, envolvendo uma série de interesses geopolíticos e comerciais entre as nações e uma cadeia de interesses econômicos do mercado capitalista em busca do lucro. Enfim, a proibição das drogas parece servir aos interesses neocoloniais das nações hegemônicas, desempenhando um forte papel de acumulação de capital no sistema mundial, mais do que um controle por razões de saúde pública internacional.

O problema social relativo às drogas está colocado em termos de segurança pública, sendo que alguns pesquisadores apontam para o grande volume de capital movimentado pelo tráfico de drogas internacional e relacionam isto com uma ameaça à economia nacional, à lavagem de dinheiro, e à ordem institucional e democrática, através da corrupção dos poderes constituídos e com a ameaça de intervenção norte-americana em outros Estados-Nação. (UPRIMNY, 1997; FRIEDMAN, 1991)

“problemático”, quando a prática acaba por interferir em diferentes aspectos da vida (labor, trabalho, afetivo-sexual e físico).

3.2 O PARADIGMA BIOMÉDICO DA TOXICOMANIA

As dificuldades de estudar e pesquisar as drogas já se encontram na busca por definições de vários termos tais como “drogas”, “tolerância”, “abuso”, “dependência” entre outras categorias básicas do modelo médico que costumam ser apresentadas neste campo de pesquisa, sem maiores problematizações. A reflexão acerca dos termos utilizados pelas diferentes disciplinas dentro deste campo científico é uma tarefa importante da metodologia teórica, que vai em direção a uma reflexão epistemológica acerca desta “ciência da droga”. É importante ainda salientar os diversos condicionamentos políticos e ideológicos que permearam esta produção científica e os vários discursos disciplinares que se atêm ao estudo do “problema das drogas”. Isto porque o campo científico acaba por influir nas formas de apreensão deste fenômeno, nas teorias, conceitos, termos e hipóteses empregadas. Veja-se, então, como se alterou a percepção coletiva sobre o álcool e o cigarro após intensas campanhas massivas do Ministério de Saúde no País, levando-os a serem vistos também como “drogas”, portanto “maus”.

O conceito unificado estigmatizante de “drogas” se originou nos EUA na virada do século XX até a I Guerra Mundial. Foi difundido mundialmente e ampliado pelos tratados internacionais, segundo uma agenda em torno do “paradigma da toxicomania” e de um regime proibicionista, a qual criminaliza o usuário e patologiza os consumidores regulares (ROMANI, 1999, 61). No senso comum o termo “drogas” refere-se a várias substâncias químicas, naturais ou sintetizadas, que possuem a capacidade de alterar os estados de consciência e consideradas como sendo “más”, ruins, danosas. O “problema das drogas” transformou os consumidores em bodes expiatórios de vários conflitos sociais, apelando para razões de saúde pública e de segurança, embora ocultando poderosos interesses econômicos de corporações profissionais (médicos, advogados, policiais, juízes, entre outros), políticos e ideológicos entre as nações e grupos sociais.

A definição biomédica dada por Carlini e Masur para “drogas” coloca-as como “substâncias psicotrópicas”, que agem no sistema nervoso central,

modificando seu funcionamento, produzindo algum tipo de alteração psíquica e do

comportamento, cujo uso pode gerar “toxicomanias”15. Tais substâncias não têm

um efeito simples e objetivo, modificando temporariamente as “faculdades da consciência”, particularmente a relação entre cognição, intelecto, prazer e desejo,

refletindo uma inserção na cultura e sociedade16. A definição hegemônica e mais

empregada do conceito de “drogas” é baseada na determinação da Organização Mundial da Saúde (1974), que as considera como “[...]substancias químicas, que se incorporam ao organismo humano, com capacidade para modificar várias funções deste (percepção, conduta, motricidade, etc), mas cujos efeitos, conseqüências e funções estão condicionados, sobretudo, pelas definições sociais, econômicas, culturais que geraram os conjuntos sociais que as utilizam” (ROMANI, 1999, p. 61).

De acordo com Oriol Romaní, a figura de Louis Lewin foi fundamental para a construção do modelo médico sobre drogas. Isto porque, com seu gabinete centro-europeu de farmacólogos e antropólogos, forneceu os principais conceitos e categorias que servem para definir o discurso científico, tais como: “dependência”, “tolerância”, “abstinência” e as classificações das distintas drogas segundo seu efeito farmacológico. Ele adverte, na introdução do seu célebre sistema de classificação das drogas, que há uma extrema variabilidade dos efeitos conjugada a uma diversidade de reações individuais. Lewin organizou um sistema classificatório destas substâncias psicoativas, que ainda hoje é respeitado, compreendendo cinco grupos: “euphorica, phantástica, inebriantia, hypnotica e excitantia” (LEWIS,1970, p.38). Todavia, a percepção e/ou confusão inicial de incluir a cocaína com os opiáceos como “narcótica”, conduziu a todos à concepção da cocaína como pertencente ao grupo das “euphorica” e não das “excitantia”. Atualmente, já se constituiu consenso de que a cocaína é um poderoso estimulante do sistema nervoso central.

15

Essas modificações podem alterar o funcionamento cerebral, de maneira simplificada, de três maneiras: estimulando, deprimindo e perturbando o funcionamento. Esta classificação das drogas psicotrópicas foi adaptada e simplificada da proposição do francês L. Chalout (1971). In: MASUR; CARLINI. Drogas: subsídios para uma discussão. São Paulo, Brasiliense, 1989. p.37-38.

16

Os autores referem-se a uma noção filosófica de consciência que divide as faculdades em cognição, intelecto, desejo e sentimento, sendo que a cognição é organizada pela percepção sensorial e determina o que é real. (LESON, David. On Drugs. EUA: Minnesota Press, 1995. p.31- 33).

Durante o século XX, foram desenvolvidos vários sistemas classificatórios, inúmeras definições e muita controvérsia em torno das categorias e grupos de drogas. Em geral, tais sistemas de classificação são um outro tema importante neste campo de pesquisa, embora enfatizem apenas uma dimensão do fenômeno, os efeitos farmacológicos, não levando em consideração as motivações psicológicas, as variações dos organizamos individuais e nem as expectativas e os condicionamentos dos contextos socioculturais. Mesmo com todo o esforço de complementar estes sistemas classificatórios, fatores, dados e informações a respeito dos estados psicológicos e do contexto sociocultural, ainda continuamos subordinados ao modelo médico hegemônico de explicação do consumo de drogas. Isso significa que a farmacologia da droga continua sendo vista como o principal fator atuante junto ao sistema nervoso central. Além do chamado “princípio ativo” de uma substância, geralmente há outras atuando de forma variada e não descritas, principalmente nas substâncias in natura e não industrializadas. Além do mais, fatores sociais e culturais poderão perpassar as expectativas dos usuários, selecionando os efeitos desejados e modelando a percepção cultural e coletiva sobre o produto, induzindo psicologicamente à vivência, por parte destes, de determinados efeitos, como no caso das experiências com os “placebos”. Todavia, o principal problema destes sistemas de