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PARTE I O IMAGINÁRIO DA DROGA E A EXPERIÊNCIA

5.1 O MUNDO DAS DROGAS NA PESQUISA SOCIAL E CULTURAL

5.1.1 Paradigma Cultural ou Modelo Sociocultural

O pesquisador Alfred Lindesmith (1947) foi o primeiro a referir-se ao “usuário não dependente” de opiáceos, particularmente de heroína. Ele foi pioneiro em mostrar a importância dos fatores psicológicos. Este pesquisador foi considerado um crítico e, ao mesmo, tempo acusado como um apologista ao uso de drogas. Esta acusação é empregada sempre como reação contra os pesquisadores deste campo, principalmente em contextos proibicionistas e autoritários, o que impede o debate livre das idéias e os constrange institucionalmente, através de comitês de ética, fato que influencia até mesmo a metodologia das pesquisas. O sociólogo Erich Goode (apud ZIMBERG, 1984, p.242) compara o usuário ocasional de maconha a um “bebedor social” para quem a maconha é um prazer, mas dispensável e sem importância, quando comparado com outros aspectos da vida. Jordan M. Scher (1961) realizou estudos entre pessoas que consumiam drogas nos fins de semana e/ou em festas. Este padrão de uso, segundo ele, tende a se tornar regular e mais freqüente. Ele observa ainda, que os usuários têm mantido seus empregos por dois, três anos, fato que o levou a constatar que tal hábito poderia ser considerado como “controlado”.

A maioria dos pesquisadores afirma que a tendência do padrão de uso ocasional com opiáceos seria o desenvolvimento da dependência a esta substância. Em geral, os usuários ocasionais estão subrepresentados nos dados das populações em tratamento, por isso é necessário ter outras fontes de pesquisa, que não sejam os serviços de saúde e/ou as prisões. A proporção da população usuária de opiáceos na comunidade é maior do que a que está em tratamento ou detida. E o uso ocasional é aquele padrão de consumo que não possui regularidade e está de acordo com determinados eventos e/ou situações sociais.

É considerado “típico adicto” aquele que está envolvido em dependências episódicas, com abstinência voluntária, consumo irregular, institucionalização ou admissão para tratamento. Em 1984, Zinberg, ao comentar sobre a produção acadêmica a respeito do padrão de uso moderado e/ou ocasional, coloca algumas questões: 1 – não é conhecido o uso ocasional ao longo do tempo, como cada ocasião é distribuída pelo tempo (ano, mês, semana, dias); 2 – ainda é pouco conhecido o modo como se estabelecem os vários padrões ocasionais e como eles se mantêm; 3 – nenhum dos estudos realizados antes da primeira metade da década de 70 considerava como relevante o consumo de drogas além dos opiáceos; 4 – a maioria dos dados não traz claramente a freqüência de uso e nem a qualidade do uso e do produto; 5 – são pouco identificadas as características demográficas, o conhecimento dos usuários, sua estrutura de personalidade e outros fatores pertinentes que tendem a estar associados com outros padrões de uso de opiáceos. Lee Robins (1979) traz para o debate a variável droga, problematizando os modos ou vias de administração do consumo.

De 1957 a 1981, crescem o número de pesquisadores que consideram as diferenças nos padrões de uso de opiáceos, embora haja uma carência de pesquisas sobre o “uso não problemático”, “moderado e/ou controlado”. Em geral, como já dito acima, a maioria dos artigos analisados neste período foi produzida com base em serviços de saúde e de tratamento médico, e apenas poucas pesquisas foram realizadas com usuários não envolvidos em instituições de saúde. Os fatores que inibem as pesquisas sobre usuários ocasionais de opiáceos são os seguintes: 1 – crença de que a heroína é “má”, além, e geralmente, de tendência a ver o usuário como um “drogado”; 2 – usuários não compulsivos e usuários fora de tratamento médico são mais difíceis de localizar; 3 – a responsabilidade ética tem provavelmente impedido os estudos sobre usuários não-dependentes. Alguns pesquisadores têm medo de reportar o uso ocasional por temer serem apontados como endossando a experimentação de opiáceos; 4- a confusão em torno dos níveis de qualidade dos opiáceos tem sido obstáculo para a pesquisa neste campo, tornando complicada a comparação e a interpretação de achados de diferentes estudos. Na literatura científica sobre o uso de drogas, o termo mais empregado para indicar padrões de uso de opiáceos “não aditivos” foi “uso ocasional”. Isto indica uma freqüência de consumo menor

que a freqüência diária e a ausência de dependência física, embora não abarque o consumo de outras substâncias psicoativas e nem a consistência do uso ao longo do tempo.

Médico norte-americano, Norman Zinberg (1984) realizou uma grande pesquisa com usuários de diversas drogas que traz importantes contribuições sobre os controles informais presentes no consumo, a exemplo da auto- regulação. Sua investigação mostra que uma parcela significativa destes usuários, incluindo os que se utilizam da heroína, conseguem manter o equilíbrio entre o consumo e os cuidados mínimos para preservar a saúde e a autonomia perante a droga. Esta informação foi surpreendente nos EUA da época, visto que a heroína era considerada o caso mais grave de dependência física e seus usuários tidos como uma minoria que busca o perigo e resiste em cuidar de sua própria saúde. Este fato levou Zinberg a confirmar sua hipótese de que o fator psicológico e o contexto sociocultural são fundamentais na habilidade de controlar a experiência com as drogas. Assim, o contexto possibilita o desenvolvimento de regras, valores (sanções culturais) e padrões estilizados de comportamento (rituais sociais), que constituem, por sua vez, controles informais da auto- administração. Os “rituais sociais” servem como reforço e símbolos da escala de valores adotados pelos indivíduos num determinado contexto sociocultural.