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CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3 RECURSOS HÍDRICOS

1.3.6 Os conflitos por água

A água é fonte de riqueza e de conflitos. A água é riqueza porque foi transformada em mercadoria em escala internacional, o que gera interesse de grandes grupos transnacionais que atuam apoiados por órgãos como o Banco Mundial e a OMC (Organização Mundial do Comércio). Ela também gera riqueza ao ser usada como insumo produtivo na agricultura, indústria e geração de energia (RIBEIRO, 2008). A água é fonte de conflitos porque sua distribuição natural não corresponde a sua distribuição política. Em alguns países os recursos hídricos são mais que suficientes para abastecer as necessidades de seu povo. Mas eles são raros em outros. Como o estilo de vida hegemônico está baseado no consumo incessante de mercadorias, o uso da água para a produção industrial tende a aumentar, o que pode desencadear novos conflitos pelo seu acesso (RIBEIRO, 2008).

No caso brasileiro, o elevado excedente hídrico, segundo Tundisi (2005), permite avaliar que, sanados os problemas de abastecimento da região semi-árida, das elevadas concentrações urbanas como na grande São Paulo, e na Grande Campinas, do Vale do Paraíba, ou mesmo das áreas de intenso uso agropecuário,

como no Pontal do Paranapanema, também no estado de São Paulo, o país pode se tornar um fornecedor de água doce para outros, exportando esse recurso fundamental à existência humana. De certo modo, isso já ocorre por meio da comercialização para outros países de produtos agrícolas, que utilizam água em seu desenvolvimento.

O comércio da água em escala internacional envolve diretamente os grandes grupos de capital privados, dos quais três destacam-se: Vivendi, Suez, e o Bouygues-SAUR da França, e o RWE, da Alemanha (RIBEIRO, 2008).

A questão dos conflitos tem no Oriente Médio seu ponto de maior tensão, envolvendo Israel, Palestina e Síria em torno do uso da água do rio Jordão. Israel determina o consumo de água da Palestina, excluindo grande parte da população que fica com apenas um quinto dos recursos hídricos da região. Na América do Norte existe uma tensão envolvida entre México e EUA. O primeiro é obrigado a devolver ao segundo a água que retira dos rios Colorado e Grande, que também serve como linha fronteiriça entre os países. Menciona-se ainda conflitos pelo restante do continente asiático e africano (RIBEIRO, 2008).

Na América Latina, existe um conflito entre Uruguai e Argentina referente à instalação de uma fábrica de celulose no Uruguai, que causaria poluição dos recursos hídricos e demandas por terras na região. No ano de 2006 confirmou-se a instalação de uma fábrica de celulose no Uruguai. A fábrica será construída pela empresa sueco-finlandesa Stora Enso e será instalada nas margens do rio Negro, afluente do Rio Uruguai. O Uruguai possui duas fábricas de celulose, que são a Botnia e a Ence, que geraram polêmica com a Argentina. A Argentina pediu ao Uruguai que mudasse essas duas fábricas de Fray Bentos para outro lugar, mas os uruguaios se negaram (RIBEIRO, 2008)

O ponto central da discussão entre a Argentina e o Uruguai diz respeito aos métodos a serem adotados nas fábricas. Segundo autoridades do Uruguai, não há razões para adotar uma tecnologia totalmente livre de cloro (TCF) e que os mesmos já estabeleceram modificações para prevenir a contaminação. Ainda de acordo com as autoridades, os métodos a serem adotados pela fábrica de celulose se encontram dentre uma das melhores técnicas disponíveis, o BAT. Esse método foi aprovado

pelo Conselho da Europa em 2001, sendo que a fábrica também utilizará o processo de branqueamento EFC, livre de cloro elementar, somente utilizando dióxido de cloro.

A Argentina argumenta que a indústria de celulose está entre os principais geradores de contaminação e que com isso a demanda de terras para plantação, o uso intensivo de recursos de água e os volumes de substâncias tóxicas constituem um perigo que se expande para todas as regiões do planeta (RIBEIRO, 2008).

A inexistência de um acordo internacional que regulamente o acesso a água a todos facilita a manutenção desse cenário. Interesses econômicos e estratégico-militares impedem o estabelecimento de um sistema de regulamentação internacional que norteie a relação entre países e seus habitantes. Temas como soberania e território mantêm-se como fundamentais para a compreensão das relações políticas em torno da água.

A crise da água é resultado de diversos fatores: escassez pontual, consumo exagerado e elevação deste recurso à condição de mercadoria em escala internacional. Para entender a crise é preciso conhecer a sociedade contemporânea que está relacionada ao consumo. Segundo Ribeiro (2008) é preciso alertar para a reposição da base material da existência, dada que a dimensão material da vida depende da água tanto para a dessedentação de animais quanto para a higiene pessoal, para a produção e preparo de alimentos, para a produção de abrigos, enfim, sem água não há suporte material à vida.

A busca de uma outra ética seria fundamental para evitar conflitos e impedir que o dinheiro comandasse o acesso a um recurso vital aos seres humanos.

A água tem fundamental importância para a manutenção da vida no planeta e, portanto, falar de sua relevância é falar da sobrevivência da espécie humana, da conservação e do equilíbrio da biodiversidade e das relações de dependência entre os seres vivos e os ambientes naturais. A presença ou ausência de água determina a história, cria cultura e hábitos, orienta a ocupação de territórios, cria batalhas, extingue e dá vida às espécies, determinando o futuro das gerações (RIBEIRO, 2008).

A visão que possuímos do recurso água não deve estar centrada apenas nos usos que fazemos dela, mas na visão de que a água é um bem que pertence a um sistema maior, integrado, que é um ciclo dinâmico sujeito a interferências humanas. Compreender a origem da água, o seu ciclo hidrológico, a dinâmica fluvial e o fenômeno das cheias, os aquíferos, bem como os riscos geológicos associados aos processos naturais (assoreamento e enchentes) é essencial para que possamos entender a dinâmica da hidrosfera e suas relações com as demais esferas terrestres.

Para muitos, a água é sinônimo de mercadoria. A ausência de uma regulamentação internacional, um pacto político entre países e mesmo dentro dos países, permite sua comercialização em escala global. O comércio de água em escala internacional envolve grandes grupos de capital privados, enquanto grande parte da população do globo sofre com escassez de água e processos dela decorrentes. Segundo Ribeiro (2008), para evitar o comércio da água a nível global, é necessário uma divisão política da água, onde a soberania e o território seriam fundamentais na apropriação dos recursos hídricos, já que sem eles, os grupos transnacionais não operariam no interior dos países.

Os recursos naturais, dentre eles a água, estão a serviço da vida humana e da coletividade, e não aos fins acumulativos do capital. Nesse sentido, os países que, atualmente, em seu território, possuem recursos hídricos, dentre eles o Brasil, devem repensar sua posição diante do cenário internacional nas questões ambientais relacionadas à água, e devem impor sua posição favorável à preservação e ao uso coletivo desse bem natural. Percebe-se uma apropriação cada vez mais privada desse recurso para atender os interesses do grande capital, desfavorecendo o bem-estar comum da população: acesso a água em qualidade e em quantidade.

1.4 A BACIA HIDROGRÁFICA COMO UNIDADE DE GESTÃO, ANÁLISE E