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4. CUIDAR EM ENFERMAGEM

4.2. O saber o fazer e o ser em enfermagem

4.2.2. Os conhecimentos científicos

O termo conhecimento sugere que a ciência é formada pelo que se conhece sobre uma matéria. De acordo com LAKATOS268, o conhecimento científico é real (factual) porque lida com ocorrências ou factos, isto é, com toda a forma de existência que se manifesta de algum modo. Em si mesmo o conhecimento científico constitui-se como um conhecimento contingente, pois as suas proposições ou hipóteses têm uma veracidade ou falsidade conhecida através da experiência e não

263 Cf. Decreto-Lei 437/91 de 8 de Novembro, que regula a Carreira de Enfermagem, publicado no Diário da República. I Série-A, n° 257, p. 5724.

264KÉROUAC, Suzanne (1994), p. 138.

265FERNANDEZ FERRÍN, Cármen e NOVEL MARTÍ, Gloria (1993), El Proceso de Atención de Enfermeria: Estudio de Casos, Barcelona: Ediciones Científicas e Técnicas, p. 4.

266STUART, Gail Wiscarz e SUNDEEN, Sandra J. (1992), Enfermeria Psiquiátrica, Madrid:

Interamericana-McGRAW-HILL, p. 28.

267MONDIN, Battista (1980), O Homem Quem é Ele? Elementos de Antropologia Filosófica, São Paulo: Edições Paulinas, p. 77.

268 LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. (1991), Metodologia do Trabalho Cientifico, 3.ª ed, S. Paulo: Editora Atlas.

apenas pela razão, como ocorre no conhecimento filosófico. Por este motivo, o conhecimento científico é provável, porque é verificado por experiências que só podem dar o devir fugidio e contingente. Além de real e provável, o conhecimento científico é relativo, visto que depende exclusivamente da escolha que dele se faça quanto às operações que a ele conduzem. Todavia, é sistemático, já que se trata de um conhecimento ordenado logicamente, formando um sistema de ideias (teoria). Na enfermagem, “os conhecimentos científicos servem de base à compreensão do Ser Humano nas suas dimensões física, intelectual e afectiva”269, e servem de base aos cuidados, a tal ponto que desde os cuidados de manutenção da vida, como a alimentação, a todo e qualquer tipo de tratamento, todos implicam um cálculo, uma teoria.

O conhecimento científico possui a característica da verificabilidade a tal ponto que as afirmações (hipóteses) que não possam ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência. No conhecimento científico é a verificação que faz a significação. Ora não há verificação senão em referência a um facto sensível. Mas o facto sensível que inclua Seres Humanos, não pode ser reduzido a um esquema de verificação dissociado da sua vida íntima e dos valores inerentes à sua condição, nem da sua participação qualitativa nas experiências de saúde. Para estes casos, a própria ciência postula incessantemente um além não só pelo pensamento que a constrói, mas no ser que ela estuda. Por isso, se não podem identificar-se ciência e filosofia, é da máxima importância descobrir-se as relações que as associam na vida humana, porque existe uma continuidade ininterrupta entre a sensação, a física e a metafísica, de modo que a sensação fornece as aparências e estas fundamentam-se sobre uma teoria da natureza, de que a metafísica justifica os princípios. Por tudo isto, “a ciência da enfermagem pode beneficiar ao acercar-se da metafísica, a qual valoriza o mais alto sentido espiritual do Ser Humano, o que em associação com o cuidado humano tanto desenvolve a si próprio como a ciência humana para o século XXI”270. E é por isso que a enfermagem, como ciência e arte do cuidado dos Seres Humanos, procura não a realidade humana fragmentada, mas a integral em que o ponto de partida é a essência do Ser Humano que só tem sentido em relação com a existência, e destas adquire, da ciência positiva e filosófica, ensinamentos sempre mais numerosos e completos, que lhe dão profundidade e amplitude.

269PHANEUF, Margot (1993), p. 4.

270WATSON, Jean (1998), p. 40.

A evolução histórica da profissão da enfermagem (quanto à sua base teórica e ao alcance da sua prática) é reflectida na definição de enfermagem da American Nurses Association (ANA). No documento “Nursing: A Social Policy Statement (1980)”, esta associação considera que “a enfermagem é o diagnóstico e o tratamento das reacções humanas a problemas reais ou potenciais de saúde”271. De acordo com a referida associação, reacções humanas são fenómenos que os enfermeiros observam nos indivíduos ou grupos como resposta a problemas reais de saúde (efeitos da doença nos indivíduos e família), ou potenciais (preocupações com a saúde). Perante estes dois tipos de reacções humanas, os enfermeiros devem fazer o diagnóstico real ou potencial e estabelecer o plano de cuidados de enfermagem. Os problemas reais são tratados essencialmente com medidas de reparação dos danos que a doença causou no indivíduo e família, e os problemas potenciais com acções de promoção da saúde e prevenção da doença. A ANA272 agrupou o seguinte conjunto de reacções humanas: limitações no auto-cuidado;

funcionamento prejudicado em áreas como o descanso, o sono, a ventilação, a circulação, a actividade, a nutrição, a eliminação, a pele, e a sexualidade; dor e desconforto; problemas emocionais, relacionados com a doença e o tratamento, acontecimentos ou experiências quotidianas que põem a vida em risco, tais como a ansiedade, a perda, a solidão e o luto; distorção das funções simbólicas, reflectida em processos interpessoais e intelectuais, tais como alucinações; deficiências na tomada de decisão e na capacidade de realizar escolhas pessoais; mudanças na auto-imagem, exigidas pelo estado de saúde; orientação perceptiva disfuncional para a saúde; tensões relacionadas com processos de vida, tais como nascimento, crescimento, desenvolvimento e morte e deficitários relacionamentos familiares.

Neste conjunto de reacções humanas podemos identificar problemas reais, com maior incidência nos primeiros pontos, e problemas potenciais nos restantes.

Muito embora esta divisão nos pareça de algum modo artificial, porque na prática, verificamos que aos problemas reais estão geralmente associados problemas potenciais, e de certo modo, o contrário também se observa. Deste conjunto de reacções humanas depreende-se a necessidade que o enfermeiro tem de

271 AMERICAN NURSES ASSOCIATION (1993), “Nursing: A Social Policy Statement”, in IYER, Patricia W., TAPTICH, Barbara J. e BERNOCCHI-LOAEY, Donna - Processo e Diagnóstico em Enfermagem, Porto Alegre: Artes Médicas, p. 4.

272AMERICAN NURSES ASSOCIATION (1993), p. 5.

desenvolver competências cognitivas que lhe permitam entender estas problemáticas e estabelecer planos de intervenção marcados pelo rigor científico, técnico, relacional, ético e legal.

Sabemos que qualquer condição que reprima o pensamento retarda o desenvolvimento. Deve, por isso, o enfermeiro abrir-se ao mundo dos conhecimentos que contribuam para tornar cada vez mais inteligível a experiência humana e melhorar a sua actuação. Conhecer é fundamental, porque se a compaixão pelos Seres Humanos em sofrimento constitui o motivo da acção do enfermeiro, o conhecimento é a sua força de trabalho. E por isso, é essencial que o enfermeiro adquira o raciocínio analítico, isto é, a capacidade de compreender as situações e de resolver os problemas, decompondo-os nos seus elementos e avaliando-os de forma sistemática e lógica. A aptidão para a conceptualização, ou seja, a capacidade para identificar as relações entre as situações ou para descobrir os problemas subjacentes nas situações complexas. A competência técnica que é a capacidade para utilizar e desenvolver o saber técnico e de o partilhar com os outros. Por conseguinte, “a prática profissional da enfermagem é criativa e imaginativa e existe para servir as pessoas. Está enraizada no raciocínio intelectual, no conhecimento abstracto e na compaixão humana”273. E por isso, a qualidade dos cuidados de enfermagem depende da natureza e quantidade dos conhecimentos científicos que o enfermeiro leva para a prática, do raciocínio imaginativo e intelectual com que utiliza os conhecimentos ao serviço das pessoas e das suas capacidades de relação humana274.

Feitas estas breves considerações, podemos concluir que a enfermagem tem reconhecido que a autonomia do conhecimento científico de cada disciplina é relativa. Daí o esforço que tem demonstrado em aprofundar e ampliar os conhecimentos que lhe são próprios e a importância que dá às ciências afins. A enfermagem reconhece também que além de interdependente, o conhecimento científico é por sua natureza inconcluso. Procura, por isso, acompanhar os progressos da ciência e participar activamente no dinamismo da sua evolução, tendo consciência que todo o investimento feito no âmbito da formação quer académica quer profissional redundará certamente numa melhor prestação de cuidados à custa duma sólida e reflectida preparação.

273ROGERS, Marta E. (1994), p. 304.

274Cf. ROGERS, Marta E. (1994), p. 305.

Amplamente fundamentados em questões éticas, morais e filosóficas, os princípios que surportam o consentimento informado só o poderão verdadeiramente alicerçar, se no enfermeiro for promovida formação capaz e incisiva.