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3. CONSENTIMENTO INFORMADO

3.1. Resenha Histórica

dos séculos, os princípios hipocráticos definem como único objectivo da profissão médica “o bem dos enfermos” que se lhe confiam. É o tempo do princípio da beneficência em que, esse mesmo princípio é a trave mestra da moral médica. É o tempo do paternalismo médico, quando o consentimento se presume pelo simples acto de procura de cuidados de saúde. O consentimento informado não faz parte da relação médico-doente. Vigora o regime da confiança.

No século XVIII com o movimento filosófico iluminismo (BENJAMIN RUSH, THOMAS PERCIVAL E JONH GREGORY) defendeu-se um papel menos autoritário para o médico, em que este profissional devia partilhar as informações com o doente. As origens do princípio de autonomia, remontam já a este século, quando, em 1797, KANT publica a sua Metafísica dos Costumes. Os princípios éticos aí defendidos por KANT são um resultado lógico da sua crença na liberdade fundamental do indivíduo.

Não a liberdade na anarquia, mas a liberdade de o indivíduo se poder orientar a si.

KANT acreditava que o bem-estar do indivíduo deveria ser considerado como um fim em si próprio e que o mundo se deveria progressivamente encaminhar para uma sociedade ideal representativa da vontade unida de um povo inteiro. Adaptados à prática médica, estes princípios estão hoje muitas vezes reflectidos na ética e na deontologia profissional, naquilo que contêm de obrigação, dever, lealdade e pensar no Outro.

No século XIX, encontra-se referência a ideias de consentimento em textos de WILLIAM BEAUMONT (considerado o primeiro fisiologista norte-americano) e CLAUDE

BERNARD (fisiologista francês).

A partir do início do século XX, mas sobretudo a partir dos anos sessenta, primeiro, pela melhoria das condições sociais, pela evolução cultural e pelas facilidades de acesso à informação, e depois, sobretudo em resultado do que viria a ser designado por “socialização da medicina”, com todas as consequências inerentes do mais fácil acesso ao acto médico, aos meios auxiliares de diagnóstico ou às atitudes terapêuticas, a relação bipolar de confiança médico-doente alterou-se substancialmente. Como refere SILVA aludindo à primeira metade do século XX

“houve, nessa época, uma aproximação profunda entre o médico e o seu doente, e embora não faltem excepções, como em todos os momentos da Humanidade, a

Medicina existiu na actividade clínica, apenas para o bem do doente”41. Os próprios doentes e seus familiares começaram a exigir para si um papel mais activo nas decisões que até então eram quase exclusivamente competência dos médicos. Os doentes e as suas famílias começaram a fazer valer a primazia do “princípio de autonomia”, ou seja, da capacidade de decidir o que entendem ser melhor para eles próprios. Surgem as declarações dos direitos humanos em que a autonomia do doente começa a fazer sentido na filosofia dos cuidados de saúde.

Em 1947, o Tribunal de Nuremberga42, introduziu os princípios relativos à experimentação em Seres Humanos e consagrou o princípio do consentimento informado como imperativo para essas práticas no Código de Nuremberga. Este contem dez artigos, que se referem ao direito do Ser Humano de dar o seu consentimento informado voluntário e de o retirar, caso o deseje, em qualquer altura, durante o processo de pesquisa. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, reconheceu os direitos do homem, que contêm os princípios gerais da teoria do consentimento informado.

Na segunda metade do século XX, em 1964, a Declaração de Helsínquia43, aprovada na XVII Assembleia Médica Mundial em Junho de 1964, reformulou os princípios sobre a pesquisa biomédica realizada em Seres Humanos em que o consentimento livre e esclarecido terá de ser dado de preferência por escrito.

41SILVA, J., R. da (2003), “O Consentimento Informado na Relação Clínica”, in Perspectivas da Bioética-Bioética Contemporânea III, Chamusca: Edições Cosmos, p. 72.

42 Segundo J. R. DA SILVA (2003), p. 71 “O consentimento informado constitui e foi um projecto bioético na segunda metade do século XX, nasceu para permitir os ensaios clínicos que são uma forma muito atenuada de experimentação humana, e também, segundo penso, para corrigir o dogmatismo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, entendida na sua essência, não permite qualquer actuação que pressuponha, mesmo longinquamente, a hipótese de voluntária agressão humana. O fim da Segunda Guerra Mundial, o Julgamento de Nuremberga e o nascimento das Nações Unidas, fizeram surgir em 1947, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, documento fundamental da vida humana, que resultou, na sua quase totalidade, do sofrimento infligido a muitos homens, por actos agressivos, de uma investigação que pretendia ser médica e ser científica, utilizando a Humanidade, tornada aí Sub-Humanidade, para estudos ilegítimos e experiências criminosas”.

43 A Declaração de Helsínquea é o documento da Associação Médica Mundial (AMM) que contem as recomendações para orientação dos médicos na investigação biomédica que envolve Seres Humanos. A primeira versão, aprovada em 1964, foi posteriormente revista e actualizada nas Assembleias Gerais da AMM, realizadas em Tóquio (1975), em Veneza (1983), em Hong Kong (1989), em Sommerset West (1996), e em Edimburgo (2000).

Os Princípios Orientadores Internacionais de Ética da Investigação Biomédica sobre Sujeitos Humanos foram adoptados pelo Conselhos das Organizações Internacionais de Ciências Médicas em 1982 e emendados em 1993 e 2002.

Em 1973, a Carta dos Direitos dos Doentes (EUA)44 publicada pela Associação Americana dos Hospitais configura pela primeira vez o consentimento informado na prática médica, obrigando o profissional de saúde (médico) a enquadrar o doente na tomada de decisão.

No ano de 1978, é criada a Alma Ata elaborada pela Organização Mundial de Saúde. Um pouco mais tarde, em 1981 (revista em 1995), surge a Declaração de Lisboa sobre os Direitos dos Doentes e em 1994 elaborou-se a Carta Europeia dos Direitos do Doente, pelo Parlamento Europeu. Em 1998, é adoptada a Carta dos Direitos e Deveres do Doente, pela Direcção Geral da Saúde.

Em 1993, o COUNCIL FOR INTERNATIONAL ORGANIZATIONS OF MEDICAL SCIENCES

(CIOMS), em colaboração com a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (OMS), estabeleceram em Genebra quinze directrizes éticas internacionais para a pesquisa envolvendo Seres Humanos.

Deste modo consegue-se perceber que foi um tema repetidamente abordado e em que se encontra desde os mais remotos tempos alusões ao mesmo. Só com a evolução da bioética é que este conceito fudamentado no princípio da autonomia, foi verdadeiramente definido com os deveres e direitos clarificados na prática clínica.

Actualmente para qualquer intervenção clínica é uma obrigação ética e susceptível de gerar responsabilidade jurídica a obtenção do consentimento informado, sendo este um direito do doente e um dever dos profissionais que dele cuidam.