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Os desafios acerca do estudo dos bens inventariados e a ausência de documentação

No documento VIÇOSA - MINAS GERAIS 2022 (páginas 123-127)

Como foi apresentado no capítulo primeiro desta dissertação, Piranga possui uma lista relativamente vasta de bens inventariados, o que ajuda a elevar o índice do ICMS cultural da cidade, sem contar que expressa uma valorização dos bens culturais municipais. Entretanto, estudar esses bens acaba sendo um grande desafio visto que não há muitas documentações sobre eles, nem justificativas concretas sobre a escolha do que é patrimonializável ou não.

Isso dificulta compreender quais critérios foram adotados para que estes bens fossem selecionados e inscritos como bens culturais inventariados. Para esta pesquisa, no que tange a documentação escrita, tivemos acesso a uma lista de bens inventariados da Prefeitura Municipal, na qual estão listados todos os itens de acordo com a localização, a data em que foi inventariado e a qual bem patrimonial estes bens inventariados fazem parte.

Devido a essa falta de uma documentação, ficamos restritos a esta lista e aos relatos de pessoas que trabalharam e trabalham no setor de cultura da cidade. Deste modo, a conversa com moradores e com agentes relacionados, na forma de pesquisa oral, foi fundamental para embasar estes questionamentos. Analisando a lista, podemos notar que grande parte desses bens inventariados está relacionada aos bens tombados, ou seja, são objetos que compõem as igrejas tombadas, ou são construções que fazem parte dos perímetros em torno de bens tombados ou que pertencem aos dois núcleos urbanos tombados no município.

No Distrito de Santo Antônio de Pirapetinga há um grande número de bens inventariados, o que se dá principalmente pelo fato de que é neste distrito onde se encontram o Santuário tombado pele IPHAN e duas Igrejas tombadas pelo IEPHA/MG. Deste modo, todos os bens que compõem os itens tombados foram inventariados. O núcleo histórico urbano desse distrito recebeu tombamento municipal e, por este motivo, muitas edificações que compõem esse núcleo também foram inventariadas. De acordo com a listagem, os primeiros bens inventariados na região são aqueles que compõem o NHU e datam de 2006. Já os bens que compõem o acervo do Santuário foram inventariados nos anos de 2006, 2007, 2008 e 2010, e um fato curioso por nós observado é que o Santuário foi tombado em 1999.

Nestes mesmos anos também foram inventariados os bens que integram a Capela de Santo Antônio e o arquivo referente ao ofício do Registro Civil e Tabelionato de Notas.

Já nas áreas rurais do distrito de Santo Antônio de Pirapetinga, a maioria dos bens é composta de objetos que integram o acervo de capelas que foram tombadas pelo município, sendo elas a Capela de São Miguel e Almas do povoado Mestre Campos e a Capela de Nossa Senhora da Conceição do povoado de Manja Léguas, além de contar também com alguns bens naturais que estão relacionados com o entorno de áreas de tombamento e com a história local do distrito de Santo Antônio de Pitapetinga. Até aqui podemos reforçar a ideia de que a escolha desses bens para serem inventariados está diretamente ligada aos bens que foram tombados nas regiões. Desse modo, por mais que não haja uma justificativa registrada em algum documento, é possível realizar essa análise por meio da lista de bens inventariados e de bens tombados.

No distrito de Pinheiros Altos não ocorreu de modo diferente: os bens inventariados foram escolhidos de acordo com aqueles que compõem o núcleo histórico urbano, inventariados durante os anos de 2006, 2007 e 2010. Também foram inventariados os bens móveis integrados que fazem parte do acervo das Igrejas de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora da Conceição, que possuem tombamento municipal, ocorridos cada qual nos anos de 2008 e 2010. Já na zona rural deste distrito foram registradas algumas fazendas que estão nas áreas em torno do NHU e os bens integrados que pertencem a essas fazendas.

Os inventários mais antigos datam de 1999 e são aqueles que compõem o que foi denominado como Núcleo Histórico Urbano do distrito sede. Tratam-se de algumas residências localizadas mais ao centro da cidade, alguns prédios públicos e a Igreja da Boa Morte, que posteriormente foi tombada pelo município. Um fato interessante e preocupante é que alguns desses bens nem existem mais, como é o caso da Residência situada na Vila do Carmo, popularmente conhecida como Fazenda do Barão, pois, segundo relato dos

moradores, no passado a fazenda pertencia a um barão produtor de farinha. O último herdeiro que morou na fazenda foi o Senhor que era conhecido como Zé Barão, mas, após o seu falecimento, o local foi vendido e, aos poucos, e de forma ilegal, foi sendo demolido.

Atualmente, o terreno pertence a outro dono e não possui mais nenhuma construção; o que resta são apenas algumas madeiras e pedras. Mas esse caso serve para ilustrar como esses bens, mesmo que inventariados, estão de certa forma desprotegidos por lei e correm risco de desparecerem com o passar dos anos.

Os demais bens inventariados no distrito sede são aqueles bens móveis integrados que compõem o acervo da Igreja de Nossa Senhora do Rosário (tombada pelo IEPHA/MG) e da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte (tombada pelo município). Além disso, há também o registro das pinturas parietais que estão localizadas no Solar do Cônego Felício, o qual pertence à prefeitura já alguns anos, mas está abandonado há bastante tempo e com o telhado em queda. Ao serem questionados sobre isso, o prefeito de Piranga e a secretária de cultura afirmaram que este casarão já está com um projeto pronto para ser restaurado, mas não há data prevista para iniciar esse trabalho. O que todos esperam é que, quando as obras possam começar, não seja tarde demais, visto que já se encontra em um estado deplorável. Na ocasião da entrevista com o prefeito, ele afirmou que até o final do seu mandato essa obra será executada.

Por fim, temos os bens imateriais inventariados. Um fato interessante é que Piranga não possui nenhum bem imaterial tombado, mas apenas inventariado, o que pode ser algo interessante para ser analisado futuramente, visto que exige mais pesquisas sobre o assunto.

Muitos dos bens imateriais estão inventariados devido à sua ligação com bens tombados.

Alguns se tratam de manifestações religiosas que possuem ligação com as igrejas e as irmandades do município, como é o caso da Festa do Rosário, Festa de São Miguel, Festa de São Vicente, o Mês de Maria, a Festa de Nossa Senhora do Rosário, Festa de Reis, Festa do Mastro e a preparação do mastro. Outro fato importante para nos atentarmos é que a maioria dessas celebrações não só estão relacionadas ao catolicismo, como também às irmandades negras e à influência afro-brasileira, cujas tradições culturais compõem parte importante da história e da cultura piranguense.

Além disso, há as formas de expressões que estão relacionadas com as bandas musicais de Piranga e as guardas de Congado que mantêm viva essa tradição há séculos, demonstrando como são fortes a religiosidade e as tradições de cunho afro-brasileiro na cidade. Temos, ainda, vários saberes que também foram inventariados como patrimônio cultural imaterial piranguense, mas o que nos chama a atenção são algumas memórias que

foram inventariadas, quais sejam, as Memórias do Bom Jesus e Memórias de Tropeiros. Fica evidente que há uma grande lista de bens inventariados na cidade, mas que, que provavelmente, estes jamais serão tombados. Em face disso, é importante que haja maior clareza nas leis de proteção acerca desses bens, visto que a cada ano que passa, muitos deles estão desaparecendo – demolidos, abandonados e, no caso do imaterial, esquecidos ou deixados de ser praticados.

A autora desta dissertação, por exemplo, só teve conhecimento acerca desses bens após ter acesso à referida lista. Muitos desses bens e dessas manifestações culturais eram desconhecidos por ela e ainda o são por tantos outros piranguenses. Acreditamos que isso ilustra bem como a questão patrimonial é pouco conhecida pela população, já que é pouco divulgada e estimulada. Isso reflete no abandono desses bens e na visão ultrapassada de que patrimônio significa retrocesso e de que patrimonializar um bem signifique algo ruim. A visão que muitos piranguenses possuem é a de que o patrimônio é o vilão contra o progresso e que ele significa perder os direitos sobre a sua propriedade privada. Todas essas problematizações serão abordadas no próximo capítulo com o auxílio dos dados recolhidos por meio das respostas dos moradores sobre a temática.

3 PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E PERTENCIMENTO: UMA ANÁLISE DA

No documento VIÇOSA - MINAS GERAIS 2022 (páginas 123-127)