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II- Análise experimental: Os erros decorrentes do uso incorrecto dos determinantes

3. Organização e análise dos dados recolhidos

3.2. Descrição e explicação dos erros

3.2.1. Os determinantes artigos definidos, indefinidos e o artigo neutro

incidentes nos determinantes radica nesta subclasse morfológica. De uma forma geral, podemos apontar três razões principais:

- Embora as descrições gramaticais nas duas línguas sejam bastante próximas no que se refere aos diferentes usos dos artigos, algumas ocorrências diferem do português para o espanhol, o que leva a confusões no domínio do uso.

- Existe uma diferença formal pouco significativa entre as duas línguas (o, a, os, as/ el, la, los, las), o que provoca interferências constantes.

- Não há equivalência morfológica do artigo neutro espanhol ”lo” na língua portuguesa, o que origina grande parte dos erros, devido à analogia estabelecida pelos alunos entre a forma masculina “o” e a forma neutra “lo” que os discentes usam de forma indistinta.

O caso do artigo levanta um problema apontado em várias investigações que defendem que quanto maior é a distancia entre a língua materna e a língua estrangeira, maiores são as dificuldades ao longo do processo de aprendizagem. Sobre este ponto, concordamos com Santos Gargallo (1993: 108) que faz notar o seguinte:

Esto es objetable en la medida en que el aprendizaje de una lengua que guarda similitud con la lengua nativa entraña el problema de la interferencia entre el vocabulario y las estructuras de las dos lenguas. La cercanía o similitud lingüística entre dos lenguas puede ser ayuda en las primeras etapas del aprendizaje. La lengua nativa funciona como una ayuda o apoyo ante las situaciones en las que se aprecia una carencia lingüística en la lengua que se está aprendiendo, pero en niveles avanzados puede convertirse en un incómodo hábito, generador de muchos errores y difíciles de eliminar.

Assim, estes erros encontram-se indistintamente presentes no 7º, 8º e 9º ano, pelo que estamos, de facto, perante um caso de fossilização. Esta subclasse não sendo nuclear, dado não interferir na comunicação, acaba por causar erros muito variados que passamos a referir.

a) Adição

Os erros por adição são frequentes em alunos lusófonos, devido às interferências com a língua materna. Pois, esta requer o uso de artigo definido em determinados contextos, nos quais são desnecessários em espanhol. Tal ocorre perante topónimos, dado que, em português, a generalidade dos nomes designando zonas geográficas está acompanhada por artigos definidos. Contudo a Nova Gramática do Português

Contemporâneo, de Celso CUNHA e Lindley CINTRA (1998) elenca algumas

indicações que demonstram que não existem regras fixas quanto a este ponto gramatical. Pois, embora preconize o uso do artigo perante nomes de cidades e de países, também refere que alguns casos escapam a esta regra, nomeadamente Portugal, Cuba, Marrocos, que não requerem artigo e outros como Espanha, Itália ou França em que é oscilante o uso do artigo. Em Espanhol, é agramatical o uso do artigo perante a maioria dos topónimos, embora também ocorram casos em que existe variação, tal como em português (el Perú, la China, etc.).

(1) *(…) bañan la España y el Portugal. (2) *(…) bañan la España y  Portugal.

Nestas duas ocorrências, os alunos demonstraram não conhecer a regra geral estipulada pela norma espanhola, tendo recorrido à tradução literal no exemplo (2), fruto da interferência linguística, e à generalização de uma regra errada no exemplo (1). No fragmento seguinte, o mesmo ocorre com o nome comum “Merche”. Em português, o uso do artigo definido perante antropónimos é usual (denotando familiaridade), ao passo que em Espanhol tal não é aceitável. Este é, então mais um erro de carácter interlinguístico.

(3) *La Merche va al colegio. *Lo José tiene un hermano.

Grande parte dos erros por adição está patente nas construções que implicam determinantes possessivos. Pois, em português, estes determinantes obrigam ao uso do artigo definido (o meu vestido, a tua casa, etc…), ao passo que, em espanhol, a forma do determinante funciona isoladamente.

(4) *la su comida favorita  A sua comida favorita

*los sus amigos/ *el mi cuarto es grande/ *la mi garaje está cerca de casa

Este tipo de tradução literal é muito frequente, visto aproximar-se do ponto de vista fonético e morfológico às formas dos determinantes portugueses. Este tipo de erro é um dos mais fossilizados, dado ocorrer nos três níveis, chegando, até, a apresentar maior frequência no 9º ano. Nos primeiros estados da aprendizagem, os alunos recorreram, por facilitismo, à sua língua materna e acabaram por interiorizar esta estrutura errónea que se encontra ainda na sua Interlíngua após três anos de aprendizagem.

b) Omissão

No âmbito dos erros cometidos por omissão do artigo definido em contexto obrigatório na língua espanhola, encontramos, mais uma vez, casos de interferência com a língua materna dos discentes. Temos, como exemplo, a frase seguinte:

(5) * miércoles tengo clase de literatura.  Quarta tenho aula de literatura.

Os alunos lusófonos omitem, frequentemente, os artigos perante nomes referentes aos días da semana e às datas, sendo, estes, de uso obrigatório em espanhol. Esta interferência deve-se ao facto de, em português, o artigo poder ser dispensado quando funciona como adjunto adverbial (Cunha et ali, 1998: 220).

ex:  Quinta-feira, fui ao cinema.

Também existem casos em que o uso do artigo é obrigatório em ambas as línguas mas continua a ser omisso em espanhol. É o caso nos fragmentos:

(6) *En  tercero piso…

(7) *vamos a hacer un viaje a  playa juntas.

Em português, teríamos a forma contraída da preposição com ao artigo definido:  No (“em” + “o”) terceiro piso…

 vamos fazer uma viagem à (“a” + “a”) praia juntas.

Nos dois casos, os alunos omitiram o artigo, colocando apenas a preposição, o que se poderá dever a uma questão de ordem fonética e morfológica, sendo que as ocorrências erróneas produzidas pelos alunos mostram-se mais próximas do português a estes dois níveis. Tal se verifica especialmente no exemplo (7) dado que, em espanhol, não existe

contracção da preposição “a” com o artigo “la”, pelo que os alunos recorreram apenas à preposição devido à sua proximidade com a forma contraída portuguesa “à”.

Mais uma vez, no último caso de omissão, ambas as línguas preceituam o uso do artigo definido perante nomes de rios, montanhas, mares, oceanos, etc. Contudo, os alunos demonstram desconhecerem a regra de uso neste contexto particular.

(8) * Duero y  Tajo bañan…

c) Selecção errónea

Como se poderá constatar no corpus geral colocado em anexo (p.94-98), este tipo de erro é muito vulgar e representa grande parte das ocorrências erróneas produzidas pelos alunos lusófonos. Ao passo que os erros por omissão e adição abrangiam apenas os artigos definidos, nesta categoria, incidem igualmente nos artigos indefinidos.

Aparecem nomeadamente os casos de conservação, isto é de calco da língua materna, referenciados sobretudo em produções do 7º ano, em que os alunos recorrem às formas do português por desconhecimento ou falta de consolidação da aprendizagem deste ponto gramatical:

(9) *voy a comer os buñuelos. (10) *Voy para um hotel. (11) *O que me gusta menos…

Este tipo de calco da língua materna é muito mais frequente nos contextos em que existe contracção do artigo com uma preposição. Este tipo de erro é cometido por alunos dos níveis continuação. Mais uma vez, dado que em espanhol não existe contracção nos casos de “en + un” e “por + el”, os alunos tendem a recorrer ao português.

(12) *Estoy num hotel. (13) *Iremos pelo camino.

A maioria dos erros cometidos por selecção errónea do artigo deve-se à confusão, como já referimos, entre as diferentes formas do artigo nas duas línguas: ao passo que, em espanhol, existem cinco artigos definidos, sendo estes, “el, la, los, las” e a forma neutra “lo”, em português, temos apenas as quatro formas “o, a, os, as”, não existindo correspondência para a forma neutra. Tal como se fez notar no primeiro

capítulo deste trabalho, o artigo neutro é considerado um transpositor, isto é permite fazer com que algumas classes de palavras (adverbio, adjectivos, orações, etc.) possam exercer a função de sujeito, substantivando-as. De acordo com Stockwell, Bowen e Martin (1965)1, que descreveram seis categorias de dificuldades na aprendizagem de uma língua estrangeira, estamos perante um caso de “split”, isto é de desdobramento: um elemento da L1 bifurca em dois elementos na L2. Assim, os erros devem-se a uma confusão a nível formal, mas também a uma generalização por parte dos alunos, que os leva a aplicar o modelo da flexão do artigo feminino ao artigo masculino:

Ex.: A casa da mãe  La casa de la madre. O carro do pai  *Lo coche de lo padre.

Os exemplos que seguem ilustram esta problemática, dado que, nestes casos, o masculino é substituído pelo neutro:

(14) *Vamos a ver lo barrio.

*lo chico fue tentar…/*lo día en la playa/*vamos a lo parque/*lo dormitorio es grande, etc.

A selecção do neutro em detrimento do masculino corresponde ao erro mais frequente e recorrente nos três níveis, tal como se pode constatar através do corpus geral. Também aparecem casos em que o masculino é colocado em detrimento do neutro:

(15) *El más importante es terminar el ejercicio.

Este erro pode ser explicado da mesma forma que o anterior, embora também possamos acrescentar que, habitualmente, os alunos não assimilam a forma e os usos do neutro, mantendo este problema na sua Interlíngua até ao 9º ano. Podemos referir igualmente o exemplo (11), no qual está patente que o aluno desconhece a forma “lo” preferindo colocar a forma portuguesa “o”. Os alunos não conseguem usar este transpositor por desconhecimento e falta de consolidação das regras do seu uso:

(16) * ¡La guapa que estás!

      

1

“Linguistic factors presentation” - Presentation of Stokwell, Bowen and Martin’s theory The

grammatical structures of english and Spanish (1965). University of Chicago. Disponível em:

Este erro verificou-se aquando da correcção do exercício estrutural relativo aos artigos, não tendo sido registado em nenhuma composição. Pois, nenhum dos alunos avaliado usou o neutro numa estrutura enfática com valor intensivo ou expressivo, pelo que este conteúdo não está integrado à competência comunicativa do grupo.

Outro dos erros que se encontra principalmente no nível continuação está relacionado com o artigo indefinido singularizador “un” que é igualmente classificado como determinante numeral e cuja forma plena “uno” também pode ser classificada como pronome indefinido. Um dos erros consiste no uso da forma plena do numeral “uno” em vez do artigo indefinido “un”:

(17) *… para que vengan uno día. * Tiene que tener uno cuadro.

No contexto desta frase, o aluno não pretende expressar a quantidade, pelo que deve ser utilizada a forma do artigo indefinido e não a forma plena do numeral. De qualquer forma, mesmo quando o pretendido é expressar a função quantificadora, o numeral “uno” deve sofrer o fenómeno da apócope perante nomes masculinos singulares e femininos singulares começando por /a-/ ou /há-/ tónicos.

Nos restantes casos, os alunos confundiram o artigo indefinido com o pronome “uno”:

(18) *Nadie tenía un así.

Os erros acima descritos devem-se ao facto de, em português, existir apenas uma forma para o artigo indefinido, o numeral e o pronome. Assim sendo, no primeiro caso, os alunos demonstraram não dominar as regras de uso das formas “un/uno”, desconhecendo os contextos em que estas ocorrem, e, no segundo caso, aparece uma vez mais um caso de calco da forma portuguesa “um”, mais próxima a nível fonético da forma apocopada “un”.

Ocorrem igualmente muitos erros de concordância de género que resultam da interferência da língua materna que apresenta substantivos com género gramatical distinto do espanhol. Este tipo de erro aparece repetido nos três níveis de ensino:

(19) *Está a ser una viaje interesante.

*Le gusta la patinaje/ *vivo en una chalet adosada/ *las colores son fuertes/ *quiero una garaje mucho grande/*tiene un nariz

Embora os docentes de espanhol refiram, aquando da abordagem do vocabulário por área temática, estes casos particulares, os alunos não chegam a memorizá-los e acabam por fossilizar este tipo de erro.

Por fim, aparece igualmente um erro relacionado com o descrito anteriormente, também muito recorrente nos três níveis de ensino, que toca aos artigos colocados perante substantivos femininos que começam por /a-/ ou /há-/ tónico.

(20) * La agua es el bien más precioso…

Em espanhol, as palavras de tipo “aula, alma, hada, agua, águila, etc.” estão acompanhadas, no singular, pelo artigo masculino “un/el”, possuindo porém género feminino. No último exercício da ficha proposta aos discentes, poucos foram aqueles que completaram adequadamente este item. Embora esta regra seja abordada no nível iniciação, não foi suficientemente consolidada e praticada, pelo que os alunos não a aplicam sistematicamente. Dita regra não foi incorporada à competência gramatical dos alunos devido ao obstáculo da língua materna. Pois, em português, estes substantivos são de género feminino, pelo que são determinados por artigos femininos.