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Uma “nova fase” é inaugurada na carreira de Egberto Gismonti com o LP lançado em 1974 Academia de Danças, no qual podemos também reconhecer este flerte com o jazz-rock. O álbum foi dividido em duas “seções”. De um lado os fonogramas de música instrumental que se apresentavam sem interrupções, com os finais emendados uns aos outros e de outro, duas canções acompanhadas apenas por piano; uma regravação de “Vila Rica” em versão instrumental (gravação original presente no disco Água e Vinho), uma composição intitulada “Continuidade dos parques” e duas faixas que trabalham com sonoridade e temas musicais indígenas.

Diferente da estética “monumental” presente nas composições dos discos anteriores, a partir de Academia de Danças Gismonti parece não estabelecer mais uma ligação com os cânones de uma arte mais “erudita”. Isto quer dizer - dentre outras modificações - que os arranjos não acrescentam um naipe de cordas para aumentar a massa sonora da execução, para costurar frases contrapontísticas que enriqueçam a narrativa do ponto de vista melódico nem para servir como sustento harmônico para a melodia da canção.55 Em Academia de Danças o naipe de cordas é arranjado de forma a criar “ambientações” e “sonoridades” para as faixas. Na seção de A de “A porta encantada”, por exemplo, no primeiro lado do disco, as cordas aparecem em

momentos específicos do arranjo, apoiando convenções ou realizando pizzicato em polirritmia com um ostinato. É a partir deste disco que a música feita por Gismonti passa a ser avaliada de “difícil fruição”. O jornal Folha de São Paulo publicava, em 1976:

“Academia de Danças" tem lugar importante no coração de Egberto Gismonti. Foi o disco que lhe permitiu parar de esquentar a cuca. É o que convenceu sua gravadora de que ele poderia ser vendável, dentro dos seus limites: o LP vendeu 15 mil exemplares, o que para Egberto, é muito” 56 (CAMBARÁ, 1976)

Egberto, em 1975, expõe este impasse, comparando a postura da indústria fonográfica brasileira e a americana diante seus trabalhos:

“Quando saí daqui, falaram que o meu disco (Academia de Danças) era muito enrolado. Saí triste. Mas quando eu cheguei lá, os diretores das gravadoras dos EUA acharam ótimo!!! A “Academia de Danças” tem um som técnico que eu acho anormal do Brasil. Mas eu não posso culpar quem não entende. Pois se eu mesmo, só comecei a entender a direção da minha música sete anos depois. A gravadora dá a entender a gente que no Brasil só existem pessoas muito burras e que no seu espetáculo não vai ninguém.” (PENTEADO, 1975)

A constante referência à expressão “música de qualidade”, tornava cada vez mais distante qualquer possibilidade de categorização da música feita por Gismonti naquele período. Dizia o jornal Última Hora: “Ninguém, absolutamente ninguém conseguiu definir, rotular ou explicar sua música de sons estranhos e belos, nascidos, sobretudo, da sua emoção". (GUIMARÃES: 1976)

Estes indícios nos levam a crer que as produções culturais criadas pelo músico não mais são constitutivamente oposicionistas em sua essência, não se tratando de uma cultura do antagonismo, predisposição das obras de artes modernistas e porque não dizer, do sentimento que pairava sobre a Música Popular Brasileira na década anterior, em que os debates aconteciam em torno das polaridades entre “nacional”- “internacional”, “arcaico”- “moderno”, “alienado”-“ingênuo”. O jornal Última Hora destaca esta característica híbrida, apontando para um cenário cultural mais

56 Atento que o assunto principal desta reportagem era o fato de Gismonti ter sido convidado a compor uma trilha sonora para

novela da Globo, acontecimento que gerou espanto na crítica especializada. Gismonti, naquele momento, já havia sido convidado algumas vezes para fazer parte de algumas produções da rede, mas nunca tinha aceitado. O aceite para realizar a trilha foi então uma surpresa para todos.

segmentado a partir do momento em que cita a existência de “qualquer tipo de sensibilidade”:

"O mais surpreendente na música de Egberto, é que os sons criados por ele atingem qualquer tipo de sensibilidade. De repente, Miles Davis procura Egberto para produzir um disco, do mesmo jeito que a Som livre estabelece contatos com os músico para um LP infantil, e Jean Pierre combina a trilha sonora de um filme sobre a demarcação de terras no Alto Xingu e Turíbio Santos grava em Paris, suas composições. O que é isso? Uma música que serve pra absolutamente tudo? (GUIMARÃES, 1976)

Esta “sensibilidade” nos leva a reflexão da escritora Susan Sontag, sobre as modificações da sociedade pós-1970, que podem nos ajudar a esclarecer a atuação de Gismonti neste período. De acordo com Sontag, por conta da mobilidade social e física, do abarrotamento do cenário humano (pessoas e mercadorias multiplicando-se, novas sensações como a velocidade física, uma viagem de avião, velocidade das imagens do cinema, reprodução em massa dos objetos de arte) a arte se tornou um instrumento para modificar a consciência e organizar novos modos de sensibilidade. Os artistas, se tornando “estetas” mais conscientes, desafiam seus próprios recursos, seus materiais e seus métodos, obtendo-os a partir também do mundo da “não arte”, tecnologia, imagens comerciais, sonhos consumistas, etc. Assim, as artes acabam possuindo um conteúdo menor e um tipo de julgamento moral mais frio. (SONTAG, 1987, p. 341)

Sobre o álbum “Corações Futuristas” (considerado uma extensão de seu predecessor) e as turnês que o sucederam, Gismonti passa a afirmar sua preocupação com um novo modo de expressar sua música. Através da criação coletiva e da improvisação, apresenta uma nova maneira de pensar a organização dos sons, que não exclui a exploração das inovações tecnológicas denotando uma preocupação maior com a “forma” e menos com um conteúdo associado a algum tipo de “edificação”. Da mesma forma, Gismonti começa a questionar o papel do artista naquele contexto, reavaliando toda a sua obra anterior:

“Para citar um exemplo: para que ficar pondo cordas numa música que não pede cordas, apenas para soar sinfônico, falsamente sinfônico, pois sinfônico mesmo é outra coisa, outros músicos, outra estrutura de música? Por que fazer isto só porque eu tinha decidido que essa era a minha forma de música? Porque não tocar simplesmente, do jeito como eu tinha composto? (...) Porque ficar horas e horas intelectualizando, discutindo nossa posição na sociedade brasileira, nosso papel, e tal, tudo com copo de uísque na mão e o ar condicionado ligado? Quer dizer, falso, irreal.” (BAHIANA, 2006, p.157)

Em entrevista, Gismonti explica: “Voltado para o “como” e não “o que” tocar, Gismonti reuniu-se a um selecionado grupo de músicos, "pessoas acrescentando, me permitindo parar para ouvir minha própria música" (Um músico, enfim, entendido, Folha de São Paulo, 1976). No Jornal do Brasil, o crítico musical Tárik de Souza enfatiza novamente o fato de Gismonti estar se dirigindo especialmente para o “como” e não “o que” sendo respondido pelo músico com uma declaração a respeito da dinâmica de seus shows. Fica claro o direcionamento a improvisação, a criação de uma atmosfera específica sob as possibilidades criadas pelos aparelhos tecnológicos:

"O show tem uma parte só, não tem intervalo, porque quebra a atmosfera. Em São Paulo nós fomos tocando, quando sentimos tinham passado duas horas.(...)Nós tocamos mais meia hora. Eu entro e faço uma meia hora sozinho, na abertura. (...) Fica difícil detalhar o que acontece, porque é um violão preparado para ter o mesmo volume de guitarra, com microfone embutidos, o som passa por space echoes, phasis, pedais. Então é um volume sonoro que vai girando, de repente aparece um buraco uma idéia puxando para outro caminho, e nós vamos por ali". (SOUZA, 1976)

Retornando aos aspectos desta “nova sensibilidade” descrita por Sontag, observa-se então o objetivo da criação se desviando e se abrindo aos “prazeres da forma e do estilo”, com a exigência de menos “conteúdo edificante, menos esnobe ou moralista” (SONTAG, 1987, p.349): “A nova sensibilidade é provocadoramente pluralista; voltada ao mesmo tempo para uma torturante seriedade e para o divertimento, a ironia e a nostalgia. E também extremamente consciente do ponto de vista da história; e a voracidade de seus entusiasmos (e da substituição desses entusiasmos) é tremendamente rápida e excitante.” (IDEM, p.350)

Ao mesmo tempo em que figura-se em sua música a relação com a tecnologia, com o mundo da fragmentação, com a perda da articulação de noções antagônicas como uma herança do modernismo, abre-se espaço para a desarticulação de identidades do passado e criação de novas possibilidades entre articulações entre as culturas. Transpondo estas noções à prática “improvisada” da nova fase de Gismonti, podemos perceber que a configuração de suas apresentações ao vivo e o surgimento desta nova concepção de criação se deve também a uma desvirtualização da individualidade do artista dos moldes modernistas. Esta característica improvisada e esta “articulação entre as culturas” presentes nos trabalhos de música instrumental brasileira a partir da década de 1970, pode representar, no plano artístico, esta

modificação na figura do artista, novas proposições em sua forma de atuar, que passa a priorizar mais a performance e o estilo do que o próprio conteúdo musical. Tabla, flauta, caxixi e flautas da Tailândia representam este cruzamento de informações globais. Descrevendo um dos shows do álbum Corações Futuristas Gismonti diz:

"Houve um momento no show de São Paulo que estava um free pesado (quando falo free é uma coisa brasileira calcada numa harmonia ou num ritmo, nada a ver com Nova Iorque), uma zoeira que você nem imagina. De repente, o Robertinho saiu da bateria e começou a fazer um som na tabla. Ninguém ouvindo. O som foi morrendo, o Nivaldo largou o sax-soprano, pegou uma flauta, o Luis largou o baixo, pegou um caxixi e eu umas flautas estranhas, que eu trouxe da Tailândia. Ficou aquele clima diferente fui para o piano e cantei Bodas de Prata". (SOUZA, 1976)

Os jornais pareciam estar atentos a estas modificações da sensibilidade do novo momento. Em matéria não assinada, a Folha de São Paulo publica a seguinte descrição:

"Aliando o indígena e o popular, o ocidental e o oriental, a erudição tradicional e as técnicas recentíssimas de composição, estruturação e execução, ele e seu grupo (Luis Alves no baixo, Robertinho na bateria, Nelson Ângelo na guitarra e Nivaldo Ornellas no sax) parecem perseguir a abertura em relação a todos os conceitos melódicos e uma criação propositadamente desarrumada (no sentido do não pré-estabelecido), bem a gosto do seu líder". (Um músico,enfim, entendido, Folha de São Paulo, 1976)

Da mesma forma, Gismonti começa a questionar o papel do artista naquele contexto, reavaliando toda a sua obra anterior. Ao mesmo tempo em que se afasta do fazer dicotômico do músico popular, procura também se afastar das prerrogativas políticas da década anterior. Recuperando aqui Andreas Huyssen, relembro sua assertiva de que, em sua visão, o “vale tudo” típico dos anos 70 pode ser a “versão cínica do capitalismo consumista do “nada adianta”, mas reconhece a inutilidade das velhas dicotomias. (HUYSSEN, 1991, p. 53) Este afastamento das prerrogativas do passado recente não significará, contudo que sua música perderá conexões críticas com o contexto a qual está atrelada.

"Eu poderia teorizar infinitamente sobre música. Mas não estou querendo isso agora. Não há que teorizar nada. Não estou querendo entender nada. Estou pensando depois. Agora é que eu entendi Academia de Danças. Não estou nem sequer entendendo este show no Teresa Raquel, Os corações futuristas. Estou preocupado com as pessoas, e a relação entre elas. A coisa mais importante que me aconteceu, é que eu perdi a gravidade". (GUIMARÃES, 1976)

Todos estes elementos retomam a discussão sobre o voltar-se ao “estilo” e a “perfomance” do artista e menos ao conteúdo. Em Gismonti, além dos exemplos citados acima, podemos também conectar a mudança do teor literário em suas canções. Os discos anteriores possuíam outro tipo de narrativa mais linear, que pode traduzir os reflexos dos anseios da década de 1960, onde o sujeito se colocava sempre à procura de uma alternativa às questões que o afligiam, ou no amor, ou no “cantar” como expressão de luta contra a repressão, ou ainda expressava sua fragilidade em meio a um ambiente de transformações rápidas e inconstantes, tratando de temas como estranhamento em relação às paisagens urbanas, o desenraizamento, a ação e a luta.

Outro fator determinante para a configuração sonora destes discos de Gismonti está na utilização dos recursos instrumentais-tecnólogicos; contato este mantido principalmente na temporada que o músico passou em 1975, nos Estados Unidos, gravando com Airto Moreira. Dentre este novo instrumental disponível apresento alguns bastante significativos na construção da sonoridade dos álbuns desta fase:

- Arp Odyssey - O sintetizador analógico foi lançado em 1972 pela Moog Music, possui capacidade duofônica e possibilidade de controle dos parâmetros de

onda através de botões localizados no painel. Foi um sintetizador analógico que competiu com o Minimoog, portátil e mais acessível. É um dos primeiros sintetizadores com capacidade duofônica (habilidade para se tocar duas notas ao mesmo tempo). É notável dizer que este sintetizador foi também o primeiro sintetizador tocado por Herbie Hancock em seu disco de 1973 Head Hunters.57

- Arp String Ensemble - O sintetizador, produzido pela Eminent NV (Solina) e

lançado em 1974 reproduzia o som de 6 instrumentos (violino, viola, trumpete, trompa, violoncello e contrabaixo) junto a um efeito chorus que lhe dava o som polifônico característico.

57 Curioso notar que o interesse por estes instrumentos têm crescido ao longo destes últimos anos. Recentemente, mais precisamente no final de 2015, o Arp Odyssey foi relançado, numa parceria entre a Korg e o co-fundador da ARP`s David Friend. Neste vídeo recente, para promover este relançamento, Herbie Hancock fala um pouco sobre este instrumento: https://www.youtube.com/watch?v=5uIvFhEiuS8 . Acessado em 26/05/2016.

- Space Echo - O aparelho de efeito, também conhecido como Roland RE-201

e lançado em 1974, é uma unidade que produz delay analogicamente através da manipulação de fita magnética.

- Mutron biphase - é um equipamento que proporciona ao instrumento o efeito de “phaser”. Foi criado por Mike Beigei e Aaron Newman na empresa norte- americana Musitronics entre os anos de 1973 e 1974. Basicamente o equipamento possui dois tipos de phaser que podem funcionar individualmente ou em série (mono ou stereo), permitindo que se controle os parâmetros (tipos de onda, profundidade e feedback) analogicamente pelo pedal de controle.

Da parceria com Airto Moreira surgiu um álbum pouco conhecido mas de extrema importância simbólica para esta fase de expansão e consolidação da música instrumental brasileira e de suas relações com o jazz e o fusion da época. O nome do disco, oportunamente intitulado de Identity, não poderia ser melhor escolhido; nele, Airto reúne importante nomes da música brasileira e norte-americana e promove uma verdadeira celebração entre ritmos regionais brasileiros, improvisações e harmônicas jazzísticas. Herbie Hancock assina a produção (e também toca no disco), junto a nomes como Novelli (autor de uma das composições), Robertinho Silva (bateria e percussão), Flora Purim (voz), John Heard (contrabaixo), Louis Johnson (contrabaixo), Wayne Shorter (sax soprano), David Amaro (violão), John Willians (contrabaixo), Ted Lo (órgão). Nada menos que 4 faixas das 7 que compõem o disco são de autoria de Gismonti: 1- “The magicians”, que possui muitas semelhanças tanto estruturais quanto sonoras com “Salvador” e até “dança das cabeças”; 2- “Tales from home”, uma versão da música “Lendas” que apareceu nos discos Sonho 70 e Orfeo

Novo tocada por Herbie Hancock no fender rhodes; 3- “Encounter”, versão da

composição “Encontro no bar” do disco Egberto Gismonti (árvore); 4- “Wake up song”, que futuramente aparecerá no disco Carmo de 1977 como duas faixas – “Baião do acordar/Café”.

Sobre, Academia de danças, Corações Futuristas e curta temporada nos Estados Unidos, Gismonti comenta:

“Eu vou botar tudo que me ensinaram junto. E por isso tem eletrônica. A eletrônica é por conta do Herbie Hancock. Que eu morei em Nova Iorque em 1975, 1976 pra fazer o disco do Airto Moreira,Identity. E o Herbie Hancock topou participar do disco e a gente tocou

muito junto. E eu ia pra garagem dele, que tinha um estúdio e trouxe essas coisas pra mim, pra casa e estava tocando”

3. Dança das cabeças

A faixa de abertura do disco Corações Futuristas intitulada “Dança das cabeças” representa uma das composições deste período que mais contém semelhanças com o jazz-rock ou fusion.

É também a composição de maior duração dentre as analisadas; esta versão, que se estende por 8 minutos e meio, é construída por uma sequência de seções contrastantes estruturadas ao redor de dois temas principais.

É importante lembrar que a composição “Dança das cabeças” dará nome ao álbum que Gismonti gravou junto a Naná Vasconcelos em 1977. No mesmo ano, também foi registrada no álbum gravado junto ao músico norte-americano Paul Horn, chamado Altitude of the Sun, no qual estão também presentes regravações de “Bodas de prata”, “Altura do Sol”, “Carmo” e “Parque lage”. No arranjo da versão deste LP, Gismonti conserva uma estrutura muito semelhante à gravação que aqui analisaremos, com a diferença de que as seções “Tema C”, “Interlúdio” e “Interlúdio II” não ficam evidentes e claramente segmentadas como nesta versão. 58

58 Para mais informações sobre o disco Dança das Cabeças consultar a dissertação de mestrado de PINTO, Renato de Barros. Egberto Gismonti e a poética da Semi-erudição. Universidade Estadual de São Paulo. 2015. p.57-71.

Tabela 6 - Forma de “Dança das Cabeças” do álbum Corações Futuristas (1976) 0:00 – Introdução – 18 compassos – de A e F/A

0:40 - Tema A - 32 Compassos - Tema em lá mixolídio 1:04 – Tema B – 18 compassos (frases sintetizador) 1:16 – Tema A – 32 compassos – Tema em lá mixolídio 1:38 - Tema B – 18 compassos (frases sintetizador) 1:50 - Tema A – 16 compassos (flautas)

2:11 – Ponte – 16 compassos

2:23 – Improviso de sax – 44 compassos ternários 3:44 - Convenção

3:55 – Improviso de sintetizador – 42 compassos 5:00 – Convenção

5:10 – Tema C – Ápice (sobreposição de andamentos) 5:35 – Interlúdio I – com os pífanos

6:00 – Interlúdio II – solo de imitação viola caipira 6:30 – Interlúdio III – volta dos instrumentos 6:46 - Tema A – 32 compassos

7:10 -Tema B – 18 compassos

7:22 – Tema A – 16 compassos (com pífanos) 7:30 – Coda

Logo na Introdução percebemos que a composição não estabelecerá uma pulsação rítmica ou uma coerência harmônica clara e concisa. O timbre do violão alterado pelo efeito do pedal mutron biphase executa um loop de dois acordes, que configuram uma ambientação harmônica aproximada aos acordes de Am e F/A.

O contrabaixo evidencia esta ambiência harmônica caminhando entre as notas lá, mi e sol, confirmando a centricidade na região de lá. A bateria corrobora para a criação do ambiente sonoro experimental com a exploração timbrística de suas peças, com especial atenção aos pratos. Os efeitos do pedal e os timbres do sintetizador, que tem suas posições constantemente alteradas dentro do espectro estereofônico da gravação, deixam contrabaixo, violão e bateria num plano sonoro mais distante, alterando a espacialidade relativa da instrumentação e, por conseqüência, sua textura no âmbito desta unidade sonora.

A passagem da Introdução ao Tema A transcorre através da progressiva aparição dos instrumentos que estavam em segundo plano e do término da aplicação dos efeitos do pedal ao violão. A atividade do sintetizador diminui mas não perde sua posição de destaque dentro da unidade, assumindo o papel de “pivô” entre estas duas unidades sonoras, Introdução e Tema A.

Optei por nomear esta seção como “Tema A” a partir da compreensão de que a forma de “Dança das Cabeças” não mais se adequará aos padrões do template AABA, tanto pela ausência de um modelo melódico principal que poderia ser relacionado às estruturas de período, sentença ou seus híbridos, como pela inexistência de uma coesão harmônica que nos dê material para compreendermos começo, meio e fim da narrativa musical.

No “Tema A”, o idiomatismo nordestino é engendrado a partir da utilização do modo mixolídio na construção do padrão principal realizado pelo violão; um padrão em terças que nos remete a uma espécie de galope nordestino. O grupo executa este tema em compasso binário com especial atenção ao contrabaixo e bateria. O primeiro realiza a figura característica formada por colcheia pontuada semicolcheia, enquanto a bateria acentua as semicolcheias na condução, semelhante ao triângulo num contexto do ritmo de baião.

Exemplo 27: Tema A de “Dança das cabeças” (1976) – (violão e contrabaixo) - (0:40 – 0:45)

Exemplo 28: Célula rítmica do baião, semelhante ao ritmo executado no “Tema A” de “Danças das cabeças” (1976)

Ainda dentro do Tema A aparece uma convenção rítmica que apresenta reminiscências do ritmo do funk norte-americano, concebidas sobre as tríades maiores G, G# e A. São oito repetições da convenção abaixo, que somadas aos compassos do exemplo acima totalizam 32 compassos.

Exemplo 29: Convenção do final do Tema A de “Dança das cabeças” (1976) – (violão e contrabaixo) - (0:51-0:52)

Na seção nomeada como “Tema B” o contrabaixo permanece executando as notas lá e mi, persistindo na sugestão da centricidade nesta região.

As frases melódicas de andamento acelerado e caráter virtuosístico realizadas pelo sintetizador e pelo violão também se constroem predominante em lá mixolídio e