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Os discursos sobre a deficiência na região discursiva do Portal do Professor do

PARTE III – A ANÁLISE DA PRODUÇÃO CULTURAL DA DEFICIÊNCIA

CAPÍTULO 5 – A PRODUÇÃO CULTURAL DO OUTRO COM DEFICIÊNCIA NAS

5.1 Os discursos sobre a deficiência na região discursiva do Portal do Professor do

Para discutir a produção do sujeito com deficiência no Portal do Professor do MEC, e sua imersão no jogo do poder-saber; apresentamos, inicialmente, uma análise do lugar de enunciação da deficiência. Na realização de tal análise, não pretendemos nos ater a descrição da estrutura física do Portal, pois já o fizemos anteriormente, mas interessa-nos, sobretudo, evidenciar o poder de enunciação desse espaço formativo.

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As aulas analisadas estão disponíveis no Portal do Professor do MEC em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscarAulas.html

As edições do Jornal do Professor analisadas estão disponíveis no Portal do Professor do MEC em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/jornal.html

Os recursos multimídia analisados estão disponíveis no Portal do Professor do MEC em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/recursos.html

Nesse sentido, cabe esclarecer que os lugares de enunciação são instituições que reconhecem tantos os autores quanto os discursos produzidos por estes, sendo também o lugar em que se estabelecem as regras para pronunciação do discurso. Pode ser considerado também como o lugar em que se legitima, interdita e, de acordo com suas próprias regras, faz os discursos reaparecerem.

Assim, o lugar de onde os sujeitos enunciam a deficiência é o Portal do Professor do MEC9. Como expresso anteriormente, o referido espaço formativo foi criado em 2007, e vem sendo executado desde 2008, com o objetivo de fomentar a participação dos professores em comunidades educacionais, possibilitando a troca de experiências, ideias, o compartilhamento de conteúdos digitais e espaços de comunicação para que os docentes possam disseminar experiências educacionais das e nas diferentes regiões do Brasil.

Inicialmente, é preciso destacar que o referido espaço formativo, enquanto instituição destinada à capacitação docente, através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), recebe o seu estatuto de enunciador privilegiado no âmbito da educação, por estar intimamente vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Isso significa que as formas de narrar e representar a deficiência são potencializadas pela própria autoridade conferida a esse lugar institucional pelo Ministério da Educação (MEC), haja vista que, o espaço formativo do Portal recebe a colaboração direta desse órgão governamental.

O Ministério da Educação (MEC) como organismo vinculado ao Poder executivo, em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia e com a Universidade de Brasília (UNB) são os responsáveis pela construção técnica e por parte do acervo do Banco de dados do referido espaço formativo, atuando no sentido de coordenar uma série de ações para produção e catalogação dos recursos que abastecem o Portal.

Mas o poder de enunciação do Portal do Professor do MEC está relacionado também à materialidade discursiva produzida a respeito da deficiência e ao poder de circulação dos seus discursos. São exemplos dessa materialidade discursiva os recursos multimídias (vídeos, áudios, animações, simulações, imagens, outros); as notícias educacionais colocadas em circulação através do Jornal do professor; as

9 As informações apresentadas neste capítulo sobre o Portal do Professor do MEC estão disponíveis

sugestões de aulas através do Espaço da Aula; além da promoção de intercâmbio de conhecimentos e informações através de cursos, links e materiais de estudo;

Além disso, o uso das ferramentas interativas, como a sala de bate-papo e os fóruns, permite o contato de professores de todo o país, oportunizando a essa comunidade docente o compartilhamento de suas experiências educativas, a ajuda mútua e a participação em novos processos formativos. Os dados do Portal revelam que, atualmente, há cerca de 60.000 professores de diferentes níveis de ensino (educação infantil, educação básica, profissional e superior) inscritos para a interação nos fóruns e para produção de aulas, conferindo a esse organismo o estatuto de discurso negociado e compartilhado por diferentes sujeitos da área da educação.

Uma questão importante a salientar é a heterogeneidade dos parceiros encarregados de produzir a materialidade discursiva do referido espaço formativo, haja vista que os recursos utilizados no Portal são oriundos do Banco Internacional de Objetos Educacionais, produzidos e catalogados por meio de diversos programas como: TV Escola; Portal do Domínio Público; Programa Rived (MEC); Conteúdos digitais da chamada pública número 01/2007 (chamada publica MEC e MCT)15 que estão sendo produzidos nas áreas de física, química, matemática, biologia e língua portuguesa, do ensino médio, por 13 diferentes Instituições; conteúdos obtidos em acordos com instituições de ensino internacionais; além de conteúdos obtidos por equipes das universidades, por meio de pesquisa na internet ou de conhecimento pessoal e institucional, seguido de solicitação de autorização para uso.

A heterogeneidade dos parceiros encarregados de produzir a materialidade discursiva do Portal do Professor do MEC, como explicitado anteriormente, denuncia a complexidade da articulação discursiva desse espaço formativo. Essa complexidade evidencia-se também nas inúmeras contribuições advindas de parceiros múltiplos, tais como os das secretarias do Ministério da Educação (MEC), das Secretarias Estaduais e Municipais de educação, representadas pelos coordenadores de programas de TIC nas escolas, de multiplicadores dos Núcleos de Tecnologia Educacional - NTE11 e de professores isoladamente.

Nesse contexto, é importante registrar as formas de poder-saber na função enunciativa do Portal do Professor do MEC, uma vez que, como sujeito enunciador é conferido a esse espaço a legitimidade do saber intelectual ou do saber científico, pelas inúmeras parcerias estabelecidas com as Universidades públicas, por meio de

seus institutos, faculdades e colégios de aplicação. Sobre isso, os dados disponibilizados no Portal revelam que,

para alcançar os conteúdos pesquisados na internet, constituímos uma parceria com as universidades federais do Ceará, de São Carlos, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul, a Federal Fluminense, a UNB e a Unespe de Presidente Prudente com equipes capazes de localizar repositórios, sites e portais com materiais em qualquer parte do mundo, contemplando a avaliação do seu potencial pedagógico, identificando o tipo de mídia, catalogando esses objetos e, no caso de não ser de domínio público, solicitando as licenças de uso. No momento, são cerca de 300 alunos e professores de nossas universidades envolvidos no projeto. (Portal do Professor).

É interessante sublinhar que o Portal do Professor do MEC funciona também como produtor de um discurso que acolhe proposições educativas no âmbito internacional, tendo em vista que, o referido espaço virtual estabelece parcerias com várias universidades de diferentes lugares do mundo. De acordo com o Portal, vários dos seus conteúdos são obtidos por meio de

acordos de colaboração entre instituições como as Universidades do Colorado, Califórnia e Utah (USA), Universidade de Alicante (Espanha), Instituto de Tecnologia da Califórnia (USA), Skoool (Irlanda), Howard Hughes Medical Institute (USA), IOP - Institute of Physics (Inglaterra), NASA, Universidade de Hong Kong, dentre tantos outros;(Portal do Professor)

Além das parcerias com universidades nacionais e internacionais, o Portal recebe também a colaboração de organismos financeiros internacionais como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura), e de algumas instituições privadas e públicas como ―Fundação Telefônica (Educarede), Bradesco, Vivo, Oi Futuro, Claro, OEI, Cezar, Instituto Algar e empresas como Intel, Corel, Cisco, Adobe, Microsoft; Agência Espacial Brasileira, Embrapa‖. (PORTAL DO PROFESSOR DO MEC, 2010).

O comprometimento ou a articulação do Portal com esse conjunto de forças discursivas, advindas de lugares heterogêneos, demonstra que os discursos sobre a deficiência, que circulam nesse espaço formativo, estão abertos a diferentes autorias e a afiliações diversas. Tal constatação direciona-nos a evidenciar o status dos sujeitos autorizados a narrar a deficiência no referido espaço formativo, colocando

em evidência os sujeitos em sua função autor. Cabe esclarecer que, para Foucault (2013), o autor não é entendido como um indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um texto, nem funciona como um nome próprio, mas o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de coerência.

Assim, no Jornal do Professor, nas aulas do Espaço da aula e nos vídeos que integram os Conteúdos multimídias, a deficiência foi narrada por docentes com formação em diferentes áreas; por profissionais que atuam na escola, como diretores e coordenadores pedagógicos; por profissionais ligados à gerência da Educação Especial, além de especialistas, como fonoaudiólogos, psicopedagogos, fisioterapeutas e médicos.

Indubitavelmente, o discurso do médico, do fisioterapeuta e de outros profissionais da área da saúde, produz significados sobre a deficiência, assumindo um valor de verdade, tendo em vista que, a hegemonia ou o poder do médico de narrar a deficiência, deve-se ao status conferido a esse sujeito no decorrer da própria história da deficiência.

É preciso considerar que, por muito tempo, foram os profissionais da área médica os sujeitos autorizados a explicar a deficiência, a fazer os diagnósticos e a fornecer os laudos que versavam sobre a capacidade ou incapacidade desses sujeitos. Sobre o status desse profissional, Foucault (1996) salienta que:

esse status dos médicos é, em geral, bastante singular em todas as formas de sociedade e de civilização: ele não é, quase nunca um personagem indiferenciado ou intercambiável. [....] sua existência como fala médica não são dissociáveis do personagem, definido por status, que tem o direito de articulá-lo, reivindicando para si o poder de conjurar o sofrimento e a morte. (p.57).

Além dos profissionais da área médica, observa-se também uma recorrência da figura dos Psicopedagogos e Psicólogos, sendo estes consultados a respeito de diversos aspectos relativos à vida e à aprendizagem das pessoas com deficiência. Ao indicarmos que o referente psicológico é um dos discursos que sustenta as propostas de formação do Portal do MEC, reforçamos a constatação, que vem se ampliando, nas análises contemporâneas de inspiração pós-estruturalista, de que o campo da Psicologia colonizou a Pedagogia, oferecendo-lhes a chancela de que precisavam para auto outorgar-se um status científico.

Para Bujes (2009, p.275), os saberes da área ―psi‖ têm se constituído como uma forma de inteligibilidade e um regime de enunciação mostrando que para se exercer a prática da pedagogia são necessários diagnósticos, formas de classificação, categorias e definições fornecidas pelos saberes teórico-práticos das ciências psicológicas. Sobre os saberes da área da psicologia, Ó (2003) nos diz que:

Apontando para as capacidades e aptidões, a saúde e as doenças, as virtudes e as perversões, a normalidade e as patologias do escolar, a Psicologia está na base, de facto, de todas as técnicas e dispositivos relativos à identidade e à conduta. ( p.9).

Mas não são apenas os profissionais da área médica e da área da Psicologia os sujeitos que narram a deficiência no Portal. Os professores, coordenadores pedagógicos e diretores, em sua função autor constituem-se como enunciadores privilegiados da deficiência, com competência técnica e poder de orientar a prática pedagógica dos docentes e produzir saberes sobre a deficiência. Em relação ao status do educador, Carvalho (2004), sublinha que o

Educador(a) detém um status que compreende: saberes específicos relativos ao domínio da educação (fundamentos sociofilosóficos e socioantropológicos da educação, psicologia da educação, didáctica geral e didácticas específicas; saberes sobre avaliação, saberes disciplinares, saberes acadêmicos, saberes da prática pedagógica) e não é demais dizer ao domínio de outros campos, fruto das intersecções do campo educacional com outros domínios do saber. (p.297).

Outrossim, além dos profissionais de diversas áreas, verificamos também a participação dos familiares narrando a deficiência, levando-nos a constatar que a instituição familiar, entre tantas outras, destaca-se como aquela que detém o poder de dizibilidade sobre os diversos aspectos da vida dessas pessoas. Aos familiares é outorgado o direito de narrar a existência, os problemas, as dificuldades e até mesmo a própria sexualidade dos sujeitos com deficiência, confirmando o seu poder consagrado historicamente.

Em contrapartida, é curioso constatar que, diante das diversas pessoas que discursam a respeito dos indivíduos com deficiência, observamos o fato de que esses sujeitos encontram-se quase sempre na posição de serem narrados pelos outros, fazendo com que, na maioria dos registros a voz deles seja silenciada.

Quando dizemos que a pessoa com deficiência tem um lugar de enunciação secundário nas materialidades analisadas, queremos esclarecer que suas enunciações muitas vezes não são reconhecidas, principalmente quando são enunciadas por pessoas surdas ou por pessoas com deficiência intelectual, levando- nos a depreender que os processos discursivos o silenciam enquanto sujeito e o fazem significar enquanto objeto.

No entanto, esse silenciamento ou a reduzida possibilidade de falar sobre suas vidas estão diretamente implicadas com as próprias relações de poder, que historicamente foram legitimando o poder de médicos, pais, professores, psicólogos de dar voz às pessoas com deficiência. Essa observação leva-nos a atentar para o que Foucault (1996) fala sobre as interdições ao discurso.

desde a alta Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não tendo verdade nem importância, não podendo testemunhar na justiça, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação. (p.10-11)

Isso nos faz considerar que, de forma similar aos ―loucos‖, a interdição às pessoas com deficiência também representa uma forma de poder silenciador, um poder cerceador das palavras. Sobre isso, Tomasini (1998) afirma que:

àqueles indivíduos marcados por uma distinção, efetivamente não é dada a palavra. Não lhes perguntamos o que querem ou não, o que precisam e o que realmente lhes interessa. Seu saber é desqualificado, considerado não competente ou insuficientemente elaborado: saber ingênuo, hierarquicamente inferior, abaixo do nível requerido de conhecimento e de cientificidade. (p.125).

Tais considerações mostram-nos que não há uma função unificante na produção da deficiência no espaço formativo do Portal, mas há uma luta pelo poder de dizer sobre esses sujeitos. Essa luta revela-se por meio dos vários campos de saber (medicina, psicologia, educação, dentre outros) envolvidos nesse processo, mediante a diversidade de sujeitos, com status diferenciados, vindos de lugares diversos, disputando a hegemonia de uma discursividade sobre a deficiência.

Essas constatações colocam-nos diante da necessidade de analisar o domínio de coexistência entre os enunciados, indicando que os discursos produzidos sobre a deficiência, no espaço formativo do Portal, conectam-se com

outros discursos. Fazemos isso, seguindo as orientações sugeridas por Foucault (2013), de que para proceder à análise dos enunciados, devemos complexificá-los no sentido de indagar a respeito de seus espaços colaterais.