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Ao longo do período estudado, especialmente, nos anos 2000, é fato que o Brasil avançou na estruturação de um Sistema de Integridade Nacional. Nos capítulos 2 e 3, apresentamos, mesmo que de forma sumária, inúmeras evidências dessa assertiva. Aqui, de forma geral, não podemos deixar de apontar a criação, estruturação e incremento de inúmeras instituições para a promoção da integridade e da articulação entre elas, por meio de normatizações diversas, tais como leis, decretos e portarias, e, ainda, a elaboração e execução de políticas de controle e prevenção da corrupção. Escusado dizer, no entanto, como também sobejamente demonstrado, que o fenômeno da corrupção continua a afetar a sociedade brasileira, causando mal-estar político e social quase que permanente no período pós-ditatorial.

Como já apontado, em última análise, o objetivo do Sistema de Integridade Nacional é transformar a equação da corrupção de algo de grande retorno e pequeno custo em algo de alto custo e baixo retorno. No entanto, esse não é, nem pode ser, um fim último de qualquer política de promoção da integridade e de combate à corrupção. Como destaca Corrêa (2011, p. 165):

A redução da corrupção não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para permitir maior avanço do governo em direção à eficácia, à justiça e a eficiência. De acordo com a Transparência Internacional, a integridade também não é um fim em si mesma, mas um caminho que leva ao provimento de serviços públicos à população.

O conceito de sistema nacional de integridade é uma tentativa de identificar mais claramente os elementos dos sistemas políticos voltados para garantir a integridade [...], o sistema de integridade representa o conjunto de elementos que fazem determinado sistema político funcionar segundo os valores e normas explicitados e evitar apropriações privadas informais. A abordagem é inovadora em relação a uma série de aspectos. Ela fornece um enfoque sistêmico sobre os elementos constitutivos da integridade. Essa é uma inovação importante, porque explora a ideia de que prevenção e controle são produto da interação entre várias instituições. [...]. Outro aspecto complementar a esse olhar sobre a integração é a não-limitação da abordagem a instituições públicas.

Assim, cumpre agora discutir e analisar como esse processo apontado se desenrola de forma concreta, no período em tela, nas instituições brasileiras e os avanços e dificuldades apontados pela bibliografia sobre o tema.

Um dos elementos-chave para a contenção da corrupção é o controle, esse pode ser tipificado em quatro modelos: administrativo, legislativo, de contas e judiciário. Os controles administrativos são aqueles classificados como internos, e os de contas e legislativos são os externos. Mesmo com a crescente estruturação e atuação dos órgãos de controle interno, esses ainda sofrem, apesar do importante papel que podem desempenhar, de inúmeras dificuldades (FONSECA; ANTUNES; SANCHES, 2002).

Como apontam Gomes e Araújo (2008, p. 565):

O controle abrange os vários processos nos quais a administração determina seus objetivos, delineia os planos para alcançá-los, organiza e supervisiona as operações necessárias para a implementação dos planos e desempenhos esperados. Controle significa conhecer a realidade, compará-la com o que deveria ser, tomar conhecimento rápido das divergências e suas origens e tomar medidas para sua correção. É a fiscalização exercida sobre as atividades de pessoas, órgãos, departamentos, ou sobre produtos para que tais atividades, ou produtos, não se desviem das normas preestabelecidas.

No âmbito público, o controle, além de zelar pelos princípios constitucionais da administração pública, se preocupa que esta “[...] obedeça aos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público” (GOMES; ARAÚJO, 2008, p. 565).

A Constituição de 1988 menciona o controle interno, exercido por sistemas próprios de cada poder, atuando de forma integrada, nos seus artigos 70 e 74, e o controle externo,

exercido pelos Tribunais de Contas (TCs)167, este, em tese de caráter mais técnico, e o

Poder Legislativo, que faz o controle político, nos artigos 31, e 70 a 75, responsabilizando-os pela fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (BRASIL, 2002, p. 27).

O controle interno, como evidente na denominação, é praticado pela própria instituição que realiza seus atos e a verificação, para checar se estão de acordo com a normatização que rege aquele órgão específico, e, em tese, antecede o controle externo, realizado pelos Tribunais de Contas e os Legislativos. Deve pautar-se, principalmente, pela ação preventiva. Sendo responsável por garantir a transparência, a legalidade, a publicidade e a interação participativa com os cidadãos (SPINELLI, 2008).

Experiências ainda muito limitadas de controle interno, em que pese o número crescente de estruturas administrativas, também são realizadas por meio das figuras do ouvidor- geral e do ombudsman168. Esses, na maioria dos casos, também, carecem de autonomia

e de capacidade decisória de propor e implantar alterações em procedimentos, processos ou estruturas administrativas em questão, além de, por óbvio, não terem poderes punitivos sobre servidores, eventualmente, envolvidos em malfeitos. Para procurar capacitar essas funções Oliveira, Gomes e Vismona (2002, p. 97) propõem que eles tenham:

[...] mandato de tipo imperativo, centrado na defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, seus informes teriam divulgação ampla e obrigatória, não só no interior das casas legislativas como também na sociedade civil (organizações não-governamentais, organizações de natureza sindical etc.).

Entre as dificuldades para a atuação dos órgãos de controle interno podemos destacar o emaranhado normativo sobre o tema; a falta de autonomia do setor, visto terem seus líderes nomeados pelos chefes de poderes ou órgãos; e, não menos importante, talvez como consequência dos pontos destacados anteriormente, a falta de reconhecimento

167 Toda a estrutura e funcionamento do Tribunal de Contas da União é regida pela Lei 8.443, de 16 de

julho de 1992, denominada de Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União (BRASIL, 1992b).

168 Nas sociedades nórdicas, criadoras da figura do Ombudsman, e mesmo em países de tradição inglesa,

esse é muitas vezes um controlador externo, no sentido de ser apontado pelo Parlamento e não pelo próprio poder que está sendo controlado. No caso brasileiro, essa diferença não existe, na maioria absoluta dos casos – em instituições públicas ou privadas – onde existe o ombudsman esse é nomeado pelo próprio órgão ou poder. A denominação corrente no Brasil, no entanto, é a de Ouvidor ou Ouvidor-geral.

público e político sobre a necessidade desse tipo de ação, resultando em escassa ou nenhuma preocupação com o seu desenvolvimento.

O controle externo, exercido pelo Tribunal de Contas169, que tem como escopo a

legalidade, a legitimidade e a economicidade, se dá no exercício de inúmeras funções, delas podemos destacar: fiscalização, consulta, informação, sanção, correção e normatização. A mais conhecida, no entanto é a de julgamento. Os tribunais de contas (TCs) são responsáveis por julgar a prestação de contas anual dos gestores públicos. Nos últimos anos tem havido um esforço dessas instituições de aproximar dos seus jurisdicionados, aquelas instituições que estão sob o crivo de análise dos TCs, com objetivos informativos, de orientação e instrução acerca dos elementos básicos de controle. No entanto, “[...]. A interação com a administração pública e o Legislativo é limitada” (SPECK; NAGEL, 2002, p. 231).

Entre os problemas enfrentados pelos Tribunais de Contas no Brasil, o cientista político Bruno Speck e o advogado José Nagel (SPECK; NAGEL, 2002, p. 245) apontam:

a) composição das instâncias decisórias do órgão; b) validade jurídica de suas decisões na esfera jurídica; c) interação com o Legislativo e o Executivo; d) desenvolvimento de políticas específicas para a detecção de corrupção; e e) qualificação da instituição como guardiã da moralidade no gerenciamento dos recursos públicos.

No que se refere à composição dos membros dos tribunais de contas, Speck (2008) destaca que essa é uma fonte constante de dificuldades. Os critérios para ser indicado e nomeado para o cargo de ministro (TCU) ou conselheiro (outros TCs) são formais e de difícil constatação, com exceção daqueles que vêm dos servidores concursados ou dos procuradores de contas, dois em cada tribunal de contas. Isso gera uma série de críticas à politização, partidarização ou acomodação de aliados dos membros do Executivo e do Legislativo, responsáveis por indicar a maioria dos membros. Como ele afirma (2008, p. 553),

As acusações têm duas direções: as decisões dos TCs estariam politicamente enviesadas (favorecendo ou prejudicando governos dependendo da orientação

169 Existem 34 tribunais de contas no país. O Tribunal de Contas da União (TCU), 27 tribunais de contas

dos estados e Distrito Federal, 4 tribunais de contas dos municípios (Bahia, Ceará, Goiás e Pará) e 2 tribunais de contas municipais (São Paulo e Rio de Janeiro). A Constituição de 1988 proibiu, no Art. 31, § 4º, a criação de novos tribunais de contas municipais (BRASIL, 11 jan. 2020d).

política) e as instituições seriam usadas para o clientelismo político (salários exorbitantes e cargos em comissão excessivos).

Duas outras questões que são fator de crítica aos Tribunais de Contas é a pequena quantidade de auditorias operacionais ou de impacto, realizando muitas auditorias meramente formais, também denominadas de auditorias “de papel”, e a sua baixa interlocução com os cidadãos e a sociedade civil (SPECK, 2008). Não por outra razão inúmeras entidades da sociedade civil brasileira, tais como o Instituto de Fiscalização e Controle (DF) e Transparência Capixaba (ES), têm, ao longo dos últimos anos, realizado campanhas para a abertura de indicação desses membros de forma mais ampla, sob a marca de Campanha Conselheiro Cidadão170. Com o intuito de estabelecer algum

controle sobre os Tribunais de Contas, existem propostas de criação de um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), nos mesmos moldes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), bem como de alteração dos critérios e formas de escolha dos membros dos TCs171, e de uma lei federal

visando disciplinar o processo de controle externo no país172.

Por fim, um problema grave dos TCs é a sua baixa capacidade de implementação de decisões. As multas aplicadas e a proibição de candidaturas para gestores condenados apresentam pequenas taxas de sucesso, pois boa parte dos que são penalizados recorrem à Justiça comum, onde tendem a conseguir efeitos suspensivos ou até mesmo a anulação das condenações (SPECK, 2008).

O Poder Legislativo, como já apontado, é o responsável pelo controle externo político, esse é feito com o auxílio dos Tribunais de Contas, por meio da solicitação de auditorias, ou diretamente por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), conforme delimitado pelo Art. 58 § 3º da Constituição Federal173. Para sua instalação, elas

demandam três requisitos. Um de natureza formal, a requisição de sua instalação com o apoio de um terço dos membros do Legislativo em questão, um segundo de característica

170 BRASIL (2013).

171 Vide Proposta de Emenda à Constituição nº 22 de 2017 (BRASIL, 2017).

172 Essa é proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON)

(ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL, 2017).

173 No âmbito municipal essas Comissões são denominadas de Comissões Especiais de Investigação

(CEIs) ou Comissões Legislativas de Inquérito (CLIs). No âmbito federal, quando são realizadas em conjunto pelas duas Casas congressuais são denominadas de Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito (CPMIs).

substancial, um fato determinado, e, por fim, um temporal, período determinado de investigação. Como destaca Filgueiras (2008c, p. 560):

As CPIs estão relacionadas a uma competência não típica do Legislativo, tendo como horizonte um procedimento policial administrativo que antecede ações penais. Por conseguinte, as CPIs estão na dimensão do Direito Penal, sendo uma das formas de inquérito, além do Inquérito Policial (IP) e do Inquérito Policial- Militar (IPM). No caso das CPIs, o Legislativo exerce a atividade investigativa, formula um relatório e apresenta denúncia ao Ministério Público, que dá prosseguimento à instrução penal, obedecidas as devidas regras processuais. Como a CPI faz com que o Poder Legislativo tenha equivalência com o Poder Judiciário, seu poder de diligência é equivalente ao da Polícia, podendo ele quebrar sigilos bancários, telefônicos [e de dados] e fiscais, requisitar informações sigilosas, ouvir testemunhas, colher depoimentos de investigados, efetuar prisões e ordenar buscas domiciliares.

Por conta de suas amplas capacidades investigativas, e um quórum relativamente baixo para sua instalação, a temática da corrupção, ou questões correlatas, têm sido predominantes como os seus assuntos, e, assim, as CPIs acabaram dominadas por um processo de espetacularização, atraindo a atenção da mídia e das redes sociais, com motivações político-eleitorais evidentes. A lógica do escândalo que predomina, termina por tornar ineficaz esse mecanismo, como destaca Filgueiras (2008c, p. 563):

A CPI, portanto, é um instrumento de controle da corrupção que tem sua eficácia contestada por misturar procedimentos administrativos e procedimentos políticos, não resultando, necessariamente, em maior responsabilidade do homem público em relação à res publica. A eficiência do instrumento da CPI está em ele ser, de fato, um instrumento administrativo, conduzido pelo Parlamento, no sentido de maior controle da administração pública. Caso contrário, dado o poder de cobertura da mídia, permanecerá como um teatro de horrores, onde importa não aquilo que seja de interesse público, mas os escândalos próprios às melhores novelas televisivas.

Assim, podemos verificar que, mesmo com os avanços legais e organizacionais observados no campo do controle da administração pública, temos, ainda, sérios problemas no que diz respeito ao funcionamento dessas instituições, na efetividade dos seus resultados e, talvez, principalmente, na interação com a sociedade de modo geral, e os cidadãos de modo específico, bem como na defesa eficaz e democrática do interesse público.

O sistema judicial – no que aqui nos interessa, o Poder Judiciário e o Ministério Público174

174 Em que pese ter começado no início de 2014 a Operação Lava Jato não é objeto de atenção desse

– é também parte importante num Sistema de Integridade Nacional.

Tendo a incumbência constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis estabelecida no artigo 127 da CF, o artigo 129 especifica as funções para que esse processo aconteça. Conforme colocado (BRASIL, 2002, p. 49):

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Dados esses dispositivos constitucionais, e considerando que a Constituição consagra em seu bojo uma quantidade significativa de direitos civis, políticos e sociais, é bastante fácil verificar que a o MP tem amplas funções a cumprir, entre as quais, dentro do nosso escopo de discussão, as atividades de controle, promoção da integridade e combate à corrupção. Entretanto, dada a sua estrutura monocrática, na qual não existe uma estrutura de mando e obediência, e sendo garantida, aos seus membros, independência funcional, a atuação do órgão não é, de modo algum, uniforme, havendo lugar considerável para a “vontade política” dos promotores e procuradores175. A partir de 30 de

dezembro 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, foi criado o Conselho Nacional do Ministério Público, composto por quatorze membros, responsável pelo controle administrativo e financeiro do MP e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros. Até então, não estava dada a esse importante órgão de controle uma maneira

estudiosos do tema, com certeza, merecerá estudos aprofundados na medida em que seu resultados se apresentem de forma mais duradoura e definitiva e questões ainda nebulosas sejam esclarecidas.

175 Nos diversos ramos do Ministério Público da União (Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e

Territórios) os membros são denominados procuradores da República, Procuradores Regionais da República ou Subprocuradores-gerais da República, já o chefe é denominado de Procurador-geral da República, já nos Ministérios Públicos estaduais os membros são denominados Promotor de Justiça e Procurador de Justiça e o chefe é denominado de Procurador-geral de Justiça.

de ser controlado externamente, restando, até então, somente a Corregedoria (SPECK, 2002).

Duas críticas principais são feitas ao MP. Uma primeira é a questão da vontade política, esse “[...] espaço para atuações que explorem as virtualidades contidas na legislação” (SADEK, 2008, p. 545), que permite um grau bastante amplo de discricionariedade para a atuação de seus membros, ampliada que é pela não responsabilização individual de suas atitudes funcionais. A outra questão é a influência do Poder Executivo na instituição, visto serem os presidentes da República e os governadores responsáveis pela indicação do chefe da instituição176. Existem, ainda, críticas a parcimoniosa interação do órgão com os

cidadãos e as organizações da sociedade civil e, ainda, a de que, dada as suas inúmeras e amplas atribuições, combinadas com um discurso de desvalorização da política, a atuação do MP acaba por desmobilizar a luta dos cidadãos e de suas entidades associativas, voltaremos à questão adiante.

Mais do que o MP, dada a sua capacidade decisória finalística, o Poder Judiciário é considerado, por muitos, instituição fundamental num Sistema de Integridade. Para que isso efetivamente aconteça existem sugestões para garantir:

[...] a autonomia, a integridade e a eficácia dos Judiciários em todo o mundo. A autonomia seria assegurada através de uma série de medidas que garantiriam a independência dos juízes – e promotores – em relação às outras instituições, aos agentes políticos e econômicos, ou seja às pressões do mundo político e do mercado, para a tomada de decisões. A integridade seria o resultado de um compromisso real dos juízes com o Direito, ou do contrário o Judiciário poderia tornar-se uma poderosa e autônoma instituição corrompida e corruptora. A eficácia seria garantida pela desburocratização dos processos, pela rapidez na decisão, pela transparência do funcionamento geral do Judiciário, pela abertura e porosidade às demandas da sociedade, resultando na disseminação de uma cultura de respeito à lei. A suposição esperançosa é a de que a rede de Judiciários organizada por estes três princípios não apenas reduziria localmente os níveis crescentes de corrupção, como viabilizaria a reconstituição de um direito internacional mais atento a uma realidade global em modificação permanente. [...]. O mais provável é, no entanto, um cenário menos róseo [...] (BARBOZA FILHO, 2008, p. 537-538).

176 Durante os governos de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Vana Rousseff os indicados para a chefia do

órgão eram sempre os mais votados na lista tríplice organizada pelos membros do MPU com base em votação corporativa, o presidente Michel Temer (2016 – 2018) indicou a segunda mais votada, já o presidente Jair Messias Bolsonaro (2019 – 2022) indicou um membro de fora da lista tríplice. Na verdade o indicado nem participou do processo eleitoral da categoria. Nos estados também ocorrem eleições para a lista tríplice, as soluções são variadas e não cabe aqui um balanço do respeito ou não das escolhas dos membros por parte dos governadores.

Entre os problemas enfrentados pelo Poder Judiciário, que prejudicam, não só o combate à corrupção, mas a promoção da Justiça de forma geral, podemos destacar: a morosidade, causada pelo elevado número de processos que entram anualmente nas Cortes, mas também por falta de pessoal, pela organização e administração das suas estruturas, bem como por normas processuais; outra questão são denúncias de corrupção e nepotismo no Poder, o que além de prejudicar o seu funcionamento, corrói a sua legitimidade; Por fim, em que pese a criação do CNJ, o Judiciário ainda apresenta “[...] falta de controle e transparência. Isso abrange o controle disciplinar interno, mas também o controle externo, pela publicidade e transparência dos julgamentos” (SPECK, 2002).

Numa crítica mais ampla, de caráter filosófico e político, que abrange o sistema judicial, portanto, tanto o Poder Judiciário quanto o Ministério Público, Filgueiras (2008a, p. 193- 194) destaca que:

Sujeito ao escândalo e sem capacidade de exercer o papel de proferir o interesse público, o campo jurídico terminou por se tornar ineficiente para controlar a corrupção. Em função dos discursos assertóricos emitidos pela mídia, da instrumentalização gradativa do Direito pela política e do comportamento dos magistrados, a competência para enunciar a verdade factual ficou comprometida, porquanto o discurso assertórico da corrupção (re)oculta seu verdadeiro alcance.