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2.4 CORRUPÇÃO: CAUSAS, CONSEQUÊNCIAS E MECANISMOS DE

2.4.2 Mecanismos de controle

2.4.2.1 Tipologia do controle da corrupção

Os administradores e servidores do Tribunal de Contas da União, Marcelo Barros Gomes e Ricardo de Melo Araújo (2008), destacam que o controle pode incluir os mais variados processos pelos quais são determinados os objetivos de uma organização, os meios para atingi-los e o detalhamento das atividades necessárias para se cumprir com o estabelecido. Controlar é fiscalizar as tarefas e atividades que as pessoas e as instituições realizam, buscando conhecer o que está sendo feito e, ao comparar com o que se almeja, tomar as medidas corretivas para que o objetivo seja alcançado.

Os autores prosseguem apontando para o significado de controle no âmbito governamental. Esse deve pautar-se pelo respeito às normas legais, bem como preocupar-se com a primazia do interesse público sobre o privado, buscando que o governo não se afaste do primeiro. Segundo Gomes e Araújo (2008, p. 566), “O controle da administração pública pode ser interno, se exercido por órgão do próprio poder controlado, ou externo, quando exercido por órgão vinculado a poder diverso do poder controlado”.

O pesquisador Mário Spinelli (2008, p. 575) amplia a definição de controle interno, apontando que o mesmo, para ser efetivo, deve seguir uma série de procedimentos. Segundo ele,

Por controle interno se entende o conjunto de ações, métodos, procedimentos e rotinas que uma organização exerce sobre seus próprios atos, a fim de preservar a integridade de seu patrimônio e de examinar a compatibilidade entre as operações desenvolvidas, os parâmetros preestabelecidos e os princípios pactuados. Seu objetivo é reduzir a vulnerabilidade da organização aos riscos existentes, buscando identificar e corrigir eventuais desvios em relação a parâmetros e diretrizes previamente estabelecidas. [...] deve pautar a sua atuação pela verificação da eficiência, da eficácia, da efetividade e da economicidade dos atos praticados, pela análise da exatidão dos registros, pelo exame do cumprimento das normas, estatutos e regimentos e pela avaliação do cumprimento das metas e dos objetivos da organização.

Essa tipificação dos mecanismos de controle, em interno e externo, está sustentada dentro dos princípios da moderna administração pública, dentro do suposto de que os sistemas burocráticos devem possuir instrumentos que não permitam a ocorrência de ilegalidades e/ou imoralidades, entre as quais a corrupção.

Conforme aponta o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2003), esses mecanismos de controle, que buscam evitar a ilegalidade, são instrumentos chave para a garantia do interesse público sobre o privado, preservando-se, as instituições e os cidadãos, do abuso de autoridade dos agentes públicos. A base para isso, por óbvio, é a legislação existente em cada sociedade em um dado momento, mas ela apresenta a pretensão de que o interesse público seja, necessariamente, representado pelas normas em vigor. Um outro mecanismo de controle da corrupção – conforme já apontamos anteriormente – é o da redução do poder de regulação e da presença do Estado nos assuntos econômicos, conforme apresenta a visão liberal.

Essas duas visões sobre o controle da corrupção sofrem, no entanto, de um problema. Conforme afirmam Avritzer e Filgueiras (2011b, p. 15), “Ambas as abordagens do controle da corrupção (controles administrativos e desregulamentação) carecem, portanto, de um sentido mais amplo da ideia de público, partindo da premissa, [...], de que a corrupção é um fenômeno polissêmico e necessariamente político”.

Argumentando que em sistemas democráticos a atividade de controle é parte central da democracia, Pettit (2008) analisa três modelos de controle popular sobre os governos e destaca que somente um é realmente adequado à teoria democrática. No primeiro, segundo ele, o povo tem uma influência ocasional sobre o governo; no segundo, as pessoas exercem um direcionamento ostensivo sobre o governo; no terceiro modelo, os cidadãos desfrutam um grau intermediário de poder. “Eu descrevo isso como um controle

institucional sobre o governo”99 (PETTIT, 2008, p. 46, tradução nossa)

Para Pettit (2008), o primeiro modelo não é adequado, pois não se encaixa no ideal democrático, e o segundo não é apropriado por ser muito exigente, com os governos e as pessoas. Assim, para ele, só o modelo de controle institucional é compatível com a democracia. Ele ainda subdivide o modelo em um primeiro que denomina de modelo de mercado e noutro que intitula de modelo de condomínio, o qual ele enxerga de maneira mais favorável. Ao descrever, sumariamente, essa subdivisão ele destaca que (2008, p. 49, tradução nossa):

A primeira versão afirma que as coisas podem ser projetadas para que as políticas governamentais maximizem a satisfação das preferências privadas das pessoas, numa analogia com o mercado competitivo; na segunda que as coisas podem ser organizadas para que as políticas governamentais reconheçam as restrições impostas por razões aceitas publicamente, como numa organização como o condomínio100.

Claro está que Pettit (2008) trabalha com a ideia do filósofo Jurgen Habermas (2002) de esfera pública, que é, grosso modo, o espaço dos assuntos públicos, dos temas coletivos, das políticas governamentais. Esse conceito, portanto, é a base de um mecanismo republicano de controle, que vai além dos, já mencionados, controles administrativos- legais-burocráticos e dos controles de mercado.

É dentro dessa lógica que adotamos a tipologia proposta por Avritzer e Filgueiras (2011b, p. 16). Segundo eles,

O controle democrático da corrupção, [...], deve estar balizado em uma concepção tridimensional e integrada, de acordo com um ideal político de interesse público. Se o problema do controle da corrupção é associar um ideal político de interesse público, propomos uma tipologia assentada nos seguintes tipos: i) controle administrativo-burocrático; ii) controle judicial; e iii) controle público não estatal. Nas ordens democráticas, o controle da corrupção deve ser exercido na integração dessas três dinâmicas, conforme uma concepção mais ampla de accountability. A não integração dessas três formas de controle da corrupção desencadeia/proporciona um processo crescente de deslegitimação política.

É importante, nesse momento, mesmo que brevemente, descrever as características, 99 “I describe this as institutional control over government” (PETTIT, 2008, p. 46).

100 “The first version holds that things can be designed so that government policy maximizes the

satisfaction of people’s private preferences, in an analogue of the competitive market; the second that things can be organized so that government policy tracks the constraints imposed by publicly accepted reasons, as in an organization like a condominium” (PETTIT, 2008, p. 49).

conforme apresentadas por Avritzer e Filgueiras (2011b), de cada um desses três tipos de controle.

O controle administrativo-burocrático da corrupção é aquele realizado por organismos capacitados e legalmente habilitados para tal fim. Segundo Avritzer e Filgueiras (2011b, p. 16-17), sendo realizado por meio de “processos de auditorias, controles de contas, correição, averiguação de cumprimento dos deveres funcionais e resultados de políticas e decisões de governo”.

Entre as instituições que fazem parte do controle administrativo-burocrático estão os tribunais de contas, as controladorias internas e os mecanismos de auditorias independentes. Aqui, como já destacado anteriormente, deve-se cuidar para evitar um agigantamento das estruturas de controle, buscando compatibilizar a realização das atividades desses organismos com a necessária capacidade de ação governamental na realização das políticas públicas (AVRITZER; FILGUEIRAS, 2011b).

O segundo tipo de controle é o judicial, exercido, como evidente, pelo Poder Judiciário dentro da legislação e da jurisprudência de cada sociedade. Conforme apontam Avritzer e Filgueiras (2011b, p. 18), no âmbito do controle judicial, existem dois modelos “[...] de controle que se integram no corpo da legalidade posta pelo Estado. O controle da corrupção é exercido pelo Judiciário na esfera cível, de acordo com o direito administrativo, e na esfera criminal, de acordo com o direito penal”. Destaque-se que este sobrepõe-se ao controle administrativo-burocrático, constituindo-se, desde a sua primeira instância como uma possibilidade de recurso às decisões tomadas no âmbito das agências administrativas de controle (AVRITZER; FILGUEIRAS, 2011b). Por certo, como temos experienciado em nosso país, também esse controle sofre restrições e questionamentos, no que se refere à legitimidade e à legalidade de suas decisões. Ademais, como é importante frisar, a lei não é algo que tenha legitimidade externa às definições políticas de uma sociedade. Definir o âmbito possível de controle a ser exercido pela Justiça é uma questão em aberto em nosso país.

O terceiro tipo de controle da corrupção, aquele mais vinculado ao ideário republicano, é o chamado controle público não estatal. É aquele exercido pela sociedade civil por meio do debate público, sustentado pelas práticas democráticas e assentado na discussão do

interesse público e amparado pela legitimidade da democracia (AVRITZER; FILGUEIRAS, 2011b).

Portanto, para que os mecanismos de controle sejam efetivos, nessa concepção, é de fundamental importância que, para além de seus mecanismos administrativos e jurídicos, exista também o componente da participação dos cidadãos nesse processo.