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Os episódios selecionados, os dados coletados nas observações e gravações em sala de aula constituem o material de análise para ob- tenção dos resultados. Neste tópico, apresentaremos alguns trechos de um dos episódios analisados, os quais são relevantes para os re- sultados desta pesquisa e cujos assuntos referem-se aos conteúdos de magnetismo e eletromagnetismo.

Os episódios apresentam três padrões de interação que foram verificados durante as aulas: não interativo (o professor é a única voz), I-R-A (iniciação/pergunta do professor, resposta do aluno, avaliação do professor) e a interação a partir das perguntas dos es- tudantes para o professor.

Pelas gravações, foi possível verificar que não acontecem inte- rações maiores entre professor e aluno. Além disso, em nenhum momento, durante as gravações, ocorreram interações não triádicas do tipo I-R-P-R-F (iniciação pelo professor, resposta do aluno, P significa que o professor permitiu que o aluno prosseguisse em sua fala, R é a nova resposta/fala do aluno e F um feedback dado pelo professor).

Ao chegar à sala de aula, o professor sempre cumprimenta os alunos, pede que eles se sentem, faz a chamada e então dá início ao conteúdo do dia. A seguir, apresentamos alguns trechos para análise.

Introdução ao magnetismo

Professor – Essa é a última aula de eletrodinâmica, estudo das

dades magnéticas. Então, um dos efeitos da corrente elétrica, da carga elétrica em movimento é o magnetismo. A gente viu o efeito Joule que é a transformação de energia elétrica em calor, isso acon- tecia nos resistores. Agora vamos ver o efeito magnético: a passagem de corrente elétrica num fio pode gerar um campo magnético. Mas como começa o magnetismo? Aí vocês estão vendo, aparecem al- gumas ilustrações. Na primeira figura vocês têm um ímã em forma de barra e pó de ferro, limalhas de ferro. Existe aqui a terra e uma bússola. O ímã cilíndrico, ímã de alto falante, ímã em forma de U. Continuando, a história começa na Grécia. Numa região, da antiga Grécia, chamada Magnésia, havia uma pedra, uma rocha, que tinha a propriedade de atrair alguns metais. Então vamos imaginar naquele tempo como descobriram. Imagina um pastorzinho de ovelhas.

Aluno – Que tipo de pastor?

Professor – Lembra aquele pastor que esfregou o âmbar, que

eletrizou o âmbar? Aquele pastor tava lá outro dia, é o mesmo pastor, chamava Magnes. O Magnes morava na Magnésia, desco- briu essa rocha, mas como ele descobriu? Imagina assim, ele tava com aquela sandália que tinha uns preguinhos. Ele tinha uns me- tais no casaco, pra espantar os bichos que apareciam querendo comer as ovelhas. Ele estava lá encostado na pedra, começa a andar e o casaco é puxado pela pedra, o cara achou interessante, e per- cebeu que também puxava as sandálias. Aí um problema, porque ele não sabia o que era, chamou aquela rocha de magnetita. O nome magnetita vem dessa região chamada Magnésia. Então a magnetita tem a propriedade de atrair alguns metais, não são todos os metais que são atraídos. A magnetita é um ímã natural que atrai ferro, que atrai níquel, que atrai cobalto. Ferro, níquel e cobalto. O aço, que é uma liga de ferro e carbono, atrai aquela resistência do chuveiro que é de níquel-cromo, uma liga de níquel com cromo. Atraía al- gumas moedas de níquel. São atraídas por ímã. Não são atraídos por ímã: alumínio e cobre. Então, a atração em relação a esses outros metais é desprezível. Existe uma atração, mas não é percep- tível. Aí, os gregos, empolgados com esse material magnetita, brin-

cando, começaram a descobrir algumas propriedades. Umas das propriedades é que essa atração era mais forte nas extremidades do ímã, nas extremidades da rocha. Então as rochas atraíam com mais intensidade nas extremidades. Essas extremidades receberam o nome de polos.

Nesse primeiro trecho, podemos perceber que o professor inicia sua aula pelo desenvolvimento histórico do surgimento dos con- ceitos e ideias sobre o magnetismo. Nessa parte, o professor é prati- camente a única voz na sala de aula, ou seja, os alunos não interagem com o professor.

Professor – O que alteraria o campo magnético da Terra é se ela gi-

rasse em sentido contrário? Como a Terra nunca mudou sua ro- tação, só que cientistas mediram e viram que o campo magnético da Terra sofreu variações. Que acontece? Eles começaram a pes- quisar em rochas, nos Estados Unidos, rochas de várias idades. E as rochas conservam o campo magnético da época. Então eles ma- pearam o campo magnético, e o campo magnético da terra sofreu grandes variações. E como a Terra não mudou o sentido de giro, não girou leste-oeste, descarta essa teoria. A teoria mais aceita é de que o campo magnético da Terra tem origem no núcleo. Bom, o que seria?

Aluno – Nos polos o campo magnético é maior devido ao acha-

tamento?

Professor – A gravidade, a gravidade é maior nos polos. O

campo magnético, assim, se concentra logicamente nos polos. Mas não devido ao achatamento. Se a Terra fosse uma esfera perfeita, mesmo assim os polos teriam maior atração, é... atração magnética. Agora a atração gravitacional é maior porque os polos estão dis- tantes do centro de gravidade. Bom, como é que funciona essa his- tória? O que é que tem no centro da Terra? Níquel e ferro, muito ferro. Opa, os metais são atraídos. A temperatura é tão alta, tão alta que os metais já perderam seus elétrons. Então ali fica uma movi- mentação, lembram das correntes de convecção? Que está gerando

um campo magnético. Essas cargas se movendo lá dentro é que dão origem ao campo magnético.

Nesse trecho, é possível perceber que quando o aluno faz al- guma pergunta, ela é seguida de resposta rápida que não dá conti- nuidade ao diálogo entre professor e aluno. O professor responde à pergunta, e continua o conteúdo, sem dar um feedback ao aluno para que este aprofunde seu conhecimento, reelabore suas ideias.

O professor utiliza um discurso de conteúdo, preocupado com as questões conceituais, com uma mistura de gêneros, ora primá- rios, ora secundários. É necessário compreender que o gênero se- cundário está presente na maior parte das falas, dado que ele é imprescindível ao conteúdo de Física, que exige maior abstração dos alunos. O episódio foi constituído em grande parte por discus- sões, explicações e generalizações, sendo a maior parte caracterizada como teóricas e em alguns momentos empíricas. Os momentos con- siderados empíricos são aqueles em que o professor mostra aos alunos o ímã, as propriedades de atração e repulsão, e a bússola. O profissional também utilizou referenciais que não eram observá- veis no momento, mas podiam ser formulados por meio do discurso teórico e a partir daí imaginados pelos alunos.

A abordagem comunicativa é do grupo interativo/de autori- dade. Nesse episódio, não aconteceram interações mais especí- ficas, em que os alunos pudessem reelaborar suas falas e mostrar a construção de conhecimento sobre o tema. As poucas interações traziam apenas perguntas e respostas prontas. Em outros casos, ocorreu o tipo de interação que chamamos de “pergunta do aluno”, quando surgem dúvidas e os alunos interrogam o professor sobre as mesmas.

As formas de intervenção do professor (ações do professor) ti- nham como foco trabalhar significados no desenvolvimento da es- tória científica. Logo, seu interesse era de apresentar o conteúdo. No episódio, ele recorre a um tom de voz particular para realçar certas partes do enunciado. A partir das gravações, verificamos que altera sua maneira de explanar o conteúdo de forma a enfatizar

certas partes, fato que fica evidente quando afirma que “polos iguais se repelem e diferentes se atraem”.

São introduzidos no plano social da sala de aula os seguintes as- suntos: o que é um ímã, as propriedades da atração e repulsão, por que atrai alguns metais e outros não. Essas ideias são apresentadas pelo professor de maneira não interativa/de autoridade, já que os alunos permanecem ouvindo, sem dialogar com o professor.

O docente não aproveita em sua aula as ideias dos alunos sobre o conteúdo estudado. Os jovens pouco/nada interagem com o pro- fessor. Mesmo assim, essa troca restrita é considerada uma aula in- terativa/de autoridade, pelos raros momentos em que aconteceu alguma interação.

No episódio em análise, o professor tem claramente a intenção de levar os alunos a conhecer o que é magnetismo, como foi desco- berto e algumas de suas propriedades. É observável o esforço do professor para que os alunos se familiarizem com o tema e o com- preendam de forma clara. Porém, ele não utiliza as interações ver- bais entre ele e os alunos para descobrir o que estes já sabem sobre o tema, ou para analisar se estão aprendendo o conteúdo. Nos poucos momentos em que acontecem as interações, elas são curtas, não dando tempo para os alunos refletirem sobre o que era dito. Embora de natureza interativa, o discurso é controlado pelo pro- fessor, ou seja, é uma interação/discurso de autoridade. Portanto, não permite uma apropriação livre das palavras pelos alunos, já que o professor não lhes deu uma abertura para a interação e discussão sobre o tema.

A atuação do professor observada na pesquisa vem ao encontro dos estudos de Aguiar Jr. (2010), o qual propõe esta avaliação:

[...] os professores têm grande dificuldade em desenvolver o dis- curso dialógico, o que se verifica no fechamento de sentidos e na participação limitada dos estudantes na construção de sentidos em sala de aula. Essa abertura é fundamental quando se considera a necessidade em fazer a ciência dialogar com a cultura, conceitos e contextos trazidos pelos estudantes. (p.255)

Considerações finais

O professor, em seu discurso em sala de aula, traz aos alunos muitas informações relevantes à aprendizagem de Física. O do- cente apresenta um consistente conhecimento científico. Porém, ele pouco/nada explora dos conhecimentos prévios dos alunos, e não busca conhecer o processo de construção de conhecimento dos estudantes durante as aulas.

Na prática, ele questiona os alunos, mas suas perguntas engen- dram respostas prontas e já esperadas por ele. Além disso, a maioria das interações que ocorreu, durante as aulas era iniciada pelos estu- dantes e não pelo docente. As interações verbais verificadas corres- pondem à tríade I-R-A (pergunta do professor, resposta do aluno, confirmação ou correção da resposta pelo professor) ou a perguntas breves feitas pelos estudantes e respondidas pelo professor.

Não foram constatadas interações longas entre professor e alunos. Sendo assim, não é “explorada a visão dos estudantes”, nem foi dado suporte ao processo de internalização, como reco- mendam Mortimer & Scott (2002). As análises permitiram veri- ficar que o professor não dá sequência às interações verbais com os alunos, para que elas gerem uma reelaboração de significados e produção de conhecimentos pelos mesmos.

Apesar do esforço do professor em preparar e conduzir as suas aulas, constatamos muitas fragilidades no seu trabalho docente. Acreditamos que a realidade que observamos seja representativa de um universo maior, o que aponta ser necessário repensar o en- sino de Física nas escolas, com propósito de realizar intervenções que qualifiquem o processo de ensinar e aprender. É importante favorecer a participação dos alunos nas atividades escolares, esta- belecer interações discursivas produtivas com a participação dos estudantes (Aguiar Jr., 2010), considerar os diferentes pontos de vista, compartilhar e negociar os significados.

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EDUCAÇÃO FÍSICA: