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Ao pensarmos num modelo escolar que contribua para que os seres humanos construam relações menos autoritárias e, como re- sultado, sejam capazes de gerar reflexões de como é importante o respeito para com o outro, percebemos a escola como parte inte- grante de um todo social. Além disso, tudo que se passa no seu in-

3. Por mais que tenhamos destacado o espaço escolar como um dos ambientes propícios ao desvelamento de situações de bullying, não estamos negando sua incidência em outros lugares, para além dos muros escolares.

terior tem relações diretas com o modelo social no qual estamos inseridos. Assim, os professores e gestores demarcam, em suas ações e crenças, intenções e objetivos que expressam o mundo em que vivemos.

Nesse sentido, é importante refletirmos sobre os aspectos que ocasionam situações de bullying e de intolerância ao outro, expressa- mente marcados pelo não respeito às diferenças e pela prática do pre- conceito. Ainda, conforme Oliveira & Votre (2006), o modelo que visa a uma sociedade mais igualitária tem que congregar a ideia de que todos têm direitos, independente de gênero, força ou habilidades físicas, classe social, orientação sexual, etnia, idade ou religião.

Posto isso, as escolas se tornam ambientes importantíssimos para a superação dos preconceitos instalados ou na desconstrução de valores que, aparentemente, ganham uma conotação homo- gênea perante a sociedade. Assim, os professores passam a ser vistos como os mediadores desse processo de conhecimento, em contato com o contexto local no qual estão inseridos e onde sua prática ganha destaque. Quando nos referimos às escolas, não es- tamos dizendo que sejam apenas elas que propõem modelos de for- mação para a educação básica, compreendida nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio, mas sim em todos os níveis, inclu- sive a formação de professores.

De acordo com Santos (2005), o conhecimento que nos oferece condições para lutar contra a desigualdade, o ódio e o preconceito é aquele que permeia a nossa própria experiência como indivíduos, visto que a transformação mais profunda ocorre quando nós mes- mos mudamos, antes de nos voltarmos ao nosso redor:

Preconceito não é algo que se diga no plural nem na segunda ou ter- ceira pessoa (tu, ele). Para discutir preconceito, é preciso ter co- ragem para nomear, falar em primeira pessoa do singular (eu) e investigar, a partir daí, como esse singular é generalizado e plurali- zado. Caso contrário, penso que estaremos continuamente negando fora aquilo que negamos dentro de nós mesmos e refazendo as per- guntas que os renascentistas, os medievais e os gregos antigos fi-

zeram em relação aos povos diferentes, a cada época. Mas agora fazendo as mesmas perguntas, usando outros nomes. (p.66-7) Seria muito importante olharmos para os casos de bullying como reflexos de relações preconceituosas não apenas por parte daqueles que perseguem e intimidam seus companheiros de escola, mas de uma sociedade que pode suscitá-las também. O preconceito repre- senta, assim, a não aceitação das especificidades dos sujeitos que fogem aos padrões homogêneos de convívio social. Por sua vez, aqueles que sofrem de forma constante os reflexos do preconceito também estão sendo vítimas de bullying.

Silva (2005) acrescenta que um jeito de lidar com o preconceito é permitir que se fale dele e sobre ele, visto que dificilmente o per- cebemos em nós mesmos. Ele pondera que a educação precisa de- senvolver nos seus protagonistas a sensibilidade e a alteridade, sendo que os valores da lógica de nossa cultura ficam relegados aos interesses da produção, o que conduz à construção de sujeitos mais frios e apáticos para com o outro. Portanto, a escola contribui para a construção de conhecimentos, mas também dos sujeitos que a frequentam ao instituir modos de ser, pensar, sentir e agir.

Crochik (1997, p.12) ressalta que “as ideias sobre o objeto do preconceito não surgem do nada, mas da própria cultura” na qual estamos inseridos. Daí que ganha relevância a ideia de salas hetero- gêneas, de conteúdos que sejam abordados para além da competiti- vidade, ao enfatizar a solidariedade, a não classificação dos sujeitos por aptidão física, bem como uma educação que encare a subjetivi- dade como uma forma de combate ao preconceito (Crochik, 1997). A partir desse aspecto, ganha relevância a necessidade de os educadores repensarem sua prática pedagógica, a fim de percebe- rem que suas ações são frutos de decisões políticas e transformado- ras da sociedade (Munarin, 2007). Contudo, devemos ter cui dado de não atribuir ao professor todas as responsabilidades da supera- ção da violência escolar, que, por sua vez, é mais ampla e social. Nessa perspectiva, entendemos que as escolas por si só não resolve- rão todos os problemas. Por outro lado, poderão cumprir papel sig-

nificativo no enfrentamento e intervenção das situações de bullying à medida que conseguirem atuar numa perspectiva mais inclusiva, voltada para o aperfeiçoamento das relações interpessoais.

Antunes & Zuin (2008) chamam nossa atenção para o fato de que, muitas vezes, há uma preocupação excessiva em como adaptar os indivíduos para sobreviver e conviver com o próximo, em rela- ções que vão sendo naturalizadas no imaginário social. Nesse senti- do, acabam esquecendo-se de dedicar um olhar à raiz do pro blema, que está nas mediações sociais que o determinam:

Mas deve ficar claro que olhar para essa violência e estudar esses fatos requer uma análise não cristalizada que envolva sim sua pro- blematização, ou seja, a análise dialética entre indivíduo e socie- dade, sem deixar-se seduzir pelo falso controle sugerido pelo culto da sistematização pura e simples. Sem dúvida, é um desafio, mas um desafio necessário de ser enfrentado se de fato o objetivo não é a manutenção do sistema, mas sim a real emancipação dos homens e da sociedade. (Antunes & Zuin, 2008, p.36)

Para Munarin (2007), a existência das situações de violência nas relações interpessoais deve ser vista como algo construído e natura- lizado pela sociedade. Por conseguinte, devemos considerar o pro- cesso de subjetividade não como algo inato, mas como fruto de fatores sociais, culturais, econômicos e políticos.

Nessa perspectiva, a educação passa a ser olhada de outra forma: as crianças, adolescentes e demais pessoas que estão em seu interior são percebidos como sujeitos que vão construindo valores, re pre- sentações e práticas num processo dinâmico de interação sociocul- tural. Diante disso, ao surgirem os conflitos entre escolares, não devemos transferir a culpa para determinadas atitudes de certos sujeitos que são excluídos por seus pares, contudo, cabe-nos per- ceber as influências contextuais que favorecem formas de violência e, por que não dizer, de reprodução de injustiças sociais vividas pelos sujeitos nos contextos sociais mais amplos.

Sawaia (2002) enfatiza que transferir a culpa de determinadas atitudes para um indivíduo é algo muito forte no modelo capitalista

de sociedade contemporânea. Por sua vez, o estigmatizado repre- senta um claro reflexo do processo de qualificação e desqualifica ção dos indivíduos na lógica da exclusão social.

Ainda de acordo com Antunes & Zuin (2008), a educação car- rega os momentos repressivos da cultura, como a divisão entre o trabalho físico e o intelectual e o princípio da competição, contrário a uma educação humanizadora, o que reforça as relações estabe- lecidas para além dos muros escolares. Sendo assim, não podemos ficar acreditando que tentar se ajustar ao estabelecido vá produzir grandes mudanças, que isso não ocorrerá.

Então, ao voltarmos nossas atenções para as relações instau- radas pelo bullying, emerge a necessidade de refletir sobre a lógica social em que estamos imersos, bem como de identificar as nuances das diversas desigualdades instauradas ao longo da história. E, em decorrência desse exercício, lutarmos por uma mudança es- trutural das regras e condutas naturalizadas, em busca de uma transformação social. Como exemplo, podemos citar os diversos momentos de interação no ambiente escolar em que todos os envol- vidos nessa dinâmica possam contextualizar os conteúdos e as- suntos abordados em suas diferentes dimensões, inclusive o bullying, quando apresentado e refletido nesse espaço. Há que se garantir o entendimento de que eles não surgiram do acaso, que estão relacio- nados a diferentes temporalidades e espaços da história humana, que o seu entendimento de forma ampla possibilita um olhar arti- culado e a sua superação ou resolução de acordo com os problemas presentes no nosso dia a dia.

Dessa forma, podemos ressaltar o quanto se faz necessário ga- rantir o envolvimento de toda a comunidade escolar para dar voz a todos os integrantes na busca por soluções contextualizadas. Outro ponto importante tange à figura dos professores e da direção es- colar no processo de mediação do conhecimento e dos programas de intervenção. Quando todos são chamados a dialogar e a buscar formas coletivas de enfrentamento, o senso de pertencimento se confirma.