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NUDESE/FURG

2. Corrida para o último peixe: uma análise da dominância do capital na pesca capital na pesca

2.1 Perspectiva da pesca no mundo

2.1.2 Os estados nacionais e a atividade pesqueira

A relação dos estados-nação com a pesca, através da regulação das diferentes estratégias e modalidades de pesca tem se baseado em instrumentos de comando e controle, no sentido de conter a sobre-exploração. Mas, por outro lado, existe um forte fomento à atividade com o uso de subsídios. Por isso, cabem algumas considerações acerca desse instrumento econômico (o subsídio) de fomento à atividade pesqueira, amplamente usado pelos estados-nação.

Segundo Khan et al. (2006), a evidência da sobrecapitalização da pesca, ou seja, da existência de capital acumulado superior à possibilidade de a natureza prover capturas, é amplamente aceita entre a comunidade científica. Contudo, muitos governos ainda insistem em manter os subsídios, pressionados (ou coniventes) que são pelo (ou com o) sistema do capital.

30 Zona Econômica Exclusiva (ZEE) é um termo originário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, realizada em 1982, e estabelece que o país costeiro tem a primazia na exploração do espaço aquático contínuo ao seu território.

Isso porque, segundo Khan et al. (op. cit.), no final do século XX, existia no mundo uma sobrecapacidade de pesca de aproximadamente o dobro do que os oceanos poderiam prover sem se atingir a sobrepesca.

Em todo o mundo, estima-se que os subsídios à atividade pesqueira atingem valores entre US$ 30-34 bilhões, sendo que a maior parte (aproximadamente 85%) é direcionada à pesca industrial (JACQUET e PAULY, 2008), a qual consideramos pesca capitalista.

Excetuando os combustíveis, os subsídios à pesca atingem a sifra de US$ 26 bilhões anuais. A concentração desses subsídios em alguns estados-nação demonstra a distribuição e a acumulação desigual de capital, auxiliando na sobre-exploração dos recursos pesqueiros, pois cerca de 60% do valor dos subsídios à pesca, no início deste século, foi distribuído em 38 países desenvolvidos (EUA, Japão e países da Europa, principalmente), enquanto os 40% restantes, em 103 países em desenvolvimento.

Tais subsídios contribuíram para o aumento da capacidade das capturas mundiais, resultando uma ampliação das receitas geradas com a pesca de cerca de US$ 15 bilhões entre 1995 e 2005, o que representou 16% do valor de primeira comercialização do pescado mundial no ano de 2008 (KHAN et al., 2006).

Conclui-se disso que parte considerável das capturas mundiais na pesca somente é possível pelo elevado uso de subsídios econômicos, com os quais se desenvolvem através de diferentes modalidades, seja diminuindo os custos de operação das capturas, tendo como principal elemento a subvenção ao combustível (custos diretos), ou os subsídios fornecidos, auxiliando a logística de transporte, facilitadora da distribuição do pescado.

Os países desenvolvidos, com uma estrutura pesqueira altamente mecanizada, representam a maior parte do parque industrial pesqueiro mundial e são responsáveis pela também maior parte dos subsídios à pesca efetuados no mundo. Esse apoio ao setor pesqueiro, concedido sob forma de subsídios, na verdade, é direcionado ao setor empresarial/capitalista da pesca e demonstra o forte elo entre o Estado e o sistema do capital, em detrimento do apoio ao setor pesqueiro artesanal/familiar.

Portanto, os subsídios à pesca garantem a ação das frotas industriais/capitalistas na medida em que, mesmo a atividade pesqueira sendo, muitas vezes, antieconômica (com prejuízo), o subsídio a torna atrativa, pois com a diminuição dos custos que proporciona, é capaz de transformar resultados econômicos negativos em positivos.

Além de tal atributo do subsídio, que pode modificar o resultado econômico, podemos integrar o atributo antiecológico desse mecanismo, devido a sua contribuição ao já existente excesso de capacidade de pesca, ampliando a sobre-exploração dos recursos pesqueiros.

A Tabela 02 apresenta os tipos de subsídios mundiais destinados à atividade pesqueira.

TABELA 02. Tipos de subsídios à pesca no mundo: montante, principais beneficiários e os efeitos sobre a capacidade de reprodução dos recursos pesqueiros

Tipo de subsídio Montante (US$ bilhão) Principal beneficiárioa Efeito sobre a capacidadeb

Portos de pesca: construção e renovação 8,0 Industrial Mau

Combustível 6,3 Industrial Mau

Programas de gestão e serviços para a pesca 5,8 Industrial Bom

Projetos de desenvolvimento da pesca e serviços de apoio

2,5 Artesanal Mau

Construção, renovação e modernização de embarcações 1,9 Industrial Mau

Assistência ao pescador 1,7 Artesanal Ruim

Apoio à comercialização, processamento, armazenamento e infraestrutura

1,6 Artesanal /

Industrial

Mau

Acordos de acesso à pesca 1,0 Industrial Mau

Pesquisa e desenvolvimento da pesca 0,9 Industrial Bom

Desenvolvimento das comunidades de pescadores da zona rural

0,9 Artesanal Ruim

Recompra de embarcações 0,9 Industrial Ruim

Isenção de imposto 0,7 Industrial Mau

Total 35,2

Fonte: Adaptado de Sumaila e Pauly (2006) apud Jacquet e Pauly (2008) [Tradução nossa]

a Industrial/capitalista ou artesanal/familiar;

b OBS: As categorias “bom”, “mau” e “ruim” referem-se ao seu efeito sobre o crescimento da frota, o que, consequentemente, leva à sobrepesca: bons subsídios não aumentam o tamanho da frota; maus

subsídios assim o fazem; e o efeito dos subsídios ruins depende do contexto.

Conforme apresentado na tabela anterior, a maior parte dos subsídios aplicados na pesca (68,3%) é classificado como ‘mau’, ou seja, causa um efeito negativo à pesca, por contribuir para a sobrepesca, sendo que destes, apenas 11,4% são direcionados exclusivamente à pesca artesanal.

Entre os subsídios ‘bons’ (20,8% do total dos subsídios), os quais não contribuem para a sobrepesca, em sua maioria são destinados à gestão e serviços para a pesca e destinados exclusivamente ao setor pesqueiro industrial/capitalista. Já os subsídios ‘ruins’ representam 10,9% do total dos subsídios apurados pelos autores,

sendo que a maior parte deles (74,3%) é direcionada à pesca artesanal, sem esquecer que a qualificação ‘ruim’ depende do contexto local.

Portanto, o que podemos perceber é que os subsídios beneficiam principalmente a pesca industrial e, em sua maioria, representam um descaso dos estados-nação em relação ao dinheiro público e à ética, devido à degradação da natureza, sentida principalmente pelos pescadores artesanais/familiares, altamente dependentes do produto da pesca para a sua vivência. Fato que corrobora o já enunciado anteriormente, nesta tese, quando elencamos o pensamento de Marx e Engels (2007) a respeito do alinhamento do Estado com as classes dominantes, sendo o mesmo um fato histórico presente em todas as épocas da sociedade humana.

Em outro sentido, organismos internacionais, a exemplo da FAO (2010), defendem que a gestão dos recursos pesqueiros, exercida conjuntamente entre os diferentes usuários (industriais e artesanais) e o Estado, representa uma possibilidade real para reverter o quadro de crise pesqueira, e as consequências socioeconômicas e ambientais que causa. Para tanto, o Estado deveria promover a capacidade humana para a participação em nível local, assim como as disposições jurídicas e dar lugar a práticas comunitárias de gestão pesqueira.

No entanto, acreditamos que as considerações da FAO abordam uma escala global, quando consideramos o Brasil e, mais especificamente, a região do estuário da Lagoa dos Patos, nos deparamos com uma realidade concreta de desconcerto entre medidas de gestão pesqueira e políticas públicas. Conforme veremos em subseção posterior, na qual trataremos da pesca no contexto deste estuário.