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Os estereótipos e preconceitos sobre o homem nas duas culturas analisadas

conto de fadas e mito

2.4. Os estereótipos e preconceitos sobre o homem nas duas culturas analisadas

Após termos mencionado algumas das características que se atribuem ao género masculino, julgamos que este seria o momento mais indicado para abordarmos o

assunto dos estereótipos e preconceitos arraigados na cultura através da língua. Antes disso consideramos indispensável definir os termos preconceito e estereótipo, uma vez que hoje em dia na maioria dos casos estas duas palavras têm uma conotação estremamente negativa. Veremos que esta conotação foi adquirida ao longo da evolução e utilização de ambos os termos e que primeiramente o seu significado era bastente neutro. Para confirmarmos a nossa hipótese, procuraremos as definições destes conceitos num dos dicionários mais importantes de língua portuguesa. Malaca Casteleiro (2001:1574) para esta entrada lexical dá a seguinte determinação: "ideia, opinião... preconcebida e comum, aceite por um grupo, mas que se impõe aos restantes membros de uma comunidade, colectividade" e como significados aproximados citam– se "chavão" e "cliché". Desta determinação podemos concluir que se trata apenas de uma ideia, mas que se torna estereotipada quando é aprovada por um grupo de pessoas e imposta a outros grupos. Para o preconceito o mesmo autor (2001:2935) tem esta definição: "ideia ou conceito previamente formado que interfere no comportamento do indivíduo". Agora chegámos à conclusão de que no primeiro momento da formação da palavra não houve elementos negativos no seu sentido e que se trata de um "pré- conceito" isto é uma imagem primitiva de um fenómeno, pessoa ou objecto, que pode ter uma carga positiva ou negativa. O que nos chama a atenção na posição do Professor Malaca Casteleiro é a segunda parte da sua definição, que se refere à importância e o peso dos preconceitos na vida quotidiana das pessoas. Podem remeter para o género, cultura, idade, estatuto social e muitas outras categorias em que é possível enquadrar o ser humano. Estas ideias petrificadas criam muitas generalizações na mente humana e querem salientar a ideia de que todos os homens/mulheres/representantes de alguma etnia, religião, profissão etc. possuem a característica que se lhes atribui. Vejamos agora de que modo os estereótipos sobre o género masculino se manifestam nos casos concretos das narrativas curtas populares sérvias e portuguesas:

Após uma leitura pormenorizada dos corpora escolhidos, podemos concluir que os estereótipos, quer positivos, quer negativos nas narrativas tradicionais sobre o homem nas literaturas populares sérvia e portuguesa, em ceta medida são iguais, referindo-se tanto às virtudes, como aos defeitos que propagam ou condenam. Assim acontece, porque existem valores e ideias que são universais em todo o mundo. Mais concretamente, ambas as tradições no homem glorificam a coragem, enquanto que a cobardia, e sobretudo o medo da mulher é vista como muito negativa. Também, não é

recomendável vangloriar-se do heroísmo que não se tem. 62Ao homem atribui-se-lhe também o papel de defensor das suas filhas ou irmãs e para tal efeito muitas vezes deve ter uma enorme força física. O protagonista de alguns contos é capaz de arrancar árvores, lutar contra os dragões etc, mas esta força deve ser sublimada e cultivada no fim dos contos e nunca deve ser usada para fins violentos contra os outros, e especialmente contra a mulher.

Um homem "de verdade", como o apresentam as narrativas tradicionais, é símbolo da justiça, da constância e persistência para atingir o seu objectivo com meios honestos e ajuda de Deus. Deve possuir capacidades intelectuais superiores às dos seus rivais, saber a resposta certa para as adivinhas difíceis, usar a esperteza quando é preciso e deve saber e dominar varias artes e destrezas úteis e práticas, aplicáveis na vida quotidiana. Ao contrário dos protagonistas positivos, criticam-se as "malas-artes" do Pedro, que o qualificam como tolo, incapaz de lidar com os problemas do dia-a-dia, como também a falta de inteligência e personalidade.

Um verdadeiro herói, modelo de compormento para as gerações mais jovens é obrigado a ter também todas as qualidades morais: a religiosidade, o respeito pelos pais, a capacidade de cumprir a palavra dada, de nunca se dar por vencido, embora perante as piores dificuldades. Estas características não pretendem dar uma visão desumana, um "super-homem", na nossa opinião, tenciona-se ensinar aos rapazes que devem encontrar uma força interior para enfrentarem seja qual for a situação na vida real, que, embora sofram por um momento, serão recompensados de alguma forma se escolherem o caminho difícil, que fortalecerá o seu carácter, pondo-os numa série de provas difíceis. Por isso, a mentira, a inveja, a soberba ou quelquer tipo de vileza são sempre vistas como reprováveis.

Já dissemos que a língua é muito clara e simples em designar as características negativas como tais, sem eufemismos nem diminutivos, o que se verá também mais tarde na análise da mulher. Mesmo que haja sempre uma ideia preconceituosa sobre a mulher como má, também o pode ser o homem, o que se nota muito bem na narrativa tradicional sérvia As dádivas do irmão espiritual 63(Pobratimski

62 A falta de coragem e o facto de se vangloriar a literatura sérvia ilustra-os mediante o exemplo: Em cima do herói também há heróis I nad junakom ima junaka) e a literatura portuguesa serve-se da história sobre Dom Caio. Embora no conto o alfaiate medroso se case com a princesa e fique com a fama do defunto general Dom Caio, toda a narrativa tem um tom cómico e irónico, começando pela sua forma de gabar-se que mata sete de uma vez, tratando-se na realidade de sete moscas, até a descrição do fato e do cavalo do verdadeiro herói, que não servem para o alfaiate, (in: Viana, 1985).

darovi), em que o homem é caracterizado como pessoa que abusa da força (silan), malvado (opak), alguém que faz sofrer a cidade toda, para fazer ainda mais mal aos outros, quer-se casar com uma dragoa e chega a ser irmão espiritual do próprio Diabo. Em Portugal semelhante maldade é descrita na narrativa curta O bolo refolhado64em que para o homem se reservam palavras como: „muito ruim“, e acções como "bater" "berrar", "ralhar" e "dar pancada" à mulher por qualquer motivo. Também, pedindo-lhe o bolo que ele próprio ignora o que é, mostra-se como caprichoso e ao longo do conto vemos que é teimoso, violento e cobarde.

Ainda que exista o estereótipo de que as lágrimas masculinas são inadmissíveis, não é raro ver-se em ambas as culturas, que o protagonista, encontrando-se numa situação que parece sem saída, deste a chorar até aparecer o seu ajudante. Nestes casos o pranto não é considerado fraqueza ou falta de coragem, pelo contrário, quer-se salientar que os seres humanos têm os seus momentos difíceis e que de vez em quando precisam de desabafar.Esta série de ideias aqui expostas, contribuiu para reflectirmos e tentarmos "descompor" até certo ponto a eterna polaridade entre o masculino e o feminino, e de vermos estes dois fenómenos de uma forma se calhar também estereotipada, mas desta vez de uma perspectiva um pouco diferente.

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