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Os estereótipos sobre a mulher transmitidos através das literaturas populares

3.2.1.Mulher é mulher e mãe é mãe 79 : a maternidade observada da perspectiva das tradições populares portuguesa e sérvia

3.5 Os estereótipos sobre a mulher transmitidos através das literaturas populares

Como já vimos na secção destinada aos homens, os estereótipos podem ser utilizados com a connotação positiva ou negativa. Embora a opinião geral das pessoas seja que há mais preconceitos negativos sobre a mulher do que sobre o homem, tentaremos demonstrar que estas ideias petrificadas são distribuídas por igual e que o que se critica não é o género, mas sim um determinado defeito. Žarko Trebješanin (2006),90 numa revista electrónica, cujo nome se poderia traduzir como “barulho” indica que a imagem que a cultura patriarcal sérvia reserva para a mulher é estremamente negativa: depreciativa, agressiva e possessiva. As qualificações, que segundo este autor

90 O texto Stereotip o ženi u srpskoj kulturi (O estereótipo sobre a Mulher na cultura sérvia) foi

encontrado na página web: http://www.6yka.com/do/da/282 e é de 16 de fevereiro de 2006. O nome do site está escrito em carecteres cirílicos e a palavra buka em sérvio significa barulho. O site foi consultado por última vez no dia 29 de Junho de 2009, às 22:02.

sse aplicam à mulher são: faladeira (brbljiva), infiel (neverna), caprichosa (ćudljiva), má (zla), malvada (pakosna), vingativa (osvetoljubiva), estúpida (glupa) e depois cita uma série de provérbios e poemas populares para justificar a sua opinião, embora extraídos do contexto original. Obviamente não concordamos com esta ideia, e para tentarmos comprovar que cada imagem na literatura popular tem a sua razão de ser, continuaremos com a nossa análise, dando a nossa visão do assunto. É verdade que nos contos populares à mulher se lhe atribuem a teimosia, a maldade, a língua comprida e a curiosidade, mas disso também os homens não estão dispensados: a tradição portuguesa oferece-nos tanto o caso da Mulher teimosa91, como dos Rei e rainha teimosos92, por tanto, o que a tradição popular critica é a teimosia, independentemente do género, mostrando que nem o próprio rei pode escapar a este defeito. Quanto à maldade, nomeadamente da madrasta ou sogra, o que interessa mais aos leitores é a sua posição na família e a sua relação com a enteada /nora, do que o seu sexo feminino. Se a figura do mau padrasto não aparece, é porque por um conjunto de factores, as mulheres reais numa sociedade patriarcal raras vezes se voltavam a casar. A vontade de falar muito e de não conseguir guardar o segredo está associada à mulher, mas também nos contos tradicionais de ambas as culturas, em que algum descendente do sangue real tem algum problema com as orelhas, é o rapaz que revela o segredo ao buraco e as flautas o espalham pelo mundo. A curiosidade levou a mulher abrir a garrafa na qual estava encerrado o Diabo, mas por outro lado, muitos rapazes em ambas as literaturas populares abriram as portas do quarto proibido, justamente pela mesma razão.

Vingativos podem ser tanto o homem, como a mulher, porque se há rainhas que por vingança cortam as mãos ou língua a uma rapariga mais bela,inúmeros são os reis na tradição popular que expulsam a filha da casa por não os querer bem (O Sabor dos Sabores e outros contos desse ciclo), que mandam encerrar os filhos numa torre alta e afastada, para não os derrubarem do trono. Se a mulher é frágil, por vezes passiva e espera pelo seu defensor, pode também ser corajosa, persistente e não se preocupar com romper as botas de ferro até encontrar o seu amado, para o salvar do efeito do encanto. Se uma princesa está doente e está passivamente à espera dos figos verdes ou água benta para se curar, um príncipe também pode adoecer de amor e ficar a aguardar o beijo mágico da sua querida ou uma acção “milagrosa” feita por ela.

91 In: Viana (1985).

Quando são boas, podem ser comparadas com os anjos, enquanto que, nem o príncipe mais generoso mereceu esta forma de tratamento. Quando se lhes atribui a maldade, as mulheres são capazes de mandar cortar as mãos à enteada, mas quem faz a acção de cortar é um homem, por medo da sua patroa, e aqui a cobardia não serve como contra-partida para a maldade, porque, enquanto que o medo nas mulheres é considerado natural, nos homens é fraqueza.

Ao longo desta análise, em ambas as culturas fomos mais do que uma vez testemunhas da esperteza, sabedoria ou inteligência da mulher, que, quer seja usada para bem, quer para mal, é uma característica admirável. Nestas situações usam-se adjectivos como “sábia” (mudra), avisada etc. Para as personagens masculinas com pouca inteligência podem-se encontrar as qualificações como “parvo” ou “tolo”, e mesmo que possam existir formas femininas, são quase impossíveis de se ver nos contos tradicionais. A mulher é vaidosa e deseja saber se há cara mais linda do que a sua, o homem também o pode ser, sendo rei, organiza grandes competições entre cavaleiros, ricos jantares para os seus convidados, exige prendas de luxo dos seus filhos e só casa aquele que lhe agradar mais com a sua encomenda. Por tanto, a rainha (mulher) envaidece-se por coisas abstractas como a beleza, e o homem por coisas materiais (a grandeza dos seus palácios, a sua riqueza e poder.)

Uma mulher “de verdade” deve ser religiosa, ter uma incrível capacidade de sofrer e suportar as injustiças com calma e paciência, para sair dessa situação mais forte e sábia. Ela respeita os pais e os irmãos, é leal e constante ao seu amado, não fala mal dos outros, não interfere nas vidas das pessoas à sua volta, ajuda todos, mas quando é má, digamos uma “anti-mulher”, é capaz de intrigas, de maldades, de acções muito baixas, e por isso merece ser castigada no fim do conto. É considerado mau que uma mulher seja muito mimada, mas devemos ter em conta as histórias em que depois de um longo período da esterilidade dos pais chega ao mundo e é rodeado de todas as atenções. Indirectamente, para não se corromper o seu carácter, o narrador esconde o príncipe detrás de uma pele feia. Por isso ele fica encantado para os pais e revela-se completamente à sua esposa que o trata como adulto e não como criança. Destas comparações que fizemos, podemos ver que um mesmo defeito é criticado tanto nos homens, como nas mulheres, embora de modos diferentes, o que já foi explicado na parte sobre as hierarquias, autoridades e sistema partiarcal.

Observando os dois polos opostos, o “branco” e o “negro” do complexo e profundo ser feminino visto pelo prisma dos preconceitos e esstereótipos, chegámos à

conclusão do seu carácter universal, dos vícios e virtudes permanentes na natureza humana, independentes dos espaços culturais em que as narrativas populares surgiram. Esta nossa tentativa de demostrar que a língua e a cultura não são discriminatórias em relação à mulher, ou pelo menos não tanto como é o costume de se acreditar, representa uma pequena homenagem à mulher: às suas características dignas de louvor, e aos seus vícios, que os narradores populares tencionam corrigir de diversas formas, nem sempre as mais suaves, mas que nos fazem pensar sobre as culturas e formas de ser que existem à nossa volta.

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