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OS EXCLUÍDOS NA ESCOLA: AS ESTATÍSTICAS EDUCACIONAIS NA TRILHA DOS ELIMINADOS

No documento O RENDIMENTO DA ESCOLA BRASILEIRA EM QUESTÃO (páginas 131-134)

Gorete Losada

Haverá decerto quem proteste por não ver nesta Conservatória Geral uma só máquina de escrever, para não falar de instrumentos mais modernos ainda, por os armários e as estantes continuarem a ser de madeira natural, por os funcionários ainda terem de molhar aparos em tinteiros e usarem mata-borrão, haverá quem nos considere ridiculamente parados na história, quem reclame do governo a rápida introdução de tecnologias avançadas nos nossos serviços, mas se é verdade que as leis e os regulamentos podem ser alterados e substituídos em cada momento, o mesmo não pode acontecer com a tradição, que é, como tal, tanto no seu conjunto como no seu sentido, imutável. Ninguém irá viajar ao tempo passado para mudar uma tradição que nasceu no tempo e que pelo tempo foi alimentada e sustentada. [...] E se o fizessem estariam a perder o seu próprio tempo. Estes são os alicerces da nossa razão e da nossa força, este é o muro por trás do qual nos foi possível defender, até os dias de hoje, quer a nossa identidade quer a nossa autonomia. Assim temos continuado. E assim continuaríamos se novas reflexões não nos viessem apontar a necessidade de novos caminhos. (SARAMAGO, 1997, p. 204-205).

Na obra Todos os Nomes, José Saramago (1997) descreve o funcionamento da Conservatória Geral do Registro Civil, na qual tradicionalmente estão bem definidos os espaços daqueles que estão vivos e daqueles que estão mortos, apontando para a dificuldade de se romper com essa tradição. Mas, propõe uma importante reflexão: para os idos não caírem no esquecimento seria importante estarem juntos aos vivos, trilhando assim um novo caminho.

Destacam-se então dois aspectos para o debate sobre a exclusão na escola: o enraizamento na escola de processos avaliativos tradicionais que são excludentes, com a persistência da reprovação, e o esquecimento dos alunos que abandonaram os estudos por estarem apartados dos alunos frequentes.

O presente artigo apresenta parte da minha pesquisa de Mestrado que aborda a temática sobre o acesso e a permanência na escola fundamental obrigatória a partir da produção das estatísticas educacionais relacionadas ao ingresso e à frequência escolar. Assim, foi tratada neste texto a produção estatística na Rede Municipal de Ensino (RME) de Porto Alegre a partir da pesquisa documental, evidenciando-se categorias e definições que sofreram transformações ao longo do tempo e que podem influenciar nos processos

de exclusão escolar. Para tanto, foram analisados quadros estatísticos e documentos orientadores que pudessem explicitar os conceitos atribuídos às categorias estatísticas, tais como as categorias de movimentação (saídas do sistema – como evasão, cancelamento de matrícula e transferência) e de rendimento escolar (aprovação e reprovação).

Assim sendo, tratou-se as estatísticas como objeto de estudo na perspectiva da abordagem sócio histórica das estatísticas, com vistas a acompanhar os processos da sua produção, a começar pelos registros individuais, passando pelas categorias de agrupamento até a sistematização e divulgação das mesmas. As classificações, ao serem criadas, estabelecem processos de pertencimentos ou exclusões, subjetivos e seletivos, com os quais estruturas de poder são reforçadas e legitimadas pela sociedade, a ponto de se perceber determinados agrupamentos como sendo algo natural ou até mesmo real. Besson (1995, p. 18-19), reforça essa ideia ao afirmar que “[...] as estatísticas não refletem a realidade, refletem o olhar da sociedade sobre si mesma.” Desse modo, se constitui como primordial o estudo sobre o processo de observação e produção dos números, com suas imperfeições na coleta de dados, com suas categorizações rígidas, com suas lacunas e ambiguidades na produção e organização das informações, bem como nas intencionalidades relacionadas à divulgação das mesmas, para se colocar em xeque a naturalização e aparente isenção dos números. Senra (2008, p. 413-414) também ratifica essa abordagem, em suas produções aponta para a necessidade de se “[...] analisar os processos de construção intelectual das categorias de classificação, bem como os significados relativos a suas aplicações, a partir das semânticas que lhes são atribuídas pelos diferentes grupos sociais”, afirmando que o mesmo ocorre na definição dos conceitos, nos métodos de coleta, nos cálculos e produções estatísticas elaborados pelas instituições públicas.

Neste artigo, trabalhou-se, também, com dois conceitos que corroboraram no reconhecimento dos processos de exclusão escolar. Segundo Ferraro e Machado (2002, p. 215) excluídos da escola são “aqueles que, devendo freqüentar a escola, não o fazem, independentemente de já a haverem ou não freqüentado no passado”. A outra classificação é a dos excluídos na escola, essa relacionada com os excluídos no interior da escola e que nela permanecem, com resultados de baixo rendimento e a consequente reprovação (FERRARO, 2009, p. 187). Afirma-se ainda que os excluídos na escola, após

sucessivas reprovações, poderão tornar-se os excluídos da escola, ou seja, aqueles que abandonaram o sistema escolar, trantando-se de situações intrinsecamente relacionadas.

A pesquisa permitiu observar a existência de processos de exclusão na escola que ainda permanecem fortemente registrados nas escolas municipais de Porto Alegre, mesmo após as escolas municipais haverem assumido os Ciclos de Formação como proposta pedagógica, com a intencionalidade de romper com a lógica do fracasso escolar. Destacaram-se também as categorias de afastamento, passando pela figura do Cancelamento de matrícula, pelo conceito de Evasão (mediata e imediata), bem como orientações para o acompanhamento da frequência escolar, trazendo à tona um importante debate sobre o desaparecimento nos sistemas informatizados dos alunos infrequentes, que se tornam invisíveis para as estatísticas e para a sociedade. Desta forma, pretendeu-se identificar os processos de exclusão escolar possíveis de serem reconhecidos na produção das estatísticas da RME de Porto Alegre.

Tornar o passado visível através da memória documental é uma das tarefas da pesquisa com abordagem sócio histórica das estatísticas. Senra (2008, p. 413), ao se referir à produção mais recente das estatísticas nacionais, afirma que atualmente há “falta de memória escrita” do processo de construção das mesmas, sendo importante retomar antigos procedimentos de registros e armazenamento documental sistematizado, bem como recolher depoimentos com o objetivo de preservar essa memória recente, tornando possível reconhecer e compreender os processos de elaboração das categorias, métodos de coleta e de cálculo e, enfim, de produção e divulgação das estatísticas. Assim, para o desenvolvimento dessa pesquisa, o importante foi olhar para dentro do Sistema Escolar, tanto para uma rede de ensino, quanto no âmbito da escola. Desenvolveu-se então o trabalho de busca documental com a intenção de encontrar indícios que pudessem elucidar o processo da construção e produção das estatísticas educacionais na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. O intuito era compreender as variações das estatísticas vinculadas ao movimento e rendimento escolar e a relação dessas com a permanência do aluno na escola, seguindo o caminho dos eliminados.

OS ARQUIVOS (MORTOS) DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE PORTO

No documento O RENDIMENTO DA ESCOLA BRASILEIRA EM QUESTÃO (páginas 131-134)

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