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PROCEDIMENTOS DA PSICOLOGIA PARA O EXAME DO ALUNO: OS TESTES E OS ESTUDOS DE CASO

Ana Laura Godinho Lima

INTRODUÇÃO

A escola faz uma série de exigências aos alunos: pontualidade, estudo dos conteúdos curriculares, realização das atividades propostas, obediência às regras estabelecidas para a ocupação dos espaços, para a expressão dos próprios desejos e pensamentos e para os modos de se relacionar com os colegas e os professores. Quando um aluno falha em atender a essas exigências e expectativas de autocontrole e desempenho, apresenta-se um problema para os educadores. Nessas circunstâncias, costuma-se recorrer aos conhecimentos da psicologia e ao auxílio dos psicólogos ou psiquiatras da infância em busca da elucidação das causas do problema e de providências para superá-lo.

No decorrer do século XX, a psicologia se tornou uma disciplina central para auxiliar os professores a administrar a conduta dos alunos em sala de aula, ao permitir fundamentar as práticas escolares em um conhecimento positivo sobre o aluno. De diferentes maneiras, a psicologia procurou auxiliar os professores a enfrentar um conjunto variado de problemas do cotidiano escolar, do mau comportamento às dificuldades de aprendizagem, do sentimento de inferioridade à falta de motivação. Neste texto, procura- se caracterizar modos distintos de intervenção da psicologia na educação escolar, por meio da descrição dos tipos de problemas que se procurou resolver em cada caso, dos conhecimentos que se formularam para compreender suas causas e das providências imaginadas para a sua superação. Examinam-se exemplos de associação entre conhecimentos e técnicas psi destinados a investigar características psicológicas dos alunos e solucionar suas dificuldades na escola nas décadas de 1930 e 1940 no Brasil. Os dois primeiros correspondem a testes psicológicos destinados à identificação dos atributos de inteligência e personalidade dos alunos, tendo em vista a adequação do ensino às necessidades individuais. Entre os representantes internacionais ilustres da psicologia

14 Este trabalho é resultado parcial da pesquisa “A Psicologia Ensinada aos Professores: uma análise dos

experimental que produziu os testes psicológicos, deve-se mencionar Alfred Binet e Théodule Simon, criadores da escala métrica da inteligência, e Edouard Claparède, autor do livro A escola sob medida. No Brasil, destacaram-se Lourenço Filho, inventor dos Testes ABC, para avaliação da maturidade das crianças para o início da alfabetização, e a psicóloga russa Helena Antipoff, que se estabeleceu no país em 1929 e criou o teste As Minhas Mãos, de análise da personalidade.

Os outros exemplos correspondem às clínicas de higiene mental para o atendimento das “crianças-problema”. Nesses serviços, recorria-se aos conhecimentos da psicanálise nos estudos de caso. Além da aplicação dos testes psicológicos, realizavam- se exames médicos e investigavam-se as condições de vida do aluno, por meio de visitas para a realização de observações e entrevistas com os pais e a professora. Nesses estudos pormenorizados da criança em seu ambiente, priorizava-se a descrição das relações afetivas familiares. No Brasil, esse modelo foi empregado, entre outros, por dois médicos que estiveram à frente dos serviços de higiene mental escolar criados no Distrito Federal e em São Paulo na década de 1930: Arthur Ramos, chefe do Serviço de Higiene Mental da Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais do Rio de Janeiro e Durval Marcondes, chefe da Seção de Higiene Mental Escolar, subordinada à Diretoria do Serviço de Saúde Escolar do Departamento de Educação de São Paulo.

No texto “A expertise e a techne da psicologia”, Nikolas Rose procura distinguir sua própria perspectiva de análise de três outras recorrentes na história da psicologia, às quais ele se refere como histórias das aplicações, histórias das ideias e histórias das profissões. Em vez de pensar a psicologia em termos da aplicação de uma teoria, da evolução de um conjunto de ideias ou do exercício de uma profissão, Rose (2011, p. 123) a entende como expertise e como techne e esclarece: “Uso o termo expertise para referir- me a um tipo particular de autoridade social, caracteristicamente desenvolvida em torno de problemas, exercendo um certo olhar diagnóstico, fundada sobre uma reivindicação de verdade, afirmando eficácia técnica e reconhecendo virtudes éticas humanas”. Em seguida, chama atenção para três características importantes da psicologia como expertise: 1. é heterogênea, pois recorre a conhecimentos e técnicas de origens distintas, aos quais procura posteriormente conferir uma unidade na forma de um discurso coerente; 2. é generosa, no sentido de que adquire penetração social por meio da oferta de seus conhecimentos para uso de outros profissionais e atores sociais, como médicos, professores, pais, assistentes sociais etc. 3. proporciona a diversos tipos de autoridades

uma simplificação das práticas relativas à gestão das individualidades e uma justificação ética para o exercício do poder, que passa a ser fundamentado no conhecimento verdadeiro sobre as características e as necessidades daqueles sobre os quais se exerce.

Ao se referir à psicologia também como techne, Rose (2011, p. 125) chama atenção para o fato de que a psicologia é mais do que um modo específico de pensar e falar sobre os indivíduos e suas relações e explica: “Uso o termo ‘tecnologia’ para encaminhar nossa análise em direção às formas características pelas quais as práticas se organizam de modo a produzir certos resultados em termos de conduta humana: reforma, eficiência, educação, cura ou virtude”. Dentre essas práticas, o autor destaca os testes psicológicos, que tornam calculáveis aspectos da individualidade humana invisíveis na superfície do corpo, tais como a inteligência, o caráter, as aptidões naturais. Também sublinha a importância da confissão, técnica na qual frequentemente uma pessoa estabelece um vínculo com uma autoridade em torno da tarefa de expressar a verdade sobre si mesma, engajando-se dessa maneira num trabalho orientado para a descoberta de sua própria dimensão psicológica. Essas duas técnicas, o teste e a confissão, foram introduzidos nas escolas tendo em vista a superação de problemas de aprendizagem e comportamento dos alunos, como se procura mostrar a seguir, a partir de experiências realizadas no Brasil.

OS TESTES PSICOLÓGICOS PARA A AVALIAÇÃO DAS CAPACIDADES E

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