• Nenhum resultado encontrado

focalizadas no estudo incidem sobre a realização dessas aulas no que respeita ao funcionamento da escola em sua

3 A ANCORAGEM TEÓRICA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA: EIXOS DO PENSAMENTO DE BAKHTIN E DE VIGOTSK

3.1 VIGOTSKI E O PENSAMENTO SOCIOINTERACIONISTA: O ENCONTRO ENTRE O UNIVERSO BIOLÓGICO E O

3.2.2 Os gêneros do discurso: tipos relativamente estáveis de enunciado

da sua linguagem: o homem exprime e concretiza suas ideias e sentimentos somente em forma de texto (RODRIGUES, 2005). Essa concepção vai ao encontro da concepção de enunciado: “[...] a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na língua.” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 265). O texto é, assim, o ponto de partida para todas as disciplinas do campo das ciências humanas, como a Linguística, a Filologia e a Literatura. Sobre a metodologia das ciências humanas, o que interessa para a teoria bakhtiniana “[...] é a história do pensamento orientada para o pensamento, o sentido, o significado do outro, que se manifestam e se apresentam ao pesquisador somente em forma de texto.” (BAKHTIN, 1997a [1979], p. 330, grifo do autor).

3.2.2 Os gêneros do discurso: tipos relativamente estáveis de enunciado

Os enunciados são dialogicamente tipificados nas diversas interações, constituindo o que Bakhtin denomina de gêneros do

discurso. Bakhtin os define como “tipos relativamente estáveis de enunciados” ou “formas relativamente estáveis e normativas do enunciado” (RODRIGUES, 2005, p. 163). Rodrigues (2005) explica a noção bakhtiniana de “tipo” como “modos sociais de discurso”: “[...]

tipificação social dos enunciados que apresentam certos traços (regularidades) comuns, que se constituíram historicamente nas atividades humanas, em uma situação de interação relativamente estável, e que é reconhecida pelos falantes.” (RODRIGUES, 2005, p. 164).

Os gêneros são definidos por três elementos enunciativos constitutivos, denominados por Bakhtin de índices de totalidade. São eles: tema – objeto e finalidade discursivos, sua orientação de sentido para com ele e os outros participantes da interação –, estilo – uso típico de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua – e

composição – seleção dos procedimentos composicionais para a

organização, disposição e acabamento da totalidade discursiva e para levar em conta os participantes da comunicação discursiva. Todos esse três elementos estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. É por meio do acabamento deles que se pode esperar uma reação ao enunciado (resposta-ativa):

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. (BAKHTIN, 2003 [1953/54], p. 261-263).

Para Bakhtin (2004 [1929], p. 43), “[...] cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio- ideológica. A cada grupo de formas pertencentes ao mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso social, corresponde um grupo de temas.”. Os gêneros discursivos, assim, são “relativamente estáveis” porque se adaptam facilmente às mudanças sociais, transformam-se com o surgimento de novas interações. Segundo Bakhtin (2003 [1953/54], p. 283), a diversidade de gêneros é enorme, quase infinita, uma vez que são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana: “[...] eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da

comunicação”. Os gêneros, assim, crescem e se diferenciam à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. As formas de gênero, portanto, são bem mais flexíveis, plásticas e livres que as formas da língua.

A respeito de sua relativa flexibilidade, os gêneros possuem um caráter normativo, pois fornecem um “horizonte”, um “caminho” para a enunciação, sendo, assim, uma espécie de “balizas” que orientam a produção do enunciado. De acordo com Rodrigues (2005), eles servem como “modos sociais de ação” e como “índices sociais” para a construção dos enunciados, ajudam a calcular o “dixi conclusivo” do falante, entre outras funções. Trata-se do processo de tipificação, já explicado anteriormente. Sendo “modos discursivos”, os gêneros, portanto, regulam, organizam e significam a interação. E a vontade discursiva do falante já aparece na própria escolha do gênero, explicada por Bakhtin (2003 [1953/54], p. 282). Tal vontade

[...] é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicação discursiva, por considerações semântico-objetais (temáticas), pela situação concreta da comunicação discursiva, pela composição pessoal de seus participantes, etc. A intenção discursiva do falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma de gênero.

Eis alguns elementos da enunciação, apontados por Bakhtin (2003 [1953/54]), que são determinados pelos gêneros: entoação expressiva (os gêneros dão o “tom” do enunciado); escolha das orações e das palavras; e concepção de destinatário (cada gênero possui uma concepção típica de destinatário). Eles são, portanto, constituídos dentro da situação social de interação: o que os define são as funções discursivo-ideológicas e a esfera social; não suas propriedades formais (RODRIGUES, 2005, p. 164). A partir desse caráter social, Bakhtin compara a aquisição dos gêneros discursivos com a aquisição da língua:

Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do

conjunto do discurso), uma determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da fala. (BAKHTIN, 2003 [1953/54], p. 283).

Todo gênero está vinculado a uma esfera social, na qual se constitui e circula. Cada esfera possui funções socioideológicas particulares e um repertório de gêneros discursivos próprios. Notícia,

artigo assinado, reportagem e entrevista, por exemplo, são alguns

gêneros da esfera do jornalismo. Cada gênero também possui um tempo- espaço denominado de cronotopos. Como explica Rodrigues (2005), é a situação social própria de cada gênero. Ele é definido pelos horizontes (espacial, temporal, temático e axiológico) e pela concepção de autor e destinatário. Todos esses pontos são essenciais para se trabalhar com a teoria bakhtiniana, haja vista que o que constitui um gênero, para Bakhtin (2003 [1953/54]), é a sua ligação com a situação social de interação (a esfera social) e não suas propriedades formais. Como aponta Rodrigues (2005), os gêneros correspondem a situações de interação verbal, com finalidade discursiva e concepção de autor/destinatário, que só fazem sentido dentro da esfera social. Ainda segundo Rodrigues (2005), é importante também analisar as especificidades da esfera partindo da relação com a constituição e o funcionamento dos gêneros do discurso: “[...] as condições sócio- históricas da sua origem e do seu desenvolvimento, a sua função sócio- discursiva no conjunto da vida social, entre outros aspectos.” (RODRIGUES, 2001, p. 74).

Os gêneros discursivos também agem na estratificação da língua. Segundo Bakhtin (1998 [1975]), os elementos da língua estão estreitamente unidos com a orientação intencional e com o sistema geral da acentuação dos gêneros. Vemos novamente aqui a afirmação do autor de que os gêneros não são determinados pela composição, mas pelas possibilidades intencionais, ou seja, o aspecto intencional – significação objetal e expressividade da estratificação da “língua comum”:

[...] não é a composição linguística neutra da língua que é estratificada e diferenciada, mas as suas possibilidades intencionais é que são espoliadas: elas são realizadas em direções definidas, são carregadas de conteúdos determinados, concretizam-se, especificam-se,

impregnam-se de apreciações concretas, unem-se a determinados objetos, a âmbitos expressivos de gêneros e profissões. Dentro desses âmbitos, isto é, para os próprios falantes, estas linguagens de gêneros e estes jargões profissionais são diretamente intencionais – plenamente significativos e espontaneamente expressivos” (BAKHTIN, 1998 [1975], p. 96-97).

Bakhtin (2003 [1953/54]) ainda aponta para a existência de dois grupos de gêneros, já mencionados nesta dissertação: gêneros primários

(simples) e gêneros secundários (complexos). Os gêneros primários são

formados na “comunicação discursiva imediata”, do cotidiano, não formalizados e institucionalizados. Exemplos: conversa de salão,

conversa sobre temas cotidianos, carta, diário íntimo, bilhete, entre outros (BAKHTIN, 2003 [1953/54]). Já os secundários advêm de um convívio cultural mais complexo, são institucionalizados, como

romance, editorial, tese, palestra, anúncio, pesquisa científica, e muitos outros. Tanto os gêneros primários quanto os secundários estabelecem uma relação dialética: os secundários surgem dos primários (incorporam-nos e reelaboram-nos), mas continuam “influenciando” suas interações sociais. O autor (2003 [1953/54]) ressalta, ainda, que a diferença entre os dois tipos não é de ordem funcional, mas depende das diferenças entre as esferas sociais em que os gêneros ocorrem.

De acordo com a teoria bakhtiniana, ressaltamos, os gêneros do

discurso também mantêm uma relação dialética com o enunciado: eles

dão o “tom” (caráter normativo), mas também surgem da interação, de necessidades que se materializam nas esferas onde são criados, de modificações pelas quais essas esferas passam. Em outras palavras, é nas situações de interação em determinadas esferas sociais que surgem os gêneros primários e secundários. Essas esferas, por sua vez, são perpassadas pelas ideologias do cotidiano e pelas ideologias institucionalizadas. Os gêneros, portanto, nascem da inter-relação entre esfera, interação, tipificação, enunciado e ideologias. As conversas de salão, por exemplo, tão citadas por Bakhtin (2004 [1929]): um mesmo ambiente, uma mesma circunstância, com pessoas de classe social e faixa etária semelhantes, vai produzir enunciados semelhantes, constituindo, assim, um “gênero da vida cotidiana”. O mesmo pode ocorrer com os gêneros secundários: os gêneros aparecem, assim, como resultado da complexificação da esfera. O surgimento do gênero e-mail, por exemplo, pode ser explicado pelo fato de que a comunicação feita a

longas distâncias não podia mais depender da carta no mundo globalizado.

Bakhtin (2003 [1953/54]) mais uma vez ressalta a importância do estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros discursivos para superar as concepções simplificadas da vida do discurso que estavam em voga na época. Além disso, “[...] o estudo do enunciado como unidade

real da comunicação discursiva permitirá compreender de modo mais

correto também a natureza das unidades da língua (enquanto sistema) – as palavras e orações.” (BAKHTIN, 2003 [1953/54], p. 269, grifo do autor). Para isso, é necessário considerar as duas dimensões inextricáveis do gênero, apontadas por Rodrigues (2005), que se estende também ao enunciado: a dimensão social – extraverbal, a situação social em que o discurso é proferido – e a dimensão verbal – linguística, com uma expressão material semiótica exprimida, materializada. É importante esclarecer que esses dois conceitos não são processos ou instâncias estanques ou separados (autônomos), mas interligados pelo próprio funcionamento do gênero nas diversas interações.

3.2.3 A didatização da teoria bakhtiniana em documentos