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4 A AMOSTRA E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.3 A abordagem metodológica

4.3.2 Metodologia da análise de orientação variacionista

4.3.2.3 Os grupos de fatores controlados em ambas as categorias

Tanto na análise dos clíticos quanto na dos possessivos, controlei dois grupos de fatores que julgo bastante relevantes, que são:

1) o paralelismo formal; 2) a localização na carta.

Além destes, decidi também controlar os seguintes grupos de fatores sociais: 1) a relação entre remetente e destinatário quanto à intimidade;

2) a relação entre remetente e destinatário quanto ao poder/solidariedade; 3) o gênero do remetente.

4.3.2.3.1 O paralelismo formal

O conceito de paralelismo formal (ou paralelismo linguístico) pode ser compreendido como a “repetição das variantes de uma mesma variável dependente no discurso” (SCHERRE, 1998, p. 29). Essa repetição pode se dar no plano discursivo (entre orações), oracional (no interior de uma oração), sintagmático (no interior de um sintagma) ou mesmo vocabular (no interior de um voccábulo).

Aplicando esse princípio ao fenômeno aqui estudado, significa que o paralelismo formal se dá quando formas do mesmo paradigma pronominal se repetem ao longo do texto da carta. Assim, a sucessão de formas t constitui um caso de paralelismo formal, como em:

(109) Sem carta tua que deva resposta mando-te esta para comunicar-te que acabo de mandar uma carta para o irmão Antonio Alves [C-020]

(110) a paz do Senhor seja contigo e todos de tua familia a mezes recebi uma carta tua na qual recordas os teus esforsos no trabalho do Senhor [C-095]

Igualmente, a sucessão de formas não-t também constitui um caso de paralelismo formal, como em:

(111) é com muito prazer que hoje estou vos escrevendo esta cartinha: primeiramente para vos dar as nóssas noticias e ao mesmotempo saberasvóssas [...] O mesmo desejo que esta var-vos encontrar gosando as mesmas juntamente com todos de vossa casa e a Igreja que ainda muito vos ama [C-133 - datilografada]

(112) É com imensa satisfação que faço-lhe a presente carta, a fim de dar-lhe nossas notícias, bem assim, saber das bençãos que o Senhor tem derramado aí nesse grande campo, entregue a muitos anos aos seus paternais cuidados. [C- 041 – datilografada]

Analisando a variação entre os clíticos com referência ao destinatário em cartas pessoais, com minha dissertação (ARAÚJO, 2014) constatei que a presença de uma forma do paradigma da P2 ou do paradigma da P3 antes da primeira ocorrência de te/lhe foi selecionada pelo GoldVarb X como um condicionador relevante da variação desses clíticos. O mesmo ocorreu em Souza (2014) na análise da variação te~lhe. A diferença entre as duas pesquisas quanto a esse grupo de fatores é que a primeira considera a forma nominativa (tu, você, o senhor etc.) anterior ao clítico, enquanto a segunda considera se o sujeito tu ou você ocorrem ao longo da carta de forma exclusiva ou em variação.

Nesta pesquisa, optei por controlar a forma com valor de P2 imediatamente anterior ao clítico, independentemente de sua função sintática, como um grupo de fatores. Assim, foi classificado para a análise o pronome como forma t (portanto, pertencente ao paradigma da P2 canônica) e não-t (pertencente a outro paradigma). Com isso se busca compreender a atuação do paralelismo formal discutido por Scherre (1998).

Na análise dos possessivos, o procedimento que adotei foi o mesmo: considerar qual o índice de 2ª pessoa do singular foi usado imediatamente antes do possessivo. Assim, há três possibilidades:

1) nenhum índice de 2ª pessoa antecedente; 2) forma t antecedente;

3) forma não-t antecedente.

Esse mesmo grupo de fatores foi controlado em Arduin (2005).

Tanto na análise dos clíticos quanto na dos possessivos, a minha hipótese para este grupo de fatores era a de que a presença de uma forma t anterior levaria ao uso do clítico te ou do possessivo teu, obedecendo ao princípio do paralelismo (SCHERRE; NARO, 2007).

4.3.2.3.2 Parte da carta (saudação inicial, corpo, despedida, post scriptum)

Conforme Paredes Silva (1988), uma carta pessoal apresenta, normalmente, três seções: a do contato, a do núcleo e a da despedida. Além dessas partes, Marcuschi (2000) reconhece outros elementos comuns nesse gênero textual: a identificação do local e da data, a saudação, a assinatura e o post scriptum (P. S.).

Nesta pesquisa, ao analisar a variação dos clíticos e dos possessivos com referência ao destinatário das cartas, decidi controlar a parte da carta como um grupo de fatores. Para isso, dividi cada carta em:

1) Saudação inicial. Ex.:

(113) Tem estas fins de dar-lhe minhas noticias [C-007]

(114) Dou em meu poder vossa carta de 1 de Dezembro, aqual respondo-vos [C-010]

2) Corpo. Ex.:

(115) Não tenho bem lembrança se estou lhe devendo resposta de certa carta sua, mas parece que sim [C-059 – datilografada]

(116) Irmão mostrei a cartinha do sr. a Mazú e ao Raimundinho, todos ficaram ciente do vossos dizeres [C-097]

3) despedida. Ex.:

(117) Os meus filhos te pedem a bençam e abraçam os primos, de tua irmã [C- 004]

(118) Saudo-lhe com o vessiculo 33 de Romanos do capitulo II | Seu irmão em Christo [C-021]

4) post scriptum. Ex.:

(119) Iracema manda perguntar quantos anos tem o seu filho mais novo [C- 017]

A hipótese que levantei para esse grupo de fatores foi a de que o clítico te e possessivo teu seriam mais frequentes nas seções de saudação inicial e de despedida, por ser nestas seções que o remetente costuma se dirigir ao destinatário de forma mais afetiva e pessoal, sendo o clítico te e possessivo teu mais adequados para marcar essa afetividade, pois não comportam os traços de formalidade e distanciamento dos demais clíticos e possessivos, antes formas de 3ª pessoa (o, lhe; seu) ou de reverência (vos; vosso).

4.3.2.3.3 Relação entre remetente e destinatário quanto à simetria

O Quadro 6 (pág. 145) apresenta uma subdivisão da amostra dentro dos grupos da intimidade, que tem a ver com a dicotomia de Brown e Gilman (1960) do poder e da solidariedade, classificando assim a relação entre remetente e destinatário em simétrica (de igual para igual, ou de solidariedade) e assimétrica (ou de poder). A relação assimétrica, por sua vez, pode ser ascendente (de inferior para superior), como no caso dos fiéis escrevendo ao pastor, ou descendente (de superior para inferior), como no caso do pastor-presidente escrevendo ao pastor. Assim, esse grupo de fatores se constitui de:

1) relação simétrica

2) relação assimétrica ascendente 3) relação assimétrica descendente

Esse grupo de fatores foi controlado apenas na rodada “te” vs. “lhe” e na rodada “teu” vs. “seu”, porque essas formas tiveram ocorrência em todos os grupos de remetentes.

 Relação simétrica:

(120) Os meus filhos te pedem a bençam e abraçam os primos, de tua irmã [C- 004 – carta de irmã]

(121) Em meu poder tua cartinha [C-073 – carta de pastor]

 Relação assimétrica ascendente:

(122) Hoje estou te escrevendo esta cartinha a fim de dar-te as minhas notícias [...] sim irmão Zeca peço-te que quando o irmão for visitar a igreja no Valentim me avise [C-054 – Carta de fiel]

(123) a qual era pra te haver respondido [...] Irmão Sempre tenho em lembrança os dias que trabalhemos juntos, pois ti amo [...] Caro irmão ti convido a fazeres um exforço a vir a festinha em Ponte-de-Serra [C-016 – Carta de pastor discípulo]

 Relação assimétrica descendente:

(124) mando-te esta cujo objetivo é te remeter esta circular [...] desde já te peço que procure um terreno [C-013 – Carta de pastor-presidente]

Exemplos de formas não-t quanto a este grupo de fatores:

 Relação simétrica:

(125) lanço mão da minha rude penna para lhe responder a sua emissiva cartinha [C-001 – Carta de cunhado]

(126) É com imensa satisfação que faço-lhe a presente carta, a fim de dar-lhe nossas notícias, bem assim, saber das bençãos que o Senhor tem derramado aí nesse grande campo, entregue a muitos anos aos seus paternais cuidados. [C-041 – Carta de pastor]

 Relação assimétrica ascendente:

(127) Querido papai | Peço-lhe abenção [C-132 – Carta de neta]

(128) É com o coração partido de saudades que estou escrevendo esta cartinha para dar-vos as minhas noticias e obter as suas [C-059 – Carta de fiel]

 Relação assimétrica descendente:

(129) Desejo que esta o encontre gozando saúde juntamente a sua familia [C- 107 – Carta de pastor-presidente]

Minha hipótese quanto a esse grupo de fatores é a de que o clítico te e o possessivo teu são mais recorrentes nas cartas de relações simétricas e nas de relações simétricas descendentes, devido ao traço de intimidade (solidariedade) ou ao indicativo de inferioridade do interlocutor.

4.3.2.3.4 Gênero do remetente

Este foi mais um grupo de fatores controlado nas rodadas “te” vs. “lhe” e “teu” vs. “seu”, com a hipótese de que as mulheres teriam usado mais a forma t (te, teu) do que os homens em suas cartas, conforme o pensamento de Labov (2001), que diz que as mulheres são mais conservadoras do que os homens empregando mais comumente as formas prescritas, que, no caso do tratamento ao interlocutor, seriam as formas da P2 canônica (formas t). Esse grupo de fatores foi testado em algumas pesquisas sobre essas mesmas variações com amostra de língua escrita (ARAÚJO, 2014; SOUZA, 2014; LUCENA, 2016; ARAÚJO, CARVALHO, 2017) e com amostras de fala (ARDUIN, 2005; ALMEIDA, 2009).

Eis alguns exemplos de clíticos e possessivos com valor de P2 por gênero do remetente:

 Remetentes femininos:

(130) e todos os teus sobrinhos te saúdam pedindo a tua bençam [C-043] (131) É com o coração partido de saudades que estou escrevendo esta

cartinha para dar-vos as minhas noticias e obter as suas [C-059]

 Remetentes masculinos:

(132) a Nazare tem vontade de ti conhece tanto o irmão como os teus. [C- 069]

(133) É com imensa satisfação que te escrevo estas veixadas linhas para dizer-te que recebi a sua amorosa cartinha [C-043]