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Os hábitos alimentares e de compra dos agregados do grupo primário

Uma vez que os resultados dos livretes-sonda transitam e fundamentam a etapa seguinte, os assuntos de seguida apresentados foram os que se consideraram mais relevantes para o tema tratado, registados no diário de campo II e que não puderam ser integrados no livrete. Em termos metodológicos algumas observações constituem argumentos para uma melhoria da ferramenta aplicada62.

“… não tomam pequeno almoço nem lancham a meio da manhã, se estiverem sozinhas ao almoço não se prestam a fazer almoço só para elas e, por isso, acabam por fazer 2 refeições certas: lanche e jantar. (…) a CA usa 1 caldo Knorr em cada uma das refeições que prepara. Ambas parecem não ter hábito de comer sopa e/ou fruta às refeições (…) CA diz que prefere trazer o frango inteiro e cortá-lo em casa porque já chegou a vir com coxas demasiado pequenas (do talho) … GA chama leite branco ao simples e não gosta de o tomar. Em casa da AA, o açúcar é consumido em muito grandes quantidades: 4 pessoas gastam mais de 1 kg de açúcar por semana. Dificilmente comem peixe em casa, muito menos fresco. A irmã da AA aquece o leite, adiciona 2 colheres de sopa de açúcar, mais 2 colheres de sopa de chocolate em pó e depois os Chocapic. Na casa da AA só uma coisa tem que ser de 1 marca específica: leite achocolatado da Agros, para a irmã mais nova. (…) O filho mais novo só come fruta de frasco (compra no Minipreço), lamenta isto, até porque fica caro. O companheiro às vezes cozinha, mas as doses que ele faz

60 Na primeira página do livrete era pedido que dissessem algo sobre si que fosse motivo de orgulho e esta participante mencionou, além de ser mãe, a sua origem angolana.

61 Este facto, é o motivo de orgulho desta participante que declara ter orgulho “em não ter abandonado o meu irmão”.

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são demasiado pequenas. (…) Até agora foi a única das participantes que refere a sopa em todas as refeições (almoço e jantar). (…) Ela e o companheiro levantam-se tarde e por isso as refeições são tardias. O almoço, fazem por fazê-lo à hora da telenovela, para verem enquanto comem. Costumam fazer as compras ao mês, e por isso o exercício da lista de compras semanal foi um bocado demorado. BA também faz o jantar na sogra, que diz ser sempre: batatas fritas, arroz, panados ou bifanas… e diz que está farta de comer sempre aquilo. Passa o dia quase sem comer. Alimenta-se à base de cafés, enquanto o dinheiro permite. Diz que quando há dinheiro para iogurtes líquidos, os compra, mas não parece trocar um dos cafés que toma por 1 iogurte. À tarde faz a primeira e única refeição que costuma fazer em casa, 1 lanche: pão com fiambre ou queijo e 1 copo de sumo (às vezes o iogurte).” [diário de campo, entre 14 e 25 de Maio de 2015]

Algumas mulheres explicaram que a motivação ou obrigação de cozinhar desvanece se estiverem sozinhas, o que geralmente acontece durante os dias úteis. Esta foi a principal razão apontada para a redução do número de refeições diárias, chegando a ser de apenas duas, concentradas no fim do dia. Outra particularidade apontada por uma das participantes tem que ver com as dinâmicas familiares e os horários tardios das refeições, que fazem coincidir com a programação televisiva. Estes dois factos acabaram por realçar algumas falhas na conceção dos questionários, no que respeita à enumeração das refeições sem distinguir hábitos de semana e fim de semana, além da falta de um campo onde as inquiridas pudessem registar os horários das suas refeições.

À medida que vão respondendo às questões, as participantes vão revelando

consciência de erros alimentares cometidos pelo excesso e escassez de determinados alimentos, assim como vão fazendo referência a implicações das opções alimentares sobre o orçamento familiar e vice-versa. Entre os excessos, o consumo elevado de açúcar destaca-se de sobremaneira, associando-se ao consumo de leite (com cereais), refrigerantes e chocolate, e apesar de ser uma tendência nas várias faixas etárias, é especialmente problemático nas crianças e jovens. A frequência no uso de caldos Knorr e na repetição diária de refeições à base de fritos, vão expondo o consumo excessivo de sal e fritos, ainda que estes não sejam sempre assumidos como erros alimentares. Uma das participantes relata ainda uma forte dependência na cafeína, como fonte quase exclusiva de energia para as primeiras seis a sete horas do dia. Este hábito, como a própria refere, está intimamente dependente da

disponibilidade de orçamento e que chega a condicionar a opção pelo consumo de alimentos mais benéficos, em prol do vício no consumo de café.

Quanto à escassez ou ausências nas rotinas alimentares, o destaque vai para a sopa e frescos, nomeadamente fruta e peixe, que parecem estar mais associados às preferências do que a implicações orçamentais.

Sobre o orçamento familiar, algumas das inquiridas revelaram preocupações e

mesuras no controlo deste, desde o corte da carne em casa para não haver perdas na quantidade, ao descontentamento no consumo de fruta processada em vez de natural, e a gestão mensal das compras. Este último facto evidenciou que as questões que

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abordavam os hábitos de compras deveriam abranger tanto a gestão semanal, como a mensal.

As perguntas e os exercícios propostos proporcionaram pistas sobre aspetos a refletir e que culminou num posicionamento crítico que cada participante inscreveu na matriz BOSa, e que a Tabela 1 agora reúne.

Analisando a tabela é possível depreender alguns aspetos que parecem constituir desafios na ótica das participantes para a melhoria das suas rotinas alimentares (como são exemplo, as referências à necessidade de consumo de peixe e à

redução/eliminação de gorduras e açucares), além de outras questões que mereceriam ser retomadas (como o entendimento de “saudável”, “dieta” e

“equilibrada”). As repostas dadas por duas das participantes são óbvias declarações: “não gosto de cozinhar nem de comer” (CA) e “não comemos melhor porque não temos dinheiro” (BA).