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C) Estrutura da pesquisa

2. DOS CONDICIONANTES CONSTITUCIONAIS À ATIVIDADE

2.9. A proposta hermenêutica de releitura do processo de demarcação dos

2.9.3. Os instrumentos da hermenêutica concretizadora

Hesse (2009-D, p. 108) considera que “interpretação constitucional é concretização”, ou seja, a atividade que se destina a revelar o conteúdo da Constituição a partir da conjugação do texto à “realidade” que se pretende ordenar. Daí dizer ele que a interpretação constitucional tem caráter criativo, pois somente com ela se tem por completada a construção do conteúdo da norma interpretada (2009-D, p. 109).

Ao tratar das condições da interpretação constitucional, Hesse (2009-D, p. 109) afirma que a concretização pressupõe a compreensão do conteúdo da norma que se pretende

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concretizar, o que deve decorrer da intercessão da pré-compreensão do intérprete com problema pendente de solução. O intérprete, assim, realiza a mediação entre o texto normativo e o problema, ou, nas palavras de Canotilho (2003, p. 1212), “entre texto e contexto.”

Hesse (2009-D, p. 109) assevera a necessidade de que o intérprete, ao promover essa mediação entre o texto normativo e o problema, insira-se concretamente na situação histórica, de modo que possa contemplar o contexto a partir de suas pré-compreensões, estas que deverão condicionar a compreensão do conteúdo da norma.

Acerca das pré-compreensões, Sampaio (2013. p. 439) afirma que elas “conduzem, no mínimo, à etapa inicial da hermenêutica, criando um projeto de interpretação do texto (...).” Daí a razão de Hesse (2009-D, p. 110) advertir acerca da imprescindibilidade de justificação das pré-compreensões do intérprete, de modo a evitar que a compreensão do problema resulte de uma mera projeção de pré-juízos. Ressalta, então, que a compreensão inicial deve ser objeto de sucessivas “correções e revisões”, até que se tenha por suficientemente esclarecido o sentido da norma. Como diz Canotilho (2003, p. 1212), é a noção “círculo hermenêutico”174, que transforma “a interpretação num movimento de ir e vir” entre o texto e o contexto.

Fica evidente que para Hesse (2009-D, p. 110-111) a interpretação constitucional se desenvolve a partir desses três elementos: as pré-compreensões, o texto normativo e o problema em questão. Isso por considerar que interpretar não é apenas revelar o sentido de algo que preexiste abstratamente. A norma, pois, será concretizada como resultado de uma “tópica”175 condicionada (“vinculada”) pela norma (texto normativo), mas na qual o intérprete deverá considerar todas as possibilidades interpretativas da norma interpretada, e não apenas a que tender a confirmar suas pré-compreensões.

A interpretação constitucional, segundo Hesse (2009-D, p. 113) deve ser desenvolvida sob a orientação de princípios. Menciona inicialmente o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual esta deve ser tomada como um conjunto sistêmico de

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Sobre o funcionamento do círculo hermenêutico, Sampaio (2013, p. 427) apresenta a seguinte sistematização: “a) o intérprete não é um ser neutro, ele sempre tende a impor ao texto um sentido prévio; b) o questionamento dessa imposição pessoal ao texto é obrigatório. Interpretar não é um ato arbitrário de vontade; c) a construção de sentidos é um processo social e exige comprometimento do intérprete, de modo a identificar as múltiplas interpretações constitucionais e, ao mesmo tempo, promover a integração de todos; d) o texto, mesmo com todas as ambiguidades e aberturas semânticas, limita essa arbitrariedade ao ponto de serem requisitadas operações de ajustes entre as partes (palavras dentro de artigo, artigos entre si, bem como entre parágrafo e incisos) com o todo (o significado que, enfim, damos ao texto)”.

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Canotilho (2003, p. 1211) define a tópica como “uma arte de invenção (inventio) e, como tal, técnica de pensar problemático.” A tópica se desenvolveria da seguinte maneira: “os aplicadores-intérpretes servem-se de vários topói ou pontos de vista sujeitos às provas das opiniões pró e contra, a fim de descortinar, dentro de várias possibilidades derivadas da polissemia de sentido do texto constitucional, a interpretação mais conveniente para o problema.”

elementos176 e dessa maneira há de ser interpretada, a fim de evitar que a consideração isolada de determinados aspectos possa conduzir à conclusão de que existam contradições entre suas normas. Como esclarece Sampaio (2013, p. 442), essa unidade da Constituição deve ser compreendida como a unidade de suas normas, ou seja, como resultado da interpretação do texto no contexto, e não a partir do cotejo de dispositivos no plano abstrato. A unidade, assim, será “sempre a posteriori, concreta e móvel”.

Hesse (2009-D, p. 113-114) se refere também ao princípio da concordância prática, segundo o qual a interpretação deve conduzir a uma solução do problema que preserve ao máximo os bens ou valores que se encontrem em colisão, evitando-se que uma precipitada ponderação proponha a realização de um em sacrifício do outro. Essa “máxima otimização” se destina a viabilizar que ambos os bens tenham uma ótima efetividade, como consectário também do princípio da unidade da Constituição, o qual possui estreita relação com o da concordância prática.

Os limites de coexistência entre esses bens seriam concretamente apontados pela proporcionalidade, que Hesse define nesse contexto como “uma relação entre duas magnitudes variáveis, concretamente aquela que corresponda melhor a essa tarefa de otimização e não uma relação entre um ‘objetivo’ constante em um ou mais ‘meios’ variáveis.”

Embora Hesse, neste ponto, não se refira à proporcionalidade como princípio, parte177 da doutrina nacional o faz. Nesse sentido, Sampaio (2013, p. 450) afirma que a proporcionalidade, como princípio, ampliou-se para além da noção geral de “proporção como equilíbrio”, servindo hoje “para aferir se uma dada intervenção no âmbito dos direitos fundamentais é legitima ou indevida. Em geral, diz proporcional a intervenção que não é excessiva tampouco insuficiente. Excessiva para restringir um direito; insuficiente para realizá-lo”.

Sampaio (2013, p. 451) aponta como fundamentos constitucionais da proporcionalidade a necessidade de harmonização da coexistência dos direitos fundamentais,

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Acerca dessa questão, com as perspicácia que lhe é peculiar, Grau (2013, p. 84) também adverte que “Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.”

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Afirmando que, no sentido estrito, a proporcionalidade não é princípio, mas regra que integra o procedimento de construção racional do discurso, Cardoso (2001, p. 201-202, em nota de rodapé) esclarece a concepção de Alexy a respeito do tema: “O autor apresenta a proporcionalidade no capítulo III, tópico 8, de sua teoria de los derechos fundamentales como sendo uma máxima. Em diversas passagens de sua obra, denomina proporcionalidade – além de máxima – de princípio (p. 539, p. ex.) ou de regra (p. 112, p. ex.). Esclarece, entretanto, que adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito, não são máximas nem princípios, por não serem ponderadas frente a algo diferente. São satisfeitas ou não, e sua não satisfação tem como consequência a ilegalidade.” Cardoso, ao longo da obra em referência, volta a se referir à proporcionalidade como regra (p. 205, 209, 217, p. ex).

associada aos ditames do Estado democrático de direito, sendo “um juízo teleológico de compatibilização de meios (restritivos) e fins (promocionais), levando em conta a relevância das normas comparadas.”

Para Sampaio, a proporcionalidade estaria subdivida em três máximas ou subprincípios: idoneidade (ou adequação, aptidão), necessidade (ou exigibilidade, alternativa menos prejudicial) e ponderação (ou proporcionalidade estrita). E, sobre elas, faz a seguinte explanação:

De acordo com a idoneidade (adequação, aptidão), a medida restritiva deve ser, pelo menos em tese, capaz de realizar a finalidade a que se propõe: promover outra norma, mais exatamente, objeto ou bens constitucionais. Cuida-se de uma avaliação abstrata e pouco exigente. Basta, em tese, que o seja. É preciso deixar dito que, para alguns, essa máxima inclui o pressuposto da finalidade legítima ou constitucional. A necessidade (ou exigibilidade) requer que se considerem outras alternativas igualmente eficazes e disponíveis ao legislador, quando escolheu o meio restritivo em questão. Se não existir, de maneira evidente, medida menos gravosa ou menos restritiva, a máxima estará atendida. Finalmente, chega-se à proporcionalidade estrita ou ponderação178, tema que já apresentamos anteriormente.

Sampaio (2013, p. 456-457) trata, ainda, do princípio da razoabilidade,179 que descreve como “a racionalidade do possível”, associando-a à adequação entre meios e fins.

Após mencionar a existência de controvérsia acerca da cogitada identidade entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade, Sampaio afirma que a doutrina Alemã promove essa distinção. Ele, contudo, sugere que a proporcionalidade corresponderia a uma das manifestações da razoabilidade180. E nesta linha de entendimento apresenta os três sentidos que, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, poderiam ser conferidos à expressão razoabilidade: i) proporcionalidade (instrumentalidade), já tratada anteriormente; ii) coerência, com corresponde clareza das leis, bem como da conformação destas com o sistema constitucional; iii) correspondência com a realidade, ou seja, o programa normativo deve ser suscetível à conformação com os fatos, com a realidade e a natureza das coisas (SAMPAIO, 2013, p. 458).

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Para Sampaio (2013, p. 444) ponderação “ é definida como a operação em que se comparam os argumentos trazidos em defesa de cada norma em conflito, de modo a identificar justificadamente qual haverá de prevalecer para reger um caso concreto.” E mais adiante afirma que “Como resultado desta operação encontra-se uma regra de precedência condicionada de uma norma constitucional sobre a outra. Regra que impõe para os caso as consequências da norma prevalente.”

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No mesmo sentido de compreender a razoabilidade como princípio: CARDOSO, 2011, p. 220. Que entendem a razoabilidade como postulado normativo, ou seja, como condições para compreensão concreta do Direito (ÁVILA, 2013, p. 154): ÁVILA, 2013, p. 173 e 205. Grau, por sua vez, considera a razoabilidade (assim como a proporcionalidade, que tem como figuras distintas) com “pautas normativas de aplicação do direito.”

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A distinção dos conceitos de proporcionalidade e razoabilidade é apontada como desnecessária por Barroso (2012, p. 328). Em sentido contrário, sustentam a não identidade conceitual: ÁVILA, 2013, p. 180-182; CARDOSO, 2011, p. 220-221.

Retomando por diretriz da pesquisa o pensamento de Hesse (2009-D, p. 115), registre-se a alusão ao princípio da correção funcional. Esse se destina sobretudo a regular o correto exercício das competências estabelecidas na Constituição, dirigindo-se especialmente aos órgãos aos quais se atribui o exercício da jurisdição constitucional, que deverão se abster de limitar a atuação de legislador que atue em conformidade com a Constituição.

Hesse (2009-D, p. 115) também se refere ao critério da eficácia integradora da Constituição, que a doutrina, entretanto, trata como princípio (CANOTILHO, 2003, p. 1224; SAMPAIO, 2013, p. 461). A partir dele, tem-se que as soluções interpretativas devem privilegiar os pontos de vista que reforcem a unidade política que a Constituição se propõe criar.

Por fim, Hesse apresenta a força normativa da Constituição, traço mais característico de toda a sua obra, que também trata como um critério de interpretação constitucional, mas que, do mesmo modo como se deu em relação ao critério anterior, a doutrina compreende consubstanciar verdadeiro princípio (CANOTILHO, 2003, p. 1226). Levando em consideração o caráter histórico das normas constitucionais, do que decorre a necessidade de perene atualização de seus conceitos, a interpretação constitucional deve ser desenvolvida de modo a preservar a sua eficácia, possibilitando a compatibilização das normas da Constituição com o ambiental social.

Ao arrematar suas considerações, mesmo admitindo a impossibilidade de se conferir absoluta exatidão à interpretação constitucional, Hesse (2009-D, p. 116) afirma que “resultados sólidos, racionalmente explicáveis e controláveis” serão obtidos com maior possibilidade caso essa atividade seja realizada considerando a vinculação entre a norma e o problema concreto. Ressalta (2009-D, p. 117), no entanto, que as possibilidades interpretativas devem sempre estar compreendidas no texto constitucional. Por isso considera que a Constituição exerce uma função “racionalizadora, estabilizadora e limitadora”, que veda peremptoriamente a possibilidade de desvio ou reforma de seu texto por meio da interpretação, sob pena de que, a pretexto de interpretar, o intérprete promova o que ele denominou de “enfraquecimento constitucional.” Em outros termos, o texto legal é fundamento e ponto de partida mas, ao mesmo tempo, é também o limite da interpretação constitucional.