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Os terrenos de marinha: da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro à

C) Estrutura da pesquisa

1.2. Os terrenos de marinha: da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro à

Importante notar que, até o final do século XVIII, a premissa que orientava a disciplina normativa das marinhas e das praias era a impossibilidade de utilização privativa dessas áreas, o que se conclui a partir das recorrentes referências ao fato de esses bens serem destinados ao serviço público e ao uso comum do povo. Todavia, essa diretriz começa a experimentar flexibilização já no início do século XIX. A propósito, o Decreto de 21 de janeiro de 1809, expedido pelo soberano de Portugal já em terras brasileiras, autorizou a concessão, em aforamento ou arrendamento, das “praias da Gamboa e Sacco do Alferes”.

Essa modificação teve como um dos elementos determinantes a maior demanda por espaços para moradia e serviços na cidade do Rio de Janeiro (PINTO, 2007, p. 89 e 115), como decorrência do aumento populacional28 verificado após a transferência da Família Real Portuguesa em 1808. É tanto que a justificativa para a realização das concessões a que se referiu o citado Decreto foi a “grande falta que há nesta Cidade de armazéns, trapiches em que se recolham trigos, couros e outros gêneros (...)” (LIMA, 1865, p. 14).

Mas não foi somente o déficit de estrutura urbana que motivou que se autorizasse a utilização desses espaços. A mudança da sede da Coroa Portuguesa para a cidade do Rio de Janeiro tornou necessária a construção de uma “Nova Metrópole”, a qual viria a ser a futura sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves29. Tal empreitada produziu, como conseqüência inevitável, a elevação dos custos de manutenção da Família Real (MALERBA, 2000, p. 232), o que exigia o incremento das receitas da Coroa. Foi por isso que o referido Decreto prescreveu que a concessão se fizesse em favor de “quem mais possa oferecer e em breve tempo possa principiar a edificar”.

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Há grandes divergências quanto ao número de pessoas que acompanharam a família real portuguesa durante a fuga para o Brasil. Segundo Malerba (2007, p. 233), teriam chegado com a corte portuguesa aproximadamente 15.000 (quinze mil) pessoas. Contudo, Cavalcanti (2007, p. 154), afirma que apenas 420 pessoas teriam acompanhado a família real na chegada em 1808.

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A elevação da colônia à condição de Reino Unido somente veio a se verificar em 1815. Até então, a condição do Brasil ainda era de mera colônia na qual permanecia, apenas circunstancialmente, a Família Real.

Manifesta, por conseguinte, a relevância30 do Decreto de 21 de janeiro de 1809 para o tema em estudo, já que promoveu significativa alteração no instituto das “marinhas”, que até então, como regra, deveriam permanecer desimpedidas e destinadas somente ao serviço público e ao uso comum do povo. A partir daquele instrumento normativo, apresentou-se para aquela categoria de bens uma nova vocação31, passando eles, então, a funcionar como importante fonte de receitas para a Coroa.

E o aumento da demanda pela utilização das marinhas fez mais evidente ainda aquela necessidade já cogitada na Ordem Régia de 7 de maio de 1725, no sentido de se estabelecer uma medida de referência para essa faixa de terras. E ao ensejo dessa exigência foi expedido o Aviso32 de 18 de novembro de 1818 (LIMA, 1865, p. 6), primeiro instrumento normativo que se presta a informar o parâmetro para medição das marinhas.

Diz o citado Aviso que “da linha d'água para dentro sempre são reservadas 15 braças pela borda do mar para serviço público.” As “braças” em referência são as braças craveiras33, que correspondem pelo sistema métrico atual a 2,20 metros. Dessa relação (15 x 2,20 metros), chega-se aos 33,00 metros34 que representam na atualidade a medida de largura dos terrenos de marinha.

Mas mesmo com a definição de uma unidade de medida para as marinhas, não tardou para que os efeitos do ímpeto arrecadatório, demonstrado no Decreto de 21 de janeiro de 1809, mostrassem-se danosos. Como o referido Decreto não cuidou de indicar quem teria a atribuição de conceder títulos às pessoas que pretendiam construir trapiches, armazéns e outros estabelecimentos nas marinhas, diversas autoridades vinculadas à Coroa se sentiram habilitadas a fazê-lo. E disso resultou uma ocupação desordenada da região das praias da Gamboa e Sacco do Alferes.

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A afirmação de que o mencionado Decreto teve relevância para o tema em estudo não significa dizer que esse instrumento normativo representou uma contribuição positiva. Na verdade, ele abriu os caminhos para a apropriação de espaços que, até então, sempre permaneceram excluídos de utilização privativa por particulares.

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Não se pode considerar equivocada a afirmação de que o Decreto de 21 de janeiro de 1809 inaugura a utilização remunerada das “marinhas”, que menos de duas décadas depois deram origem aos terrenos de marinha. Ainda que se cogitasse afirmar que o aforamento das “marinhas de sal” tenha sido autorizado desde 1534 por meio das Cartas Régias destinadas aos então Capitães Donatários, conforme já mencionado neste trabalho, a produção de sal no Brasil Colônia, segundo MAIA (2011, p. 30), encontrava-se proibida desde 13 de julho de 1632, em razão do estabelecimento do monopólio em favor das salinas de Setúbal, de Alverca da Figueira em Portugal. Em 1690, a proibição foi ampliada para o fim de vedar inclusive o consumo de sal extraído de depósitos naturais (MAIA, 2011, p. 31). Esse monopólio perdurou por 170 anos, somente tendo fim em 1802 (MAIA, 2011, p. 37)

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Trata-se de Aviso, e não Ordem Régia, como afirmado por alguns.

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Essa afirmação se fundamenta no fato de que, logo mais adiante, o art. 4.º da Instrução de 14 de novembro de 1832 faz referência expressa a essa unidade de medida.

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Sobre o fundamento para adoção dessa medida de 15 braças ou 33,00 metros, este trabalho dedicará seção (1.6) específica para o trato da questão.

Como forma de minimizar os problemas, em 13 de julho de 1820 foi expedido um novo Decreto, o qual determinou que a competência para expedição de qualquer autorização para utilização das marinhas seria da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos (LIMA, 1865, p. 16).

Nada obstante, o desacerto na concessão do aforamento das praias da Gamboa e Sacco do Alferes ficou ainda mais evidenciado poucas décadas depois, com a necessidade de o poder público promover a desapropriação dos mesmos armazéns e depósitos que o citado Decreto de 21 de janeiro de 1809 tanto almejava que logo fossem construídos.

Acerca dessa questão, em 1875, Souto (1875, p. 65) relata a necessidade de se incluir no orçamento verbas destinadas ao pagamento das necessárias indenizações, uma vez que tais armazéns e depósitos deveriam ser removidos do local onde se encontravam edificados, a fim de que se pudesse realizar o aterro da enseada compreendida entre a Ilha das Moças35, antiga denominação da Ilha do Caens, e o morro da Gamboa, atual morro da Providência.

Em 1820, a Consulta e Resolução de 12 de abril daquele ano36 tratou de questão relativa à concessão de determinada área a um interessado. Esse ato não seria digno de nota se não fosse o fato de ter sido o primeiro a fazer uma confusão ainda hoje recorrente. A referida Consulta e Resolução utilizou a expressão “terreno da marinha”, que certamente corresponde à mesma categoria de bens que atualmente todos sabem se designar de “terrenos de marinha”. Não fosse essa pequena divergência, seria essa Consulta e Resolução o primeiro registro da denominação atual desses terrenos.

Bem perto de receber essa qualificação (primeira referência ao termo “terrenos de marinha”) também chegou o Aviso de 13 de julho de 1827. Em seu texto utiliza a expressão “terrenos a beira-mar”, dizendo que estes correspondem ao espaço compreendido entre o “bater do mar e a terra firme, que deve reputar como Marinha”. Em outro trecho menciona que “terreno que propriamente se chama Marinha é aquele que se compreende em 15 braças entre a terra firme e o bater do mar nas águas vivas.” Como se percebe, esse Aviso faz inequívoca referência aos terrenos de marinha, mas também não utiliza literalmente essa expressão. E a propósito, é tão certo que o Aviso de 13 de julho de 1827 se refere ao que hoje

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Para que ninguém a procure, é preciso dizer que a referida ilha, antes localizada na esquina da Rua Santo Cristo com Praia Formosa, praia esta que corresponde atualmente à Rua Pedro Álvares, foi completamente devastada para que sua areia fosse utilizada na construção do cais do porto em 1906. Eis aí mais uma demonstração da atemporalidade da afirmação feita pelo filho de Dona Canô: “a força da grana que ergue e destrói coisas belas.”

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A referida “Consulta e Resolução” constitui-se em típico ato composto, sendo constituído de uma exposição de razões elaboradas pelo Conselho da Fazenda, que neste caso foi datada de 27 de março de 1821, e, ainda, de uma manifestação do então Imperador, data de 12 de abril do mesmo ano, que ao final simplesmente afirmou “Como parece.”

se considera terreno de marinha, que Reis (1923, p. 312), em obra prefaciada por Augusto Tavares de Lira e aprovada, mediante Carta, por Clóvis Bevilaqua, afirma que o citado Aviso definiria “em termos precisos” o que seriam os terrenos de marinha.

Realmente a definição do instituto é precisa no Aviso de 13 de julho de 1827, assim como certa foi a alusão constante no Consulta e Resolução de 12 de abril de 1821. Entretanto, em nenhum destes normativos foi usada a expressão literal “terrenos de marinha”, o que conduz à conclusão de que foi o Aviso de 7 de julho de 1829 o primeiro a se referir expressamente à designação “terrenos de marinha”.

Além de ser a primeira disposição normativa37 a mencionar expressamente a designação “terrenos de marinha”38, o Aviso de 7 de julho de 1829 tem outros dois significados históricos.

O primeiro deles é que se chancela aqui a conclusão de que os terrenos de marinha são “cariocas”, tal como cogitado por Diógenes Gasparini (2009, p. 936)39, uma vez que o objeto do citado Aviso foi o trato de determinadas construções que se localizavam na Praia Formosa e Sacco de São Diogo, no Rio de Janeiro. ´

Além disso, o citado Aviso também termina por apartar definitivamente os terrenos de marinha das praias marítimas, colocando-os como categorias distintas de bens públicos40. A essa conclusão se chega a partir da leitura de trecho do citado instrumento, quando Sua Majestade o Imperador mandou “desfazer, no prazo de oito dias, quaisquer muros ou cercados com que tenham obstruído as praias e terrenos de Marinha.” É a partir desse Aviso que os

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Não se cogite afirmar que, por se tratar de “Aviso”, não se estaria diante de disposição normativa, ou seja, uma norma primária tal como hoje é admitida e que é capaz de restringir direitos e criar obrigações. Isso se afirma em razão de que o ordenamento jurídico de então não se assemelhava com o atualmente vigente, sendo o Aviso o instrumento normativo por meio do qual o Soberano expedia as normas de sua competência. Para ilustrar o caráter normativo dos Avisos Imperiais, foi por instrumentos desta natureza que importantes atribuições foram outorgadas aos Promotores de Justiça, conforme disposto nos Avisos de 20 de outubro de 1836 e de 16 de janeiro de 1838 (MARANHÃO, 2004. p. 83), e que foram aprovados os Estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros (Aviso de 7 de agosto de 1843), entidade que deu origem à atual Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

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Essa circunstância enseja mais uma ressalva a muito do que se escreveu sobre o tema. Há diversos registros em artigos, dissertações e obras doutrinárias no sentido de que a Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831 teria sido a primeira disposição normativa a mencionar a designação “terrenos de marinha”. Isto, como se viu, é uma afirmação equivocada.

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Pode-se até afirmar que os terrenos de marinha não só “nasceram”, mas também que tiveram sua “infância e juventude” no Rio de Janeiro. Quase a totalidade dos instrumentos normativos referenciados neste trabalho se referiram a questões verificadas naquela cidade. A propósito do tema, tem especial relevância o disposto no art. 1.º das Instruções de 14 de novembro de 1832, que regulamentaram a aplicação da Lei de 15 de novembro de 1831. O referido artigo menciona que o objeto das Instruções é a demarcação “no termo desta Cidade”, que era o Rio de Janeiro. Mais à frente, o artigo 15 das mesmas Instruções determina que o disposto naquela norma fosse aplicado também nas demais cidades e vilas litorâneas do Império.

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A confusão entre praias e terrenos de marinha, celeuma que ainda hoje se verifica, era recorrente nos instrumentos normativos que disciplinavam as marinhas. Referencie-se, a propósito, as ordens Régias de 21 de outubro de 1710, de 7 de maio de 1725 e de 10 de dezembro de 1726, em que as marinhas são apontadas como espaços que se encontram compreendidos nas faixas de praias.

terrenos de marinha passam a ser tratados como bens distintos das praias, e nestas compreendidos41.

A Lei Orçamentária de 15 de novembro de 1831, mesmo sem ser o primeiro diploma a mencionar a expressão “terrenos de marinha”, não foi por isso menos importante para o tema. Isso em razão de que foi ela a primeira disposição legal, aprovada na forma da também primeira Constituição Brasileira42, a dispensar tratamento àqueles bens.

Além do mais, essa Lei ratificou a vocação que o referido instituto assumiu a partir do Decreto de 21 de janeiro de 1809, no sentido de se prestar como fonte de receitas públicas. É tanto que, por meio da Circular de 12 de dezembro de 1832, foi determinado aos Governadores das províncias a “maior atividade na pronta execução do Regulamento, para a medição, demarcação, e arbitramento de foro de terrenos de marinhas.”

A referida Lei, todavia, não cuidou de indicar o que se deveria considerar como terreno de marinha, providência de que somente o seu Regulamento tratou. Na forma do art. 102, XII, da Constituição de 1824, incumbia ao Poder Executivo baixar instruções “adequados à boa execução das leis”. E com propósito de regulamentar o disposto da Lei de 15 de novembro de 1831, foram aprovadas pelo Presidente do Tesouro Público Nacional as Instruções de 14 de novembro de 1832, também conhecidas como “Instrução n.º 348,”43que se constituíram na primeira regulamentação do processo de demarcação dos terrenos de marinha.

Após fixar a competência para realização da atividade demarcatória, as Instruções de 14 de novembro de 1832 dividiram os terrenos de marinhas em três categorias: os reservados aos logradouros, os ocupados por particulares e os que se achavam ainda devolutos. Em seguida, afirmaram que a referida atividade seria realizada com o auxílio de um Engenheiro e de um “medidor”44.

Das questões tratadas em tais Instruções, certamente a mais relevante foi a formulação da primeira definição objetiva de terreno de marinha, sendo oportuno se transcrever na íntegra o dispositivo em que ela foi apresentada:

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Pelo que se extrai do teor da Ordem Régia de 7 de maio de 1725, entendia-se que as marinhas se constituíam em uma parcela das praias, já que afirmava: “(...) alguns moradores, que possuem casa da banda do mar, tratando do seu acrescentamento, as avançaram tanto a ele, que totalmente deixaram as praias sem marinha (...)”. Afirmação semelhante foi feita na Ordem Régia de 10 de dezembro de 1826.

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A primeira Constituição brasileira foi outorgada em 25 de março de 1824.

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Quando baixadas as Instruções de 14 de novembro de 1832, estas não possuíam qualquer numeração de ordem, o que autoriza a afirmação de que elas não surgiram como “Instrução 348”. Tal designação passou a ser adotada por alguns autores a partir da edição, em 1875, pela Typographia Nacional, da “Colecção das Decisões do Governo do Império do Brazil”. Na página 342 da referida obra, as aludidas Instruções receberam a numeração de ordem “348”, o que ensejou a referência a esse normativo como “Instruções n.º 348”.

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A descrição da função exercida pelo tal “medidor” permite concluir que se trata de profissional que, nos dias atuais, corresponde ao topógrafo.

Art. 4,° Hão de considerar-se terrenos de marinha todos que, banhados pelas águas do mar, ou dos rios navegáveis, vão até a distância de 15 braças craveiras para a parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamar médio.

Importante perceber que o referido dispositivo ratifica a conclusão de que os terrenos de marinha têm origem no instituto das antigas marinhas, disciplinadas nas ordenações vigentes durante os períodos colonial e do Reino Unido, uma vez que aproveita quase que integralmente a definição de marinhas apresentada no Aviso de 18 de novembro de 1818. E diga-se “quase” pois o conceito veiculado nas Instruções de 1832 amplia o que se deveria entender por terrenos de marinha, ao afirmar que também se considerariam como tais os terrenos, de mesma largura, localizados nas margens dos rios navegáveis45.

É digno de nota, ainda, o fato de que o referido dispositivo não fez qualquer menção a uma referência temporal fixa, ou seja, a um ano determinado que deveria ser utilizado como paradigma para aferição da preamar média46, diferentemente do que hoje se verifica em relação ao ano de 1831.

Merece também registro a questão alusiva às pessoas que poderiam acompanhar a atividade de demarcação, pois além de indicar os agentes públicos que deveriam assistir ao ato, afirma que seriam convidados47 os já ocupantes dos terrenos ou mesmo os pretendentes daqueles “ainda devolutos”.

Por fim, no art. 11 de tais Instruções que ficou estabelecido o foro pela utilização dos terrenos de marinha, que seria devido no patamar de 2,5% (dois e meio por cento).

A inexistência de qual deveria ser a referência temporal utilizada para demarcação dos terrenos de marinha, terminou por ensejar várias dúvidas oriundas das diversas províncias do Império. Em resposta a uma delas, a Ordem de 12 de julho de 1833, destinada ao

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Atualmente, em conformidade com o disposto no art. 2.º, parágrafo único, do Decreto-lei 9.760/1946, quanto aos terrenos localizados nas margens dos rios e lagoas, estes somente são considerados terrenos de marinha quando neles se faça sentir a influência das marés, que fica caracterizada caso se verifique, em qualquer época do ano, oscilação periódica do nível das águas em pelo menos 5 (cinco) centímetros. Não havendo influência das marés, os terrenos situados nas margens de correntes lindeiras a corpos de água federais, são conceituados como terrenos marginais. Estes possuem largura de 15 metros, que devem ser medidos de forma horizontal a partir da linha média das enchentes ordinárias (art. 4.º do Decreto-lei 9.760/1946).

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Diferentemente do que afirma Lima (2002, p. 26 e p. 38), referenciando Oliveira (1966), o art. 4.º das Instruções de 14 de novembro de 1832, não faz qualquer alusão ao ano de 1831 como referência temporal. No referido trabalho chega-se inclusive a transcrever o aludido art. 4.º como se tivesse o seguinte teor: “são terrenos de marinha todos os que, banhados pelas águas do mar, vão até a distância de quinze braças para a parte da terra, contadas desde o ponto a que chega o preamar médio de 1831”. Assinale-se que o recurso ao negrito consta no original do citado trabalho. No entanto, está incorreta a transcrição do dispositivo em referência, a qual foi inclusive reiterada na página 39 daquela mesma pesquisa. Por fim, ressalte-se que a conclusão quanto à impropriedade da transcrição somente foi aqui mencionada em razão de que, nas consultas a três repositórios, constatou-se que o art. 4.º das Instruções de 14 de novembro de 1832 realmente não menciona o ano de 1831.

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A expressão “convite” é ainda utilizada na legislação atualmente em vigor, conforme dispõe o art. 11 do Decreto-lei 9.760/1946.

Governador da Província de Sergipe, determinou que fosse observado o período correspondente a uma lunação48-49. Significa dizer que foi determinada a adoção de uma referência temporal contemporânea à atividade de demarcação, e não um período de tempo pretérito (1831), já que não seria possível promover medições retroativas das marés correspondentes a uma lunação, até pelo fato de que a província de Sergipe não dispunha dos registros de marés daquela época. E essa circunstância confirma mais ainda a tese de que as Instruções de 14 de novembro de 1832 não fizerem qualquer menção ao ano de 1831 como referência para determinação dos terrenos de marinha.

A Ordem de 12 de julho de 1833 teve relevância também por afirmar que nas ilhas50 e ilhotas deveriam ser demarcados os terrenos de marinha, bem como pelo fato de ter determinado que as concessões de terrenos de marinha deveriam deixar “livres as necessárias servidões tanto do público, como de quem houver o terreno anterior”, ou seja, os imóveis alodiais.

As dúvidas antes mencionadas, com relação à referência temporal para determinação da linha de onde se deveriam medir as 15 braças, também foram objeto da Ordem de 28 de junho de 1834. A orientação contida no mencionado instrumento não foi, contudo, esclarecedora. Disse ela que “os terrenos para se considerarem, ou não, de marinhas (sic) se devem tomar no estado em que atualmente se acham,(...)”. Esse trecho poderia sugerir, em uma leitura descontextualizada, que se pretendia afirmar que a medição dos terrenos de marinha deveria ser feita a partir da configuração do litoral no momento da demarcação.