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A Lei Maria da Penha, com vistas a prevenir, erradicar e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher, prevê uma série de medidas de combate e de enfrentamento a este tipo de problema. Assim sedo, será conhecido algumas dessas medidas voltadas à mulher que se encontra em situação de violência doméstica e familiar.

Nas palavras de Capobianco (2014), para combater a violência doméstica as pessoas políticas têm que realizar ações integradas, até mesmo com entidades não governamentais. Assinala que a política em combate a violência doméstica tem que atender as seguintes diretrizes: os órgãos do judiciário, a Ministério Público e as Defensorias Públicas, que devem agir em conjunto com áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. Devem ser promovidos também estudos e pesquisas estatísticas a respeito do tema, entre outros.

Conforme destacam Cunha e Pinto (2007), uma das maiores causas responsável pela falência da criminalidade no Brasil é a ausência de integração entre os diversos órgãos que compõem o aparelho estatal. Assim sendo, o legislador buscou romper essa barreira, para que mesmo exercendo suas atribuições, trabalhem de forma mais integrada no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Lei 11.340/2006 trouxe diversas inovações, dentre elas, a criação dos Juizados de Violência Doméstica e familiar contra a Mulher (JVDFM), conforme se

extrai da dicção do artigo 14 desta Lei. São órgãos da justiça ordinária que acumulam a competência cível e criminal para o julgamento de causas que decorrem da prática de violência doméstica. (AZEREDO, 2017, p. 46)

Nas palavras de Andreucci (2018), as medidas integradas de proteção que buscam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, que devem ser realizadas por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de ações não governamentais estão dispostas no artigo 8º da Lei Maria da Penha.

Dispõe o artigo 8º da referida Lei:

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não- governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º , no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal ;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher (Brasil, 2006, art. 8º)

Além disso, em que pese a referida legislação não trazer novos tipos penais, ela inovou ao prever um tratamento penal e processual diferente ao dado as infrações penais pela legislação pátria. Uma grande inovação diz respeito à inversão do ônus dos encargos probatórios, tendo em vista que as agressões no âmbito doméstico e familiar nem sempre deixam vestígios visíveis, tornando essencial o reconhecimento da condição de vulnerabilidade da vítima. (DIAS apud AZEREDO, 2017, p. 47)

Outra inovação vai ao encontro à inclusão que a Lei 11.340/2006 fez ao Código penal, no que tange a circunstância agravante do artigo 61, II, “f”. A redação do referido dispositivo previa a agravante no caso do agente ter cometido o crime com abuso de autoridade, prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Com o advento da Lei Maria da Penha, foi acrescentada mais uma hipótese: “(...) com violência contra a mulher na forma da lei específica”. (DIAS, 2007, p. 99)

Destacam Cunha e Pinto (2007) que a redação original do artigo 129 do CP já havia sido objeto de alteração por meio da Lei 10.886/2004, do qual incluiu o § 9º, disciplinando uma nova qualificadora nas hipóteses em que a lesão corporal for cometida nas situações descritas pelo legislador: “contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, valendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. O preceito do tipo penal foi mantido, alterando-se apenas a pena, passando de seis meses a um ano para o mínimo de três meses e máximo de três anos.

Outrossim, a maior rigidez na prática de delitos no âmbito das relações domésticas e familiares se preocupou também com a condição da vítima, incluído o § 11 ao artigo 129 do CP, punindo com mais rigidez o agressor que pratica lesões corporais contra vítima portadora de deficiência. Nessa hipótese, a pena tem um aumento de um terço. (DIAS, 2007, p. 101)

No que tange o Código de Processo Penal, foi incluída mais uma hipótese de cabimento da prisão preventiva, alterada por meio da Lei nº 12.403/2011. Assim, o caso de violência doméstica contra a mulher e, ainda, contra criança, adolescente, idoso, enfermo ou qualquer pessoa com deficiência legitima a prisão preventiva, nos termos do artigo 313, II do CPP. (AZEREDO, 2017, p. 49)

Destaca Capobianco (2014) que o Poder Judiciário tem o condão de determinar a inclusão da mulher vítima de violência doméstica e familiar ao cadastro

de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal. Garante-se assim a prioridade na remoção, quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta, bem como a manutenção do vínculo trabalhista na necessidade de afastamento do labor, por até seis meses, a fim de preservar sua integridade física e psicológica. Deste modo, fica evidenciada a integração entre o Poder Judiciário e a esfera trabalhista, social e econômica.

A assistência à mulher em situação de violência doméstica e família também vai ao encontro aos benefícios que decorrem do desenvolvimento científico e tecnológico, introduzindo serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), assim como outros procedimentos necessários e cabíveis no caso de violência sexual. (ANDREUCCI, 2018, p. 852)

Como medidas de natureza policial, Capobianco (2014) destaca que o atendimento será diferenciado, cabendo as seguintes medidas urgentes em favor da mulher vítima de violência doméstica e familiar: garantia de proteção policial, encaminhamento ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal, fornecimento de transporte para abrigo ou local seguro (incluindo os dependentes), acompanhamento para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar e informação de direitos e serviços disponíveis.

Grande inovação que a Lei Maria da Penha se refere às medidas protetivas de urgência, consoante do artigo 22, 23 e 24 da referida Lei. Assim, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar de imediato ao agressor, em conjunto ou de forma separada, as medidas lá positivadas.

As medidas podem ser: suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, como aproximação e contato com ofendida, frequentar determinados lugares; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; prestação de alimentos provisionais ou provisórios; comparecimento em programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial individual ou em grupo do agressor. (BRASIL, 2006)

Andreucci (2018) acentua que, no âmbito das medidas protetivas de urgência, a Lei Maria da Penha prevê outras providências que vão de encontro à proteção da

integridade física e patrimônio da ofendida e seus dependentes, conforme se extrai dos artigos 23 e 24 da legislação em comento.

Nos termos do artigo 23 da Lei 11.340/2006, o juiz pode determinar, quando necessário: o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; a separação de corpos e a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (BRASIL, 2006)

Como medidas voltadas a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, as seguintes medidas podem ser determinadas pelo juiz em caráter liminar, consoante do artigo 24 da Lei supramencionada: a restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida; a proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial; a suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor e a prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida. (BRASIL, 2006)

Por fim, destaca-se que o artigo 41 da Lei 11.340/2006 previu de forma expressa que é inaplicável a Lei 9.099/95, em sua integralidade, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo, deste modo, que os crimes que envolvem esta forma de violência não são de menor potencial ofensivo. Deve ser observada que essa previsão é totalmente constitucional, em atenção ao artigo 98, I da Carta Magna, que reservou à lei ordinária prerrogativa de definir quais os crimes de menor potencial ofensivo. (ANDREUCCI, 2018, p. 857)

Destarte, foi possível analisar alguns dos diversos instrumentos jurídicos de prevenção e combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, positivados pela Lei Maria da Penha, visando prevenir, punir e erradicar essa forma de violência. A inovação trazida por essa lei é visivelmente ampla, ao passo que prevê as mais variadas ferramentas com vistas a proteger a mulher.

5 AS ESCUSAS ABSOLUTÓRIAS COM O SURGIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha é um marco na luta das mulheres vítimas das mais variadas formas de violência cometidas no seio doméstico e familiar. A referida Lei, conforme vimos no capítulo anterior, prevê diversos mecanismos a fim de coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres.

A Lei 11.340/2006 também dispõe as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme se extrai de seu artigo 7º. Dentre essas formas, o legislador previu a violência patrimonial, consoante do artigo 7º, IV, da Lei supramencionada. (BRASIL, 2006)

Deve ser considerado que em relação aos crimes patrimoniais, o Código Penal Brasileiro prevê, por meio de seu artigo 181, as escusas absolutórias. Essas imunidades têm o condão de isentar o agente do crime patrimonial à imposição de uma pena, desde que o crime patrimonial não tenha sido cometido com o emprego de violência ou grave ameaça e, ainda, nas hipóteses que dispõe o dispositivo mencionado. (BRASIL, 1940)

Deste modo, levando em consideração que a Lei Maria da Penha visa prevenir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, advinda em posterioridade ao Código Penal Brasileiro e não dispondo nada acerca da aplicabilidade ou não das benesses ali positivadas, tem-se a instauração de divergências doutrinárias acerca do tema.

Delma Pimenta Vilete (2019) aponta que com o advento da Lei 11.340/2006, manifestou-se um conflito de normas com relação às escusas absolutórias agraciadas pelo Código penal. Isso originou o posicionamento e formação de duas principais correntes doutrinárias com relação ao tema.

A primeira corrente doutrinária defende a inaplicabilidade das escusas absolutórias do artigo 181 do Código Penal. Nas palavras de Virgínia Feix (2011), merece ser destacado que o empoderamento econômico das mulheres é um episódio recente e o afastamento das barreiras legais, burocráticas e culturais para a livre disposição de seus bens – inclusive rendimentos – está ainda em progresso. Aponta que em muitos casos os homens perduram na condição de chefe da família, administrando os bens e concentrando em sua pessoa o poder econômico da comunidade familiar, fazendo com que a sua vontade prevaleça de forma desigual.

Masson (2014) é um defensor da tese de inaplicabilidade da benesse do artigo 181 do Código Penal no que diz respeito a crimes no âmbito da Lei Maria da Penha, e explica isso assinalando três motivos. Primeiramente, alicerça a sua posição ao fato da Lei Maria da Penha ser expressa ao classificar a violência patrimonial como uma forma de violência doméstica, consoante do seu artigo 7º, IV, trazendo a baila consequente incidência da regra explicitada no artigo 183, I do CP.

Sustenta sua tese, também, com vistas a constitucionalidade da especial proteção dada à mulher vítima de violência doméstica, sendo que é uma essência desta Lei, já inclusive superada nos Tribunais Superiores, não sendo apenas das imunidades penais dos crimes contra o patrimônio. Aduz que se este raciocínio está eivado de inconstitucionalidade, toda a Lei 11.340/2006 assim o estaria e, como é sabido, a referida Lei trajada no manto da constitucionalidade.

Por fim, Masson (2014), firma seu entendimento na exclusão das imunidades penais tão somente quando a mulher é a vítima da violência patrimonial, ao passo que nesta hipótese o legislador outorgou a ela uma especial proteção, não apenas atrelada ao fato de ser mulher.

Fernandes (2015 apud VERAS e ARAUJO, 2018, p. 2) afirma que a aplicação das imunidades dos crimes patrimoniais prejudica a proteção da mulher em cenário de violência doméstica e familiar. Todavia, conclui por dizer que existem precedentes jurisprudenciais que entendem de forma diversa, no sentido de aplicar as escusas.

Dias (2007) é uma grande defensora desta tese, pontuando que não se pode mais admitir o injustificado afastamento da pena ao agente que comete um crime em desfavor de seu cônjuge, companheira ou alguma parente do sexo feminino. Salienta que o Estatuto do Idoso não se bastou em somente dispensar a representação, mas prevê de forma expressa a inaplicabilidade destas excludentes de criminalidade quando a vítima tiver idade superior a 60 (sessenta) anos.

Expressa Feix (2011) que fazer o uso de argumentos de proteção à família para fundamentar a política criminal em caso de violência patrimonial contra a mulher representa o desconhecimento das razões históricas, filosóficas e políticas que explicam e incluem a Lei Maria da Penha como uma ação afirmativa do Brasil. A intenção desta lei é de justamente minguar a desigualdade estrutural existente entre os gêneros, na família e no “sagrado” lar, em que se perfaz a violência um instrumento poderoso de instalação e reprodução.

Acrescente, ainda, que entende que defender a aplicação das imunidades à violência patrimonial contra a mulher representa também o desconhecimento do que prevê a Constituição Republicana em seu artigo 226, parágrafo 4º, dispositivo este que determina ao Estado agir de forma positiva, com medidas que visam o combate da violência intrafamiliar. Salienta, ainda, não poder se perpetuar, em nome da família, as violações aos direitos de seus próprios integrantes, banalizando a violência contra as mulheres.

Nas digressões de Veras e Araújo (2018), no caso das escusas absolutórias continuarem sendo aplicadas aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, nenhum sentido teria a existência do artigo 7º, IV da Lei 11.340/2006. Representaria letra morta ao prever a violência patrimonial como forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, ao passo que a Lei Penal aplica o impedimento de responsabilização do autor.

A outra corrente doutrinária, filiada a uma posição antagônica à apresentada, defende que deve continuar sendo aplicada a imunidade penal do artigo 181 do Código Penal quando diante de crimes patrimoniais cometidos contra a mulher no âmbito da Lei 11.340/2006. Cunha (2016) é defensor desta tese. Aduz que ao passo que aqueles que entendem pela inaplicabilidade da benesse disposta no Código Penal, com vistas ao Estatuto do Idoso que prevê a dispensa da escusa absolutória, o autor afirma que a referida Lei foi expressa nessa previsão, diferente da Lei 11.340/2006, que nada dispôs nesse sentido, nem mesmo implicitamente.

Além disso, explica também que o fato de não permitir a imunidade para o marido que furta a mulher, mas permitir a sua incidência com relação a mulher que furta o marido significa ferir de morte o princípio constitucional da isonomia. Outrossim, a Lei Maria da Penha deve assegurar à mulher vítima de violência doméstica e familiar especial proteção, e não simplesmente à mulher, ainda quando autora.

Campos e Corrêa (2007) afirmam que a Lei Maria da Penha foi omissa no que tange a aplicação das escusas absolutas e relativas, andado melhor o estatuto do idoso que previu de forma expressa a inaplicabilidade dos artigos 181 e 182 do Código Penal, sendo todos os crimes ali definidos de ação penal pública incondicionada, consoante do artigo 95 da referida lei.

Essa corrente alega que a intenção que tem as imunidades dos crimes patrimoniais na preservação da harmonia no âmbito familiar se sobrepõe, posto que

o legislador não foi expresso na Lei Maria da Penha como o foi no Estatuto do Idoso. (VILETE, 2019, p. 13)

Ante tal omissão da Lei em comento, entendemos que persistem as escusas quanto às infrações previstas no título dos crimes contra o patrimônio, nos arts. 155 (furto); 156 (furto de coisa comum); 161 (alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório); 162 (supressão ou alteração de marca em animais); 163 (dano); 164 (introdução ou abandono de animais em propriedade alheia); 168 (apropriação indébita); 169 (apropriação por erro, apropriação de tesouro, apropriação de coisa achada); 171 (estelionato, disposição de coisa alheia como própria, defraudação de penhor, fraude na entrega de coisa, fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro, fraude no pagamento por meio de cheque); 172 (duplicata simulada); 173 (abuso de incapaz); 174 (induzimento à especulação); 175 (fraude no comércio); 176 (fraude e abuso na fundação ou administração de sociedade por ações); 178 (emissão irregular de conhecimento de depósito ou warrant); 179 (fraude à execução) e 180 (receptação) do Código Penal, também nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, desde que não tenham sido cometidas com grave ameaça ou violência à pessoa. (CAMPOS, CORRÊA, 2007, p. 184)

Nessa esteira, defendendo a aplicabilidade das imunidades penais, Jesus (2020) pontua que a Lei Maria da Penha não suprimiu as benesses dos crimes patrimoniais no que tange fatos cometidos pelo marido contra a mulher. Afirma o autor que para o STJ, em que pese a Lei 11.340/2006 ter previsto a figura da violência patrimonial, que se expressa pela mera subtração de objetos, esse dispositivo não tem o condão de impedir a aplicação dos artigos 181 e 182 do CP, posto que este não se confunde com a violência contra a pessoa, que é fator que impede a escusas absolutórias, consoante do artigo 183, I, do CP.

Além disso, o autor também aponta que inaplicabilidade da benesse disposta no Código Penal representaria ofensa ao princípio da isonomia no que diz respeito o tratamento conferido aos cônjuges, pois, caso o furto fosse cometido pela mulher contra o marido, a escusa absolutória seria aplicada. Entretanto, em situações idênticas, caso o marido cometesse o mesmo crime contra a mulher, não faria jus ao benefício.

Outrossim, Campos e Corrêa (2007) dispõem que o argumento de inaplicabilidade das escusas no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher não merece prosperar, precipuamente porque o Estatuto do Idoso, que também tem caráter afirmativo, previu de forma expressa a inaplicação dos benefícios dos artigos 181 e 182 do CP. Não se pode, assim, transportar para o âmago da Lei Maria da Penha aquilo que prevê o Estatuto do Idoso, devendo ser

admitido que, se a vontade do legislador fosse isso, teria o feito de forma expressa