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CAPÍTULO III – Desenvolvimento metodológico para avaliação e adoção de

3.2 Os instrumentos urbanísticos

O Capítulo 2 é elaborado a partir de instrumentos urbanísticos detectados por sua possível contribuição na atuação política da preservação de sítios históricos e, ainda, na relação entre o interesse difuso e suas consequências de restrições e/ou compensações na propriedade privada submetida à condição de bem público. Para se montar uma estratégia de atuação, além de todas as informações dispostas ali,

há necessidade de elucidar o grau (nível) de interferência na realidade urbana por estes instrumentos. E, ainda, para a adaptação à complexidade urbana. A seguir são elaboradas categorias para tal fim:

a) Plano/Planejamento:

• Planos microrregionais, estaduais – Definem diretrizes gerais, tendendo a discursos de âmbito nacional e global. Possuem caráter de homogeneizar. São, geralmente, elaborados sem o conhecimento real da dinâmica urbana local. Compõe-se de diretrizes e apontamentos para situações almejadas. Sob a ótica do pensamento aqui exposto, possui o objetivo principal de fortalecer o fenômeno urbano que tende ao global, conectando o local à rede mundial. Conectam problemas comuns e direcionam desenvolvimentos interessantes às instâncias administrativas superiores ao município.

• Planos municipais: de maneira ainda geral, mas com um panorama da situação do município, são, também, um conjunto de diretrizes, alguns com metas traçadas a curto, médio e longo prazo. São elaborados obrigatoriamente, com a participação da população – ainda que suas reivindicações e anseios resultem em elaboração textual tão genérica, que se pulveriza, e perde sua necessidade de supressão/solução.

• Zoneamento: definições de porções de território urbano, os quais devem ser tratados de forma distinta e peculiar, incidindo sobre cada um, um modo de condução do desenvolvimento urbano e econômico. É a base para estipulações de índices urbanísticos e aplicação de instrumentos de estratégias de condução e desenvolvimento econômico e urbano. Possui caráter de limitar, repartir, diferenciar, correndo o risco do esvaziamento de conteúdo urbano, quando não bem elaborado ou associado ao contexto encontrado.

b) Gestão: São direcionados ao modo de condução e verificação de implantação das estratégias e ações, geralmente contidas nos planos ou em planejamentos setoriais. São instrumentos que possuem caráter de controle, fiscalização, avaliação, e que permitem e/ou induzem a revisões e remodelações. A gestão deve se estender a toda sociedade, sob o modo de consultas públicas, conselhos consultivos e deliberativos, oportunidades de proposições por qualquer indivíduo, denúncias, dentre outros.

c) Estratégias de condução e desenvolvimento urbano: são instrumentos que atuam diretamente em questões específicas da expansão e do ordenamento territorial. São, em geral, contidos nos planos e normatizados em leis municipais específicas. São definidos em momento posterior ao diagnóstico do município para elaboração de planos. Ainda, direcionam as particularidades das distintas áreas e fragmentos urbanos – denominados a partir do zoneamento. Em conjunto com este último pode ser excitado o agravamento da desigualdade socioespacial, o que não segue a diretriz do Estatuto da Cidade – a redistribuição dos ônus e bônus decorrente do processo de urbanização.

d) Estratégias de condução e desenvolvimento econômico: são instrumentos que, aplicados sobre o físico-urbano municipal, refletem uma lógica econômica, seja ela existente ou almejada. Elucidam dinâmicas produtivas, sobrepostas no ambiente construído e induzem fluxos de capital a determinadas áreas. Ao mesmo tempo, podem garantir a propriedade e o interesse comum, assim como manter uma situação física que condiz com os interesses políticos e econômicos vigentes. São, quase sempre, vinculados ao zoneamento. Assim como a categoria anterior, pode corroborar para a fragmentação e a desigualdade na cidade.

Os instrumentos são, agora, reorganizados pelas categorias elaboradas acima, no esquema de inter-relações, disposto na Figura 2.

Figura 2: Esquema de Inter-relações entre as categorias de instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade, em prol da preservação e conservação

Não há conexões evidentes ou sequenciais, mas sobreposições e aproximações de acordo com os interesses pré-estabelecidos nos objetivos e nas metas. A gestão, pela gestão democrática, permeia praticamente todos os percursos. É uma forma expansiva, enquanto as estratégias de condução e desenvolvimento urbano e econômico são formas dinâmicas, que mudam pelas condutas de atuação, e se convergem. Essa convergência também não é precisa. Também depende dos interesses. O nível dos planos/planejamentos deve compreender a convergência e suas possíveis divergências (os conflitos de interesses). Nesse momento, a gestão democrática não pode ser passiva. Os planos permitem diretrizes e normas homogêneas, em maior ou menor grau. Não atuam exclusivamente em um problema, mas indicam soluções gerais construídas para serem acionadas dentro de um determinado prazo. O instrumento zoneamento pode ser encarado por políticas setoriais distintas, mas recai na mesma lógica: delimitar uma área que tem sua ocupação e seu uso normatizados por peculiaridades e, por sua vez, se fragmenta e se diferencia das demais. Em grandes escalas, como as unidades de conservação e o zoneamento ambiental, em escalas medianas, como as zonas urbanas e rurais e em menor escala, induzindo e inibindo fragmentos do núcleo urbano. Quanto mais complexo o fenômeno urbano instaurado, mais fragmentado é o espaço urbano (solo e processos), mais difícil abstrair para condutas homogêneas. Os estudos técnicos de impacto são instrumentos potentes quando se tem um corpo técnico adequado para avaliar os resultados e conferir as análises. Sem tradução técnica não há motivos para sua existência. As cidades menos complexas, que (re) produzem ainda relação de poder residual do período rural, possuem uma administração pública muito consolidada por figuras da sociedade mais rica e pelo nepotismo. Muitas vezes os funcionários preenchem cargos sem qualquer qualificação mínima. Há aí um grande entrave para a utilização de tais instrumentos. Quanto mais complexo o urbano, mais estratégias de condução econômica são solicitadas. A transferência do direito de construir, por exemplo, se pauta na raridade do solo (físico ou criado) e na permissão de reproduzi-lo, em outro local, mais pela compensação (lucrativa) financeira de setores privados do que compensações econômicas diante de restrições administrativas. Em uma cidade com setor imobiliário não absorvido pela especulação, esse instrumento ameaça o induzir, se houver disponibilidade de capital atuante no local. Assim, não há garantias de sua eficiência como complemento de uma política de preservação.

Em suma, mas não reduzindo as várias combinações e conexões, quanto mais o instrumento se encontra no ponto de convergência das duas esferas de desenvolvimento mais uma não consegue ser desvencilhada da outra, e neste contexto estão as maiores complexidades urbanas, as metrópoles, as cidades “mundiais”. E há que se considerar que instrumentos podem não ser eficientes até mesmo nessas situações. Já para situações de menor complexidade há possibilidades de conduzir um crescimento mais ordenado, com maiores chances de se conseguir a realidade da função social da propriedade, inclusive na sua função de construção do patrimônio e preservação da memória.