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CAPÍTULO I – A pertinência do Instituto do Tombamento como instrumento

1.1 Aportes teóricos, noções e conceitos

1.1.4 Para além do patrimônio edificado – o território

A concepção de patrimônio cultural, no seu significado atual, institui o território como sua parte integrante. Esta condição pode ser compreendida a partir da constatação de ser o conceito de território também reelaborado a partir de novos significados e visões. Os dois conceitos percorrem mudanças e se cruzam em recente noção de patrimônio territorial, abrangendo não apenas a edificação, mas todas as modificações ocorridas na espacialidade à qual pertence. O edifício preservado é parte integrante do ambiente, sendo o primeiro também resultado do último. Essas recentes reinterpretações se pautam, a princípio, no paradoxo da cultura moderna que [...] de una parte, destruye y sustituye la materialidad de esas sociedades preexistentes y, por otra, se vuelca en la preservación de lo que no son sino restos obsoletos de las mismas, o manifestaciones en proceso de desaparición [...] (VALCÁRCEL, 1998, p. 34). Partindo desse pensamento surgem correntes distintas de conservação, pautadas, inicialmente, em noções estéticas e, posteriormente, históricas. Este último insere nas discussões a importância do contexto do entorno em oposição ao isolamento do edifício preservado. Pode-se reconhecer, nessa conjuntura, outro dualismo que reacende várias transformações conceituais, à época, que é aquele derivado da relação homem e natureza, noções por muito tempo separadas ideologicamente, e intercruzadas a partir da percepção histórica e da construção da cultura como parte integrante e modificadora do meio natural. Como observa Valcárcel (Id. Ib., p. 36),

Esta progresiva derivación conceptual del patrimonio se ha producido también en el ámbito no edificado, en dos trayectorias diferenciadas: la que ha incorporado a la Naturaleza la presencia humana, decantando así una concepción integrada, en una perspectiva de equilibrio con el entorno, plenamente introducida, incluso en USA, en el marco del patrimonio natural; y la que supone la revalorización del concepto de «paisaje». Se manifiesta en Europa a mediados de este siglo y reivindica, no tanto la integración en la Naturaleza, como la entidad «histórica» y «cultural» de estas construcciones humanas, incluso como señas auténticas de identidad social, como en los «bocages» franceses.

No que se refere às mudanças conceituais de território, ainda no final do século XX, em especial na disciplina Geografia, há a desconstrução em definitivo a noção de território como superfície abstrata, delimitado pela geometria e suscetível a cálculos. Insere-se nas discussões o caráter social, permitindo vislumbrar o território como construção, produção no tempo e no espaço, dinâmico. O território é visto como sobreposições de inúmeras camadas de processos sociais detectados ao longo do tempo. O território é testemunho das várias formas de ocupação e de modos de vida peculiares a cada sociedade. Por esses legados, pode-se perceber o território como patrimônio, também com importância na necessidade da preservação. Ainda, conforme autor anteriormente mencionado (Id. Ib., p.43),

El territorio delata, en su diseño y como proyecto, el modo en que la sociedad se acomoda, a través de equilibrios más o menos frágiles, más o menos estables, más o menos adaptados a la diversidad de circunstancias naturales, en orden a su explotación y a la propia supervivencia. En una época de especial sensibilidad ante los problemas de uso de la Naturaleza, preocupada por la fragilidad de los equilibrios físicos y por la incidencia de las actuaciones humanas, el territorio heredado representa un espejo y un observatorio sobre las relaciones Sociedad-Naturaleza.

O território é, ao mesmo tempo, produto social, recurso cultural e econômico. Seu valor econômico, inclusive, precede seu significado de patrimônio; e se complementa por esse. Pois, se qualifica também ao ser compreendido como um recurso não renovável, não recuperável; portanto escasso. Assim, valorizado como objeto de consumo. Eis aqui o delicado fio que separa o valor econômico da valoração do modo de produção capitalista. Há que se manter atento, neste caso, para a manutenção dos reais significados locais, para a real transmissão de valores até mesmo educativos, sob o risco de reducionismos até a simples relação patrimônio-valor de troca.

Se o território é um produto cultural e, por isso, moldável pelo espaço-tempo social, necessário se faz a revisão do que se conceitua como limite administrativo do território municipal. A definição jurídica de cidade brasileira – ainda utilizada – remete ao Decreto-Lei no 311, de 02 de março de 1938. Em seu texto são definidos e normatizados os termos e condições de categorias, delimitação e toponímia. As categorias são níveis de importância administrativa, com distribuição hierárquica de poder de atuação, discriminadas por meio da ocupação – basicamente se remete ao número de moradias dispostas na parcela territorial – bem como traços urbanos.

Este último não possui no corpo do texto definições, condições ou quaisquer outros modos de classificação. Compreendem zonas, distritos, sede, termo, comarca e município. A zona é a parcela menor, que pode subdividir o distrito, quando necessário. O distrito é a parcela do município, sendo que o segundo pode se constituir de apenas um distrito e, no caso de haver mais de um, obrigatoriamente, deve compreender área contínua. A sede do município corresponde à categoria de cidade, possuindo o mesmo nome. O termo judiciário é composto, por sua vez, de um ou mais municípios de área contínua e sua sede é a cidade, ou a mais importante das cidades, que dá o nome à sua circunscrição. Comarca se define pelas mesmas condições do termo, sendo composta por um ou mais deste último. A delimitação se faz dentro e fora do município. O município deve ter em sua sede o número mínimo de 200 moradias e o distrito, 30 e, além disso, deve ter a delimitação entre os quadros urbano e suburbano da sede. Todo município é responsável pela confecção de seu mapa que deve apresentar limitação territorial segundo o Artigo 8º, [...] linhas geodésicas bem definidas entre pontos bem identificados ou acompanhando acidentes naturais, não se admitindo linhas divisórias sem definição expressa ou caracterizadas apenas pela coincidência com divisas pretéritas ou atuais. Para a nomeação, devem ser observadas as seguintes condições: a sede do município dá o nome à cidade; não haver num mesmo Estado, cidades com o mesmo nome. A redução da problemática territorial, neste caso da legislação brasileira, enquadra dentro de limites virtuais toda a complexidade urbana, convertendo o conteúdo a distintas escalas a partir do número de imóveis. Retira assim todo o conteúdo, todos os processos sociais e todo tipo de economia.

1.1.5 Considerações acerca do processo de urbanização e a complexidade