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5 COM A DELICADEZA NECESSÁRIA – OS DISCURSOS DE GÊNERO E

5.1 Tem Gente

O primeiro livro analisado Tem Gente está inserido na coleção Em família. O logotipo – ou símbolo – que representa esta coleção é uma casa formada por três figuras retangulares; embaixo está escrito “Coleção em Família” e no centro encontram-se as figuras de quatro pessoas,dispostas e desenhadas não de qualquer modo: no meio está uma figura mais alta, de cabelos curtos e bigode. Percebe-se que esta difere das outras em seu semblante: possui uma aparência sisuda, severa. Não é esboçado qualquer sinal de sorriso (ou tristeza) por debaixo do seu grosso bigode: parece uma figura imparcial: o juiz; o Homem da casa.

Figura 3 - Tem Gente

Fonte: Livro “Tem Gente”(ANDRADE, 1993 – Capa).

Já à sua direita, na quarta-capa podemos perceber outra figura masculina (figura 2), dados os seus cabelos curtos14. Porém esta figura é bem menor e não possui barba ou bigode, seus cabelos são arrumados a parecer um topete – diferente da primeira figura que possui um cabelo curto, sem corte: adulto – e seu semblante é de criança: um sorriso largo. Essa figura representa o filho, o Primogênito. Sua disposição não é dada ao acaso: está à direta da figura maior, central e imparcial. À direita está Cristo, de Deus; e o primogênito, de seu pai: aquele que irá substituir e tomar para si, mesmo sendo uma criança, as tarefas futuras do Homem da casa; será ele que irá responder e tomar as rédeas da família.

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Levando em consideração a comparação entre essa e as outras figuras esboçadas na imagem: em nossa sociedade possuir cabelos longos ou curtos é uma marca comumente atrelada a características do gênero feminino ou masculino.

Figura 4 - A família

Fonte: Livro “Tem Gente (ANDRADE, 1993 - Detalhe da capa).

No menor plano, ao centro, encontra-se a figura duma outra criança, dado seu sorriso largo e sua baixa estatura em comparação com as demais.Essa figura tem os cabelos na nuca: uma menina; a caçula e, não por acaso, está no menor plano da representação da família. Está à direita da última figura que faltamos descrever: a mulher, a mãe da casa.

Representada como a figura menos volumosa (talvez por seu recato; por sua impossibilidade de espalhar-se), com os cabelos longos e retos, sua altura é bem menor que a do homem e um pouco maior que a do primogênito. Seu lugar é à esquerda do pai e seu semblante é o mais curioso de todas as outras representações: o homem é claramente neutro; não podemos nem ver sua boca, apenas seu bigode: reto; imparcial. As duas crianças possuem linhas claras dum sorriso largo; pueril. Mas a mulher possui uma linha obscuramente desenhada; imprecisa. Talvez um sorriso de canto de boca ou um sorriso contido; talvez uma expressão de quem está passando mal ou confuso; talvez esteja segurando uma expressão de raiva sob um sorriso falso. Não dá para saber ao certo o que está sendo representado em seu semblante; e fica a dúvida: por que à mulher é reservado um semblante sem uma delineação exata? Por que em todas as outras

figuras há uma expressão clara de sorriso ou imparcialidade e a mulher possui uma obscura linha imprecisa que não sabemos ao certo o que significa?

Na quarta capa do livro encontramos a descrição do que seria a coleção em família representada por esse símbolo que analisamos:

Na história da nossa vida, os pais, os avós, os primos estão sempre presentes. Os momentos que passamos juntos a eles, portanto, merecem ser registrados. Por isso pensamos na Coleção Em Família, destinada aos leitores a partir dos seis anos15. Ela vai resgatar esse momentos de forma lírica, realista e inesquecível. E você vai encontrar nos livros dessa coleção um pouco da sua própria história (ANDRADE, 1993, quarta capa).

Aparentemente esse livro parece ser destinado não apenas às crianças, mas a todos os membros da família. E não uma família qualquer: aquela constituída duma maneira específica: com pais, avós, primos etc., pois, tal como a quarta-capa diz, estes estão “sempre presentes” (?). É um livro para ser lido tanto por crianças, quanto por adultos. “A partir de seis anos”. Um livro de família. Para família. Se voltarmos para o seu logo, também poderíamos supor como seria a família a qual este livro se refere: aquela que tem no seu núcleo o Homem central, o primogênito à sua direita, a sua filha em menor plano e a mulher e seu impreciso semblante.

E o livro tem um objetivo poético: resgatar os momentos registráveis que se passa junto com os familiares. Não de qualquer modo – talvez como um diário, ou um registro qualquer –, mas sim de forma lírica, realista e inesquecível. O lirismo é relativo à literatura, ao belo: a uma preocupação estética. Já o realista é relativo à verdade, ou seja, não serão abordadas nenhuma mentira ou ficção: serão as coisas tal como são (por conseguinte, podemos inferir que aquela família que descrevemos seria o real, a verdade). Mas com beleza que só um texto literário poderia produzir, fazendo com que esses momentos sejam registrados de modo inesquecível. A verdade e o belo: a literatura como a expressão da própria realidade, transformando- a em algo memorável.

O nascimento dum novo membro da família: esse é o momento inesquecível. Narrado em primeira pessoa, o livro traz o filho dum casal contando suas impressões sobre o nascimento do seu irmão mais novo. Através duma narrativa que ora parece rimar, ora não, o livro mostra o estranhamento inicial duma criança

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Logo após esse texto, possui um pequeno texto dizendo que a indicação da faixa etária é apenas uma sugestão e que a escolha deve respeitar o interesse, o gosto e a maturidade de cada criança.

ao lidar com a gravidez de sua mãe. Primeiro se perguntando o porquê de certas mudanças (como o aumento do apetite, o crescimento da barriga, a sonolência etc.) e, após revelar um estranhamento por tais mudanças, a descoberta do menino sobre o motivo de tudo. Inicialmente ele tem raiva e ciúme. Depois fica com pena da incapacidade do bebê, ainda na barriga, de comer certos alimentos. Após o nascimento o menino leva para seu irmão os alimentos que ele não poderia ter comido porque estava na barriga. Após a mãe rir de sua tentativa, ele percebe que o bebê não tem dentes e, assim não poderia comer tais alimentos. Finalmente ele conclui que o irmão poderá ser sapeca, comilão e brincalhão tal como ele mesmo.

Durante a narrativa alguns desenhos são colocados entre as palavras para ilustrá-las e sempre entre uma página e outra, tem uma nova imagem do livro. Ao todo o livro tem vinte e quatro páginas. No corpo do texto, ao todo existem onze. É um livro leve. Um livro de um tom ameno, duma narrativa simples, duma rima simples, com questionamentos simples e duma concepção de família simples.

Alguns enunciados são visivelmente principais nesse livro: família, gravidez, relações familiares. Um ponto que merece destaque nesse livro é que, como já mencionamos anteriormente, é um texto em que predominam os enunciados sobre a família e as relações familiares. O livro está inserido na coleção “Em Família”, representada com o homem sendo a figura central. Porém, durante todo o livro, o homem é representado apenas uma única vez,apenas na primeira imagem. Porém, dentro do texto inteiro não é mencionada, em nenhum momento, a existência do pai. Como o texto e as imagens são de autorias diferentes, podemos perceber a grande ausência do pai nas questões familiares e, ao mesmo tempo, ele, num paradoxo, é representado, no logo da coleção, como a figura central da família.

Na primeira imagem na qual é representada a família, merecem ser destacados alguns pontos: a forma como é representado o pai: de calça e camisa azul (cor normalmente atribuída ao masculino) e sapato: não aparecem roupas que normalmente a pessoa utilizaria em casa; mas sim roupas de trabalho, roupas de quem ou acabou de chegar do trabalho ou irá ao trabalho. Com cabelos curtos e aparentemente falando algo engraçado e íntimo (pois a mãe ri e olha para o outro lado, como se estivesse encabulada) sobre a gravidez da mãe (pois toca a sua barriga). A mulher é o estereótipo de mãe: feliz que vai gerar um novo membro, com calças rosa (cor normalmente atribuída ao feminino), com blusa branca e pufes em seus pés: roupas confortáveis e compostas, duma mãe, duma dona de casa

respeitável. Ela segura um pano e agulhas de tricô. Mães tricotam. Diferente do marido que usa roupas formais de quem estava (ou irá para) fora de casa (provavelmente num trabalho formal), a mulher usa roupas despojadas com um pufe e segura seu tricô, provavelmente trabalha em casa e é sustentada pelo homem da família. Ela possui um corte de cabelo reto e longo. E ri dalguma coisa que o homem fala. Não olha em seus olhos... Recato? (ver figura 5).

Figura 5 - O casal

Fonte: Livro “Tem Gente”(ANDRADE, 1993, p. 5).

Nessa imagem podemos ainda perceber que existem vários livros empilhados no canto da imagem. E um livro se destaca dos demais: um livro que tem como capa a imagem dum bebê. Provavelmente um manual de pueril cultura: para representar o preparo necessário dos pais para receber novos membros na família. Provavelmente a última leitura da Mãe: é o livro que está no topo, entreaberto. Todos os livros se

encontram do lado da mãe, como se ela tivesse acabado de colocar do lado para receber o pai: a mulher tricota e lê sobre bebês. É importante também percebermos a importância que é dada a tais livros: se institucionaliza aqui a normalização de consultar esses manuais para que se tenha uma gravidez saudável e que se crie bem as crianças.

Ainda nessa imagem podemos perceber outro aspecto bem interessante: a criança não participa da cena. Ela está fora do quadrinho. Apenas observa curiosa e não muito feliz o que acontece. Está sentada, assistindo a tudo com seus braços rodeando suas pernas dobradas. Olha de fora, como uma criança que não pode ouvir ou participar da conversa de adultos. Está em menor plano, no canto da imagem, acuada e fora de cena. Curioso que a criança é o personagem principal da história: quem conta e narra a história sob seu olhar. Mas, nessa imagem – vale ressaltar que é a única que não tem qualquer relação com o texto –, ela não entra. Essa é a única imagem do pai durante todo o livro. E nessa sua única aparição, o filho não participa da cena. Apenas olha desconfiado e acanhado para seus pais. Por que? Talvez porque não seja para crianças assuntos como gravidez. Apesar de tratar desse tema, o livro nunca menciona uma explicação sólida sobre. Em dois momentos parece se ensaiar algum questionamento sobre a gravidez da mãe.

Figura 6 - Na gravidez a comilona

A explicação dada aqui para o estranho modo como a mãe está aparentando e vem se comportando é que virou criança de novo e com fome de marmelada. Dizem, segundo o narrador, que gente grande após nascer, crescer e virar adulto, vira criança mimada. Criança mimada é aquela que precisa de bastante cuidados e vigilância: uma mulher grávida. Parece não ser por acaso a comparação da mãe a uma criança comilona e mimada: a mulher ao estar grávida, para esse discurso, precisa ter cuidados mais e diferenciados, precisa ser tomado cuidado com o seu corpo indefeso, tal como a criança.

Em muitas pesquisas que se faz sobre a sexualidade da população, se coloca dentro dum mesmo grupo a saúde da mulher e da criança; se faz, no mesmo trabalho, uma pesquisa tanto da sexualidade dum quanto doutro: são sexualidades que parecem merecer maior atenção. Foucault, em sua “A vontade de saber”, fala que a mulher tem uma sexualidade saturada, com um corpo detento duma patologia intrínseca. Este corpo orgânico seria posto em comunicação com o corpo social (cuja fecundidade deve ser regulada), com o espaço familiar (devendo ser o elemento substancial e funcional) e com a vida das crianças (que a produz e deve garantir, através duma responsabilidade biológico-moral) (FOUCAULT, 1988, p. 115) Vemos que esses aspectos do corpo da mulher parecem ser representados dalgum modo: o Livro de Puericultura na primeira imagem, garantindo a sua fecundidade regulada e bem direcionada. O espaço familiar garantido pela sua presença: o homem em nenhum momento parece participar da gravidez da mulher e nem do como o filho lida com ela: ao homem parece ser delegada a função de prover o lar (em sua única representação no livro, ele aparece de roupas de trabalho, enquanto a mulher com roupas de casa), e a mulher deve ser responsável tanto pela funcionalidade da família, como pela vida da criança: é ela que instrui a criança sobre sua situação atual e sobre a chegada dum novo membro.

A sexualidade da criança, por sua vez, é uma sexualidade limítrofe, ao mesmo tempo natural e contra a natureza, uma sexualidade perigosa e preciosa a qual deve ser dada grande atenção: todos (pais, professores, psicólogos, médicos etc.) devem dar atenção a esta sexualidade.

Essas duas sexualidades merecem atenção; nelas se é guardado o futuro da nação, como vimos em capítulos anteriores; práticas sexuais não adequadas podem promover um “ciclo de pobreza”, podem mexer numa mecânica populacional e colocar em risco o futuro da sociedade. Em outro momento também se é colocada a

questão da gravidez da mãe. É o momento que o menino-narrador descobre que a mãe está grávida:

Foi quando pegou minha mão e passou na sua barriga... Colei meu ouvido em cima e ouvi a batida.

Nossa!... No corpo dela deu briga!

Eu nunca ouvi coração batendo bem no meio da barriga! ...

Perguntou se eu queria ouvir direito.

Respondi que mais parecia o eco do coração...

- Será que eu posso espiar, pelo umbigo, de onde vem o barulhão? Vai ver virou criança dentro do seu coração!

...

Explicou que nosso umbigo é janela bem fechada, mas que, passando a mão na barriga escutando em silencia, eu ia ouvir, muito além, o meu, o dela e o coração do neném! (ANDRADE, 1993, p. 10, 14 e 16).

O menino, colocando o seu ouvido contra a barriga da mãe, percebe uma outra batida do coração e, após tentar olhar pelo umbigo para ver se descobre o que está acontecendo (e mais uma vez se compara a mãe a uma criança), a mãe explica que o umbigo é uma janela bem fechada, mas que passando a barriga se iria escutar o coração do neném.

Anteriormente a explicação para a gravidez da mãe foi tirada pelo próprio narrador-infante (a mãe virou criança mimada, com fome de marmelada), agora é a mãe que é questionada sobre o que está acontecendo e sua resposta é um tanto não objetiva e muito menos esclarecedora. Durante todo o livro, em nenhum momento se toca na questão de “como foi que a mãe ficou grávida?”, ou “como o neném sairá da barriga?” etc.,perguntas que seriam comuns entre as crianças que não são respondidas, nem se quer levantadas, como se a normalidade fosse a não- curiosidade da criança com relação a essas perguntas.

Livros como “Mamão como eu nasci?” geraram muita polêmica por serem diretos e explicativos sobre as questões da gravidez e sexualidade. Houve grandes comoções sociais: alguns defendendo, outros atacando. Porém este livro passa desapercebido. Não tiveram grandes críticas nem a favor nem contra.

Parece que ao se falar de gravidez e sexualidade é importante a não menção a certos aspectos dessas.

Todas as roupas que a mãe veste são de grande compostura: são sempre calças ou vestidos que cobrem boa parte de seu corpo. A criança veste bermudas,

mas a mãe apenas calças e vestidos curtos. Em apenas uma representação a mãe aparece com os braços descobertos.

Figura 7 - As roupas

Fonte: Livro “Tem Gente”(ANDRADE, 1993, p. 5, p. 15, p. 19, p. 21).

Entendendo esse livro como um artefato cultural e, como tal, é potência, subjetividades e representações de sujeitos da nossa sociedade, podemos realizar uma análise na direção de tentar observar que tipos de subjetividades são representadas por este livro e como estas podem influenciar na constituição dos sujeitos sociais que consomem esses tipos de livros.

Com suas representações de família tradicional, com sua representação de mãe, de pai e filhos, podemos observar que esse texto reflete muito uma cultura patriarcal, na medida em que se faz presentes muitas desigualdades de gênero em suas imagens e texto. A mulher é sempre representada como uma boa mãe de família, aquela mulher que não possui trabalho formal, tricota, cuida dos filhos, veste roupas compostas, com sua aparência de mulher respeitável, de cabelos longos e

retos. Já o homem seria o provedor do lar, aquele que não é responsável pela criação direta dos filhos, ausente, mas, ao mesmo tempo, o centro da família, aquele que paga as contas e trabalha formalmente.

Assim, se constrói uma identidade cultural do que seria ser mãe: aquela que lê livros de pueril cultura, que tricota, usa roupas compostas e confortáveis, trabalha apenas em casa, cuida dos filhos, não de qualquer modo, de acordo com as condutas morais e sociais: e esta conduta moral direciona a forma como são passados os conhecimentos: jamais se é contado de forma direta como e porque a mãe está grávida. Aparentemente as crianças só podem saber das coisas através de metáforas e da linguagem indireta. A barriga da mãe é “uma janela bem fechada”. E aqui vemos como também se é construída a identidade cultural da criança: aquela de sexualidade ambígua e que deve ser tratada com cuidado.

Ao nos propormos a realização duma análise histórica relacional, precisamos observar outras edições dos livros analisados. Contudo em alguns livros não foi possível conseguir várias edições, mas “Tem Gente”, conseguimos a primeira edição e a mais recente.

Antes de falarmos da segunda e mais recente edição do livro, precisamos contextualizar a primeira edição. Ela é de 1993. Ou seja, antes das reformas curriculares que de fato institucionalizaram os temas transversais e a sexualidade, com o nome de “Orientação Sexual”, no currículo das escolas públicas do Brasil. Porém esse livro vem dentro dum contexto em que já se debatiam as questões de gênero e sexualidade para jovens e crianças. O livro é originalmente colocado na coleção “Em Família” e tem por objetivo, como vimos anteriormente, resgatar momentos familiares com lirismo, realismo e torná-los, assim, inesquecíveis. Ora, para legitimar o tratamento de certas questões de gênero e sexualidade – colocadas em discurso como sendo questões tabu na sociedade –, a editora insere este material, na rede discursiva, como um livro “de família”, um livro respeitável e realista. Um livro que, apesar de tratar de questões tão polêmicas, pode ser lido por toda a família, pois não é direto, é lírico e assim realista. É interessante que o livro apesar de tratar da gravidez como algo quase sublime – descrevendo a barriga da mãe como uma janela fechada, e sua mudança de comportamento devido a ela ter se tornado criança mimada –, ele se diz realista. Talvez o termo não seja empregado para dizer as coisas tal como são – que os pais precisam transar para ter seus filhos e que o menino sai pela vagina –, mas sim como a realidade social gostaria que

fossem ditas as coisas aos seus filhos: o real não é relativo ao natural, mas sim ao que se legitima como verdade dentro dum grupo social.

A segunda edição, por sua vez, é feita em outro contexto discursivo. E cria um marco, um acontecimento discursivo. O ano de publicação da segunda edição é 2005, anos após as mudanças curriculares. O conteúdo do livro é exatamente o mesmo da sua primeira edição: a narrativa é a mesma, os desenhos são os mesmos, dispostos exatamente do mesmo modo como foi a primeira edição. Além dalgumas diferenças de diagramação e de fonte, não há qualquer mudança significativa nessas duas edições. A não ser por um pequeno detalhe:a segunda edição é colocada, dessa vez, em outra coleção, agora na “Biblioteca Marcha Criança”.

Biblioteca é relativo a livros, conhecimento escolar, estudo. Mas não é qualquer biblioteca, é a biblioteca “Marcha Criança”, ou seja, aquela que direciona o jovem para algo, aquela que condiciona o corpo a um ritmo e a um movimento.

Figura 8 - A nova edição

Fonte: Livro Tem Gente(ANDRADE, 2005, Capa).

A quarta-capa do livro também é diferente; dessa vez não possui mais aquele texto lírico e entusiasta da família: possui um pequeno resumo do livro – sem

nenhum tipo de classificação etária –, e a seguinte descrição do que seria essa “Biblioteca Marcha Criança”:

A Biblioteca Marcha Criança foi criada para complementar o trabalho do professor em sala de aula, estimulando o hábito da leitura. A coleção reúne obras que despertam o interesse e o senso crítico da criança, com o objetivo de formar bons leitores (ANDRADE, 2005, Quarta-capa).

Agora esse livro,antes com a função de resgatar alguma memória de forma lírica, agrega uma nova função ao lirismo aparentemente deslocado para segundo plano – ou seja, deixou de ser importante – e deu lugar a um material de complemento de trabalho do professor em sala de aula. Antes o livro era direcionado para as crianças de a partir de 6 anos e até para adultos da família, agora, é