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Dado o contexto histórico da abordagem das deficiências, trabalhar com paradigma torna-se imprescindível. O conceito de paradigma foi desenvolvido por Thomas

Kuhn, em 1962, através da sua obra intitulada The structure of scientific revolutions, sendo este concebido como um conjunto de ideias compartilhadas e defendidas por uma comunidade científica, inaugurando-se assim uma tradição de investigação, com adesão dos seus membros a tal tradição. Paradigmas são modos de conceber e compreender a realidade. O problema a ser investigado leva em consideração os paradigmas do seu tempo, sendo contaminado pelo espírito científico. Logo, com o desenvolvimento das ciências, novas interpretações vão nascendo, chegando-se a conclusões diferentes e um paradigma vai se sobressaindo a outro (BEYER, 2005; KUHN, 1975).

A sucessão de paradigmas é mostrada na história da educação especial. E esses, por sua vez, não ocorrem necessariamente de forma linear, costumando haver simultaneidade em suas influências.

Durante a história da Educação Especial, observa-se uma sucessão de paradigmas. Estes não ocorrem de forma linear, constatando-se influências simultâneas. A história nos traz uma sucessão de crises e de mudanças de paradigmas. De um lado, temos a predominância secular de um paradigma médico, e de outro, temos o recente paradigma da Educação Inclusiva (BEYER, 2005). São identificados cinco paradigmas, na visão de Beyer (2005): i) clínico-médico, ii) sistêmico, iii) sociológico, iv) crítico-materialista e v) inclusivo.

O paradigma mais impactante e duradouro da Educação Especial é o paradigma médico. Nesse aspecto, destaca-se o trabalho do médico Pinel (1745-1826), que mantinha uma visão irredutível da deficiência, afirmando ser impossível alterar os quadros de atraso social, linguístico e intelectual de determinadas pessoas. O paradigma clínico-médico faz sobressair as condições clínicas ou médicas da deficiência, ressaltando as limitações individuais e pedagógicas. “Busca-se, assim, através de medidas terapêuticas, a ‘correção’ dos desvios através dos processos de compensação, que têm, como função aproximar essas pessoas dos parâmetros da normalidade” (BEYER, 2005, p. 17). O foco se localizava no desempenho da pessoa e sua insuficiência diante do padrão considerado como normal, assinalando a deficiência de modo individual. A implicação para a prática da avaliação destaca os aspectos clínicos da deficiência. As propostas de atendimento escolar são definidas por orientação terapêutica.

No paradigma sistêmico, “a deficiência apresentada pelo aluno é avaliada com base nas demandas impostas pelo sistema escolar” (BEYER, 2005, p. 91). Esse paradigma leva em consideração o currículo como parâmetro normativo estabelecido, buscando uma alternativa para as crianças que não conseguiam responder conforme o esperado. “Os procedimentos avaliativos são seletivos e disjuntivos, ou seja, os alunos são encaminhados

para a escola regular ou para a especial” (Op. cit., p. 92). Tal paradigma nos mostra a dinâmica entre os sistemas escolares regular e especial como forma de lidar com o aluno que “fracassa” (BEYER, 2005).

No paradigma sociológico, a deficiência não mais segue a mesma definição dos parâmetros anteriores, uma vez que surge a quebra de paradigmas, e esta passa a ser definida por um processo de atribuição social, sendo interpretada por meio da reação do grupo social, tornando-se um “construto social”. O olhar passa a deslocar-se do indivíduo para o grupo social, sendo tal grupo responsável pelo alívio ou agravamento da situação individual, repercutindo diretamente na avaliação escolar, uma vez que “[...] os professores também são imbuídos de critérios valorativos do grupo social, que se refletem na forma de avaliar o aluno e na expectativa que têm de sua aprendizagem” (BEYER, 2005, p. 92).

Já no paradigma crítico-materialista, a deficiência é entendida como matriz de uma sociedade de classes, sendo encarada como um resultado da inaptidão produtiva do indivíduo em uma sociedade capitalista, caracterizada pela produção e aquisição de bens de consumo, onde as pessoas com deficiência não conseguem encontrar espaço, por não conseguir seguir o mesmo ritmo de produção das demais. São consideradas deficientes para produzir e inaptas para atuar no sistema capitalista.

Resumidamente, comparando-se os quatro paradigmas, temos o clínico-médico, em que a deficiência é concebida como um fato clinicamente definido, pertencente à categoria terapêutica. Já no paradigma sistêmico, a deficiência modifica o sistema escolar, com destinações excludentes, retirando os alunos com deficiência do Ensino Regular. Em relação ao sociológico, a deficiência é uma atribuição relutante de expectativas sociais, caracterizando-se como um estigma social. E quanto ao crítico-materialista, este, por sua vez, enxerga a deficiência como um produto da sociedade capitalista, sendo um resultado sobretudo socioeconômico (BEYER, 2005).

Beyer (2005) comparou os quatro paradigmas vigentes de forma resumida, observando o nascimento emergente do paradigma inclusivo. O referido paradigma, por meio da transposição de barreiras atitudinais e principalmente da inclusão social, pretende superar preconceitos. Os alunos com deficiência passariam a frequentar a escola de Ensino Regular, levando-se em consideração sua história de vida como sujeito e o contexto social em que vive (BEYER, 2005; FERNANDES, 2010; VIANA, 2009).

Nessa perspectiva, a quebra de paradigma é observada ao se analisar o gráfico 1, referente ao número de matrículas da Educação Especial, que nos traz uma série histórica de dez anos, de 2004 a 2014, quando constatamos que houve um crescimento de 56% dessas

matrículas. Saltou-se de 566.753, em 2004, para 886.815 em 2014, e a matrículas em ambientes inclusivos atingiram a expressiva marca de 78%, mostrando a superação da segregação ao longo da história das pessoas com deficiência, ao passo que vai se instalando o paradigma inclusivo.

Gráfico 1 – Número de matrículas da Educação Especial (2004-2014)

Fonte: Sinopses estatísticas da Educação Básica – INEP/ MEC (2004 a 2014).

Diante do exposto, cada paradigma representou um momento histórico e uma forma da sociedade lidar com a deficiência, que acarretou uma forma própria de avaliar esse alunado. A DI foi encarada de formas diferentes no século XX, sendo palco do surgimento de vários modelos que a conceituava, como o modelo médico, o metafísico, o da determinação social, sócio histórico ou sócio construtivista, e o educacional (ARANHA, 1994; BEYER, 2005).