• Nenhum resultado encontrado

Os primeiros contatos com os brancos brasileiros

2.3 Antecedentes de contato com os brancos

2.3.5 Os primeiros contatos com os brancos brasileiros

Em terras brasileiras, não há um registro exato da ocorrência do primeiro encontro com os brancos. No entanto, é provável que este tenha sido entre o fim dos anos 1950 e o início dos anos 1960, quando um grupo ye’kuana, que viajava em direção a Boa Vista, encontrou no rio Uraricoera uma expedição composta por missionários e militares em busca dos Sanumá. Eles desejavam construir uma pista de pouso para, em seguida, instalarem-se ali. Na ocasião, depois de terem conversado, esse grupo de viajantes ye’kuana foi contratado para abrir a pista. Os missionários e os militares então retornaram a Boa Vista, deixando os !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

15 Para Barandiarán, ambos os termos, Fañudu e Iadanaawi, formam parte do vocabulário de extermínio e

opressão entre os Ye’kuana. O autor sugere a hipótese de que Iadanaawi possua uma carga significativa de maior hostilidade e de maior horror por estar muito mais viva na memória dos ye’kuana a lembrança fatídica de Funes e por ter o extermínio por ele perpetrado sido mais sádico, cruel e frio que o dos espanhóis (BARANDIARÁN, 1979, p. 59).

Ye’kuana para realizarem o trabalho, pelo qual, após sua conclusão, foram pagos com ferramentas, panelas e máquinas de ralar mandioca (LAURIOLA, 2004).

Apenas em 1964, os Ye’kuana trabalharam com a Força Aérea Brasileira para a abertura da pista na aldeia do rio Auaris. Um oficial os convenceu dos benefícios que a pista traria para a comunidade, tais como viagem aérea a Boa Vista e facilidade para o atendimento médico. O capitão Camarão,16 como citado nos relatos dos “homens mais velhos” ouvidos por Lauriola (2004), também propôs a instalação permanente de missionários da Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) na região do alto rio Auaris, extremo norte do estado de Roraima, habitada pelos Ye’kuana e Sanumá. Pioneira, essa fraternidade missionária é a única a ter mantido uma presença estável no local até o presente (ANDRADE, 2007; LAURIOLA, 2004).

Sabe-se também que os Ye’kuana realizavam longas viagens até o lavrado roraimense em busca de trabalho braçal nas fazendas ao redor de Boa Vista, para adquirirem bens escassos, tais como sal, espingardas e roupas. Eles desciam de canoa o rio Auaris, o Uraricoera, alcançando o rio Branco, numa longa viagem que durava de 25 a 30 dias; a subida em regresso durava de um a dois meses, ou mais. Para compensar o esforço da empreitada, a estada em Boa Vista e em seus arredores podia durar mais de um ano. Logo, eram jornadas realizadas em grupos de dez ou mais pessoas e com intervalo de dois anos entre si. Nessas fazendas, o trabalho consistia basicamente em capinar a roça, construir cercas, plantar pastagens e abrir poços. O pagamento, em muitos casos, não envolvia dinheiro, restringindo- se apenas a alimentação e roupas. Uma fonte de renda e obtenção de dinheiro nessas viagens era a venda de suas canoas aos regionais. Estas podiam ser construídas na floresta ou na região de Boa Vista, se houvesse madeira adequada disponível. A opinião geral dos Ye’kuana que viviam no rio Auaris, ouvidos por Alcida Ramos em 1974, e que participaram de tais expedições era que os brancos que os empregavam os exploravam sistematicamente, motivo pelo qual tais viagens não rendiam o que esperavam (RAMOS, 1980).

Nos anos 1980, houve um forte afluxo de garimpeiros em busca de ouro na região em que está localizada a aldeia de Waikás. Já se sabia da existência de ouro na cachoeira de Waikás, mas até então apenas os homens mais velhos da comunidade conheciam sua localização, extraindo apenas o suficiente para a compra dos bens mais imediatos. Os Ye’kuana acreditam que a notícia tenha sido espalhada pelos Macuxi, com quem mantinham relações comerciais, e, logo em seguida, os garimpeiros passaram a chegar aos bandos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

16

Tenente-brigadeiro João Camarão Telles Ribeiro (Niterói, 8 de junho de 1916, Campinas, 4 de abril de 2001) (CAMBESES JÚNIOR, s.d.).

(ANDRADE, 2009). Em sua etnografia, Andrade (2007) apresenta relatos de alguns ye’kuana que viveram tais eventos e ainda os têm em sua memória. Segundo estes, vários aviões, ao longo de um mesmo dia, pousavam na pista de Waikás, em cuja lateral se formou um acampamento onde se comercializavam os bens para a estada dos garimpeiros na floresta: carne, sabão, cachaça. Um funcionário da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) aconselhou então o tuxaua da aldeia a cobrar pelos pousos dos aviões e pela passagem das balsas que navegavam a montante o rio Uraricoera para o garimpo. Alguns Ye’kuana trabalharam para os garimpeiros, caçando, pescando e fazendo-lhes o frete de seus suprimentos alimentares e combustível. Um Ye’kuana estima que havia mais de 400 balsas com equipamento de prospecção mineral, comparando tal configuração a uma verdadeira cidade (ANDRADE, 2007, p. 133).

O dinheiro adquirido por meio do pedágio pago pelos garimpos era guardado pelos mais velhos, que decidiam como empregá-lo. Após longa discussão, os Ye’kuana adquiriram, além de motores de popa e bens de consumo, uma casa em Boa Vista, a qual passou a receber os estudantes saídos das aldeias que porventura fossem estudar na cidade e não tivessem onde residir, os quais antes ficavam na casa de conhecidos ou em quartos alugados (ANDRADE, 2009).

Devemos destacar que, durante o período do garimpo, as excursões comerciais acompanhadas de temporadas de trabalho nas fazendas do lavrado roraimense já estavam em decadência entre os Ye’kuana habitantes de Fuduwaaduinha, aldeia à margem do rio Auaris. Além da presença dos missionários da MEVA, havia militares na região. O exército brasileiro montou uma pequena base em Auaris, nos anos 1980, preparando-se para a construção de instalações maiores, com estrutura adequada para receber, nos anos 1990, o 5.° Pelotão Especial de Fronteira, integrando o Projeto Calha Norte.17 Assim, além de ter sido construída uma hidrelétrica, foi ampliada e asfaltada a pista de pouso e foram erguidos os alojamentos para abrigar os militares com seus familiares. Novos atores na área, assim como os funcionários da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e da FUNAI desde os anos 1990, possibilitaram não só chegada de bens e notícias aos Ye’kuana sem que estes precisassem se deslocar de canoa até Boa Vista, mas também a criação de novas fontes de renda para aqueles que ingressassem em uma das três “carreiras” possíveis na área: o exército, a FUNASA e a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

17 O Projeto Calha Norte é um programa de desenvolvimento e defesa da Região Norte do Brasil. Foi idealizado

durante o governo de José Sarney, tratando-se, num primeiro momento, de um projeto confidencial. Seu objetivo era promover a ocupação militar da faixa do território nacional situada no norte da calha do rio Solimões e rio Amazonas, abrangendo as fronteiras do território brasileiro com os da Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela e Colômbia. Atualmente é subordinado ao Ministério da Defesa do Brasil e implementado pelas Forças Armadas.

escola (que, alguns anos mais tarde, foi vinculada ao sistema educacional de Roraima). Contribuiu também para a progressiva redução nas viagens fluviais a Boa Vista a fixação da rotina escolar entre os mais jovens, mediante a fundação da escola na aldeia, em 1983, por uma missionária da MEVA. Estudando por meio período, os jovens não tinham mais o tempo necessário para o empreendimento das longas jornadas do passado (ANDRADE, 2009; LAURIOLA, 2004).