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2. A EXECUÇÃO PENAL

2.3. OS PRINCÍPIOS DA EXECUÇÃO PENAL

A execução penal deve ser interpretada a luz dos princípios contidos na Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal. Como bem pontua Rodrigo Roig “Na essência, os princípios da execução penal são meios de limitação racional do poder executório estatal sobre as pessoas”.

2.3.1. Princípio da Legalidade.

Esse princípio está previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição da República e no artigo 1º do Código Penal, estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Na Lei de execução penal, pode ser encontrado em dois artigos, o artigo. 2º, que estabelece que a “jurisdição penal será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal” e o artigo 45, da LEP, que traz que “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”.

Também está previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25/09/1992, traz em seu artigo 9 que “ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável''. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado”.

Rodrigo Roig traz que o princípio da legalidade possui 4 funções. A primeira função é “nullum crimen, nulla poena sine lege praevia” (nulo o crime, nula a pena sem lei prévia). Estabelece a regra da irretroatividade da lei penal, podendo apenas retroagir para beneficiar o réu, a exemplo, podemos trazer a Lei nº 12.433 de 2011, que estabeleceu que caso o preso, durante o cumprimento da pena, concluir o ensino fundamental, médio ou superior, do tempo a ser remido em função das horas de

estudo será acrescido de 1/3. Antes do advento dessa lei não existia qualquer disposição que beneficiasse os presos, portanto este aumento deverá retroagir beneficiando aqueles presos que concluíram uma das etapas mencionadas antes da lei.

A segunda função seria a da “nullum crimen, nulla poena sine lege certa” (nulo o crime, nula a pena sem lei certa). Essa função traz que não se pode criar e aplicar tipos penais e disciplinares indeterminados ou vagos, elas devem ser precisas e claras, devendo evitar fórmulas genéricas que possam permitir abusos estatais.

A terceira função é “nullum crimen, nulla poena sine lege stricta” (nulo o crime, nula a pena sem lei estrita), essa função é um complemento a primeira função, diz que é proibido o uso da analogia para criar crimes e faltas disciplinares, assim quando não há previsão exata de uma determinada falta ou sanção disciplinar não pode ser aplicada ao apenado de forma que o prejudique.

A quarta e última função é da “nullum crimen, nulla poena sine lege scripta”

(nulo o crime, nula a pena sem lei escrita), consiste em proibir a criação de infrações penais, faltas disciplinares, penas ou sanções disciplinares pelos costumes, sendo possível apenas usá-los para explicar ou complementar certos elementos do tipo, nunca para punir ou agravar a situação do preso ou réu.

Em relação a este princípio e a execução penal é importante mencionar que Alexis Couto de Brito6, determina que um dos aspectos mais importantes deste princípio é a proibição de se restringir os direitos do preso e que sempre deverá ser decidido em favor deste.

É importante deixar claro que, quando se afirma que a legalidade deve ser obedecida na execução, um dos aspectos mais importantes diz respeito à restrição de direitos. Os direitos e benefícios da execução da pena que enumeram os requisitos para concessão somente poderão possuir algum tipo de restrição quando previstos em lei. Não pode o magistrado utilizar-se de sua suposta discricionariedade para restringir ou negar um benefício ou direito com base em entendimentos próprios sobre a finalidade do instituto ou sobre o merecimento do beneficiário, pois quando se tem em mente que a execução tem como sujeito principal e razão de ser a pessoa presa, é por esta que se devem pautar as conclusões do magistrado. Isto quer dizer que, não havendo expressamente em lei a previsão de um requisito, não pode o juiz exigi-lo, e que, em havendo, caso seja dúbio, deverá prevalecer a posição mais favorável ao preso.

6 BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. P. 64

2.3.2. Princípio da Humanidade.

Este princípio decorre diretamente do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. De acordo com Alexis, "o sentimento de humanidade descende da natureza comum do ser humano”. Na execução penal, o princípio funciona como uma forma de conter o poder punitivo, sendo proibida a tortura, o tratamento cruel e degradante, as penas de morte, cruéis ou perpétuas.

No ordenamento jurídico brasileiro verifica-se esse princípio na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLVII. Na Lei de execução penal está previsto no artigo 45, §1º e 2º, que prevê que não é possível que as sanções coloquem em perigo a integridade física e moral do condenado e não é possível a aplicação de cela escura.

Está previsto também na Convenção Americana dos Direitos Humanos, em seu artigo 5.2. “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.

Roig traz que este princípio serve como uma barreira ao estado para que ele não possa utilizar a teoria da reserva do possível como uma forma de não garantir o mínimo de direitos e perpetuar violações. Sobre esse assunto o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 2015, decidiu que o Poder Judiciário pode impor à Administração Pública a realização de obras ou reformas emergenciais em estabelecimentos penais para assegurar os direitos fundamentais dos presos, aprovando a tese de repercussão geral de que “é lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do que preceitua o artigo 5º (inciso XLIX) da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes”.

Concluindo, o princípio da humanidade é a garantia de que a pena a ser cumprida não irá violar os direitos individuais do preso e deve ter como objetivo a ressocialização do preso para que ele possa retornar a sociedade da melhor forma possível.

2.3.3. Princípio da individualização da pena

Esse princípio garante que o condenado possua o tratamento adequado de acordo com suas características pessoais. Está previsto no artigo 5, inciso XLVI, da Constituição Federal, que estabelece que “a lei regulará a individualização da pena”.

Também é possível encontrar esse princípio na exposição de motivos da criação da Lei de Execução Penal, no item 26, que determina que “a classificação dos condenados é requisito fundamental para demarcar o início da execução científica das penas privativas da liberdade e da medida de segurança detentiva. Além de constituir a efetivação de antiga norma geral do regime penitenciário, a classificação é desdobramento lógico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais”.

Se desenvolve em três fases, a primeira é na fase legislativa, onde o legislador estabelece a pena mínima e a pena máxima de um tipo penal, a segunda é a fase judicial, quando o juiz ao analisar o caso concreto, observa as circunstâncias judiciais e legais e aplica a pena. A terceira é a fase executória, quando o juiz da execução adequa a execução da pena concreta às circunstâncias pessoais do acusado.

2.3.4. Princípio da Intervenção Mínima

Estabelece que a punição criminal deve acontecer apenas em casos de extrema necessidade, ou seja, é a “ultima ratio”, devendo ser aplicada apenas quando há graves violações a interesses ou valores relevantes para a sociedade. Dele derivam a regra da fragmentariedade e da subsidiariedade do direito penal.

A fragmentariedade determina que nem todos os bens jurídicos e nem todas as condutas que violam interesses ou valores devem ser objeto do direito penal. E a subsidiariedade determina que deve ocorrer a intervenção do direito penal somente quando a tutela de um interesse ou valor não pode ser fornecida por outro instrumento que não seja o penal.

2.3.5. Princípio da Culpabilidade.

A culpabilidade tem como elementos, a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude, sem qualquer um desses

elementos, a culpabilidade deve ser afastada. Para que haja uma sanção é necessário que o indivíduo tenha agido com dolo ou culpa, sendo impossível a responsabilização objetiva.

O princípio está previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal com a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Também está previsto no artigo 8.2, da Convenção Americana de Direitos Humanos, determinando que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

No decorrer da execução o condenado pode ser acusado de ter praticado atos que podem ter consequências diretas, como por exemplo, a perda de dias remidos pelo cometimento de falta grave. Assim, caso o apenado seja acusado, ele deve ter o direito de comprovar que é inocente, devendo o estado de inocência acompanhá-lo antes de qualquer ato que o prejudique.

Sobre esse assunto Alexis7 discorre: “todos são inocentes. Essa afirmação, indubitavelmente, comunica muito mais corretamente a essência do princípio. É muito mais do que dizer que uma pessoa não é culpada (ainda), ou que deve ter sua inocência (apenas) presumida. Se são inocentes, tal estado deverá ser desconstruído por quem disso discorde, por meio do devido processo legal”.

2.3.6. Princípio da Intranscendência ou Personalidade.

Estabelece que a pena não pode ultrapassar da pessoa do acusado. Está previsto no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Também está no artigo 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Alexis Brito traz como exemplo de violação a este princípio, quando a administração carcerária aplica punição coletiva ou não devidamente identificada, nestes casos, deve haver a completa e competente apuração do fato, devendo apenas aplicar a sanção ao autor da infração. Sobre esse assunto o STJ já decidiu que “é

7 BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. P. 72

ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito”8.

Outra possível violação a este princípio, de acordo com Roig, é a proibição ou restrição de visita como forma de sanção disciplinar, previsto no artigo 41, parágrafo único, e artigo. 53, III, da LEP. De acordo com ele9:

Não somente o preso possui o direito de receber seus visitantes (art. 41, X, da LEP) e receber assistência da família (art. 5º, LXIII, da CF), mas os próprios visitantes também têm direito de estar com seus parentes e amigos presos e com eles manter laços afetivos. Além de ilegal por afetar o direito (do preso e de seus familiares) à manutenção de relações familiares, a punição nesse caso ainda passaria da pessoa do faltoso, atingindo terceiros carentes de culpabilidade.

2.3.7. Princípio da Proporcionalidade.

Determina que a pena ou sanção administrativa deve ser proporcional ao crime praticado, a exemplo, a sanção disciplinar aplicada ao preso deve ser proporcional aos danos causados.

Também é possível trazer o exemplo da Súmula 491, do STJ, que proíbe a chamada progressão per saltum, já que é necessário que seja respeitado cada período cumprido em cada regime prisional.

2.3.8. Princípio da Celeridade ou Razoável Duração do Processo.

No ordenamento jurídico brasileiro esse princípio está previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Também está previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos em seu artigo 7.5.

Este princípio é extremamente importante, porém na prática é comumente violado, de acordo com Roig, “em todo o país, é recorrente a queixa dos presos e

8 HC 177.293/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 07/05/2012

9 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 76

presas no tocante à morosidade judicial na apreciação dos requerimentos em sede de execução penal, em clara deficiência do dever prestacional de jurisdição”.

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