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Conforme exposto a remição de pena é um benefício dos presos para que seja possível a diminuição da pena através do trabalhou ou estudo, conforme preceitua o artigo 126, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).

Além de ter o objetivo de diminuir o tempo de pena, também possui como objetivo evitar a ociosidade do preso, a reintegração do apenado ao convívio social, intelectual e laboral. O problema é que na prática, devido a ausência estatal nem sempre é possível que ocorra a remição, surgindo assim o instituto da remição ficta, que acontece quando o apenado tem a vontade de laborar e de estudar, mas é impedido de realizá-la devido a ineficiência estatal.

Inicialmente se destaca que o artigo 126, §4º, da Lei de Execução Penal já trata acerca da remição ficta quando o apenado sofre um acidente e fica impedido de trabalhar e estudar, nesses casos é possível que ele continue se beneficiando da remição.

Na doutrina e na jurisprudência o entendimento predominante é de que não poderia acontecer a remição se não for realizado o trabalho ou o estudo, porém existem alguns doutrinadores que defendem que basta a vontade de laborar e estudar para a ocorrência da remição.

O Código Penal em seu artigo 38 dispõe que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade. Assim, o trabalho além de ser reconhecido na própria Constituição Federal de 1988, está na própria Lei de Execução Penal em seu artigo 28 que dispõe que “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”.

Rogério Greco (2021, P.106) leciona que “se o Estado não fornece a possibilidade de trabalho ao preso, ainda assim terá direito a remição, pois que não pode ser prejudicado pela má administração do sistema prisional”.

Os doutrinadores que defendem a remição ficta argumentam razoabilidade o Estado exigir que o indivíduo realize as atividades sem fornecer condições, ainda que mínimas. Que haveria a ruptura do princípio da igualdade quando o Estado não garante o direito de todos os presos exercerem as atividades laborativas e educacionais seja por desídia político-administrativa ou ausência de condições materiais.

Sobre a vedação da remição ficta, Roig30, se posiciona da seguinte maneira.

Diante desta dimensão, é possível sustentar que a vedação da remição ficta implica dupla punição: a impossibilidade de exercer os direitos constitucionais ao trabalho ou estudo e a inviabilidade de valer-se da remição e, com isso, reduzir os danos causados pelo maior período de encarceramento. Ademais, se o preso tem direito – como efetivamente tem – à prisão domiciliar pela inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime aberto ou semiaberto, não há razão para que deixe de ter direito à remição pela não disponibilização de trabalho ou estudo pela Administração. É no mínimo incoerente a imposição de tratamentos diversos, se ambos os casos tratam do mesmo fenômeno: inadimplemento de deveres estatais por desídia ou falta de condições materiais.

Por outro lado, Renato Marcão31 argumenta:

É condenável a prática de conceder remição ao preso que não trabalhou, sob a justificativa de ausência de condições para o trabalho no estabelecimento prisional, debitando-se tal situação ao Estado, diga-se, à sociedade.

[...]

Com efeito, ao contrário do que se tem decidido amiúde, o trabalho não está catalogado na lei como direito do preso e obrigação do Estado.

Um dos argumentos mais utilizados para não promover a oferta de trabalhos e estudos é a falta de recursos e a “reserva do possível”, e com isso o Estado não é responsabilizado pela inadimplência de sua obrigação. Roig32 encerra o assunto com a seguinte colocação.

Diante do que foi debatido, a única forma legítima de provocação do Estado e de compensação das pessoas presas seria de fato a concessão de remição ficta. Diz-se que a remição ficta, uma vez aceita, deveria ser concedida em proporção inferior à remição pelo trabalho ou estudo efetivamente realizados.

Na verdade, mesmo esta solução é questionável, por ensejar discriminação

30 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 425

31 MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 171

32 ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. P. 427.

aos presos que não possuem qualquer responsabilidade pela ineficiência estatal.

Sobre a remição ficta Alexis Brito33 argumenta que o instituto da remição impõe que o condenado realize efetivamente a atividade, pois o reconhecimento, sem a prática, seria como um prêmio para aquele condenado que se manteve na ociosidade.

Porém, como a própria LEP menciona é dever e direito de o condenado trabalhar, portanto o Estado tem por obrigação fornecer condições suficientes para que haja a remição.

Mas, quando a legislação impõe o trabalho como dever e direito, o Estado deverá proporcioná-lo. Isso significa que, descumprindo a Lei ao não proporcionar a opção laborativa, o Estado deverá reconhecê-la, ainda que o preso não tenha efetivamente cumprido a atividade, como remição ficta.

Apesar de ser ter a consciência de que o Estado é ineficaz e que não há como fornecer trabalho a todos, o preso não poderá arcar com essas consequências, assim o Estado deve conceder a remição ficta. De acordo com os posicionamentos favoráveis, conceder a remição é um direito fundamental.

A doutrina contrária à remição ficta possui 3 (três) principais argumentos, o primeiro seria de que a concessão do benefício igualaria o preso que trabalha com o preso que não trabalhando ferindo o princípio da isonomia. O segundo é que a remição somente é possível pelo registro mensal e por fim argumenta-se que falta ao trabalho já é reconhecida como falta grave.

Com relação a esses argumentos, Mirabete em suas lições contra-argumenta que a atribuição de trabalho a um condenado em relação ao outro já viola a lei, que o tratamento igualitário acontece quando o Estado fornece trabalho a todos os presos e se isto não ocorrer deve-se conceder a todos a remição. Acerca do segundo argumento discorre que apesar da utilização do registro mensal ser o mais comum é possível a comprovação por outros meios idôneos. Por fim, argumenta que o fato de a recusa ser falta grave não impede que o preso que não trabalha por motivos que não dependem de sua vontade, ter o benefício da remição conhecido.

33 BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. P. 386

Guilherme de Souza Nucci reconhece que a inexistência de trabalho ou estudo significa que o Estado falhou no seu dever de manter e fazer funcionar o estabelecimento penitenciário sob seu controle e administração, e que assim, caberia ao Magistrado fiscalizar e obrigar o órgão competente para tomar medidas para seja suprida a deficiência. Porém leciona pela inadmissibilidade da remição ficta, argumentado que “desvirtuar-se-ia a finalidade da remição, que é a redenção da pena pelo esforço pessoal do preso”.

Com relação a jurisprudência, grande parte dela reconhece que é indispensável o trabalho para aplicação da remição, nesse sentido o Supremo Tribunal Federal, em decisão ao HC 124.520/RO34:

Execução Penal. Habeas Corpus originário. Remição ficta ou virtual da pena.

Impossibilidade. Ausência de ilegalidade ou abuso de poder. 1. A remição da pena pelo trabalho configura importante instrumento de ressocialização do sentenciado. 2. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a remição da pena exige a efetiva realização de atividade laboral ou estudo por parte do reeducando. Precedentes. 3. Não caracteriza ilegalidade flagrante ou abuso de poder a decisão judicial que indefere a pretensão de se contar como remição por trabalho período em relação ao qual não houve trabalho. 4. Habeas Corpus denegado.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio decidiu por reconhecer a remição ficta, pois o Estado agiu de forma ilícita. Por outro lado, o Ministro Luís Roberto Barroso, argumentou que não se poderia aplicar a remição ficta porque “estaríamos modificando substancialmente a política pública do setor e substituindo ao Executivo”, apesar de denegar o pedido, argumentou que “o Estado tem o dever de atender esta demanda na hipótese de internos que desejem trabalhar, porém penso que uma linha jurisprudencial nesse sentido produziria um impacto devastador sobre o sistema, o que nós não estamos autorizados a produzir”.

34 HC 124520, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/05/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127. DIVULG. 26-06-2018. PUBLIC.

27-06-2018

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