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Capítulo 2 PROJEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL:

3. Princípios constitucionais aplicáveis ao processo civil

3.1. Tematização prévia da principiologia jurídica

3.1.2. Os princípios na senda normativa: a dicotomia regra versus princípio

Robert Alexy descreve que regras e princípios possuem a mesma natureza, qual seja a de norma jurídica133, opinião compartilhada por Bobbio, para quem os princípios gerais são normas como todas as outras134.

130

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios consti tucionais: Elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 47-48.

131 Cf. ALEXY, Robert. Teoría general de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés.

Madrid: Centros de E studios Constitucionais, 1993, p. 53 e ss.

132

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da isonomia, princípio da proporcionalidade e privilégios processuais da Fazenda Pública. Nomos (Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC). Fortaleza, v. 13-14, n. 1-2, jan-dez. 1994-1995, p 18.

133

Para Paulo Bonavides135, com apoio na lição de Ricardo Guastini, o vocábulo “princípio”, juridicamente empregado, se refere, em planos conceituais distintos, a:

a) normas (ou disposições legislativas que exprimem normas) providas de um alto grau de generalidade;

b) normas (ou disposições que exprimem normas) providas de um alto grau de indeterminação e que por isso requerem concretização através da interpretação;

c) normas (ou disposições normativas) de caráter “programático”; a normas (ou a dispositivos que exprimem normas) cuja posição na hierarquia nas fontes de Direito é muito elevada;

d) normas (ou disposições normativas) que “desempenham uma função ‘importante’ e ‘fundamental’ no sistema jurídico político unitariamente considerado, ou num ou noutro subsistema do sistema jurídico conjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigações)”;136

e) normas (ou disposições que exprimem normas) dirigidas aos órgãos de aplicação, incubidos de fazer a escolha dos dispositivos ou das normas aplicáveis nos diversos casos137.

Cumpre ressaltar, a essa altura, que a norma jurídica não se encontra enraizada apenas no referencial legislativo, oriunda exclusivamente de um ato emanado de fonte legal autorizada. Ela exsurge da interpretação, da conjugação entre a sua programação de variantes semiológicas e dos dados concretos que se propõe elucidar, ou seja, o seu âmbito de realidade138. Esse argumento inicial utiliza o vocábulo norma por ser essa a categoria desinencial dos comandos e preceitos jurídicos, em sentido lato, que descreve condutas, impõe cometimentos, propõe a organização da estrutura operacional estatal, em suma, referencia tudo aquilo que pode ser chamado disciplinamento legal.

134

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1999, p. 160.

135

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 230- 231.

136 GUASTINE, Riccardo. Dalle fonti alle norme. Turim, 1990, p. 119 apud BONAVIDES, Paulo. Op.

cit, p. 231.

137

BONAVIDES, Paulo. Op. cit, p. 231.

138

Cf. SARAIVA, Paulo Lopo. Direito, política e justiça na contemporaneidade. Campinas: Edicamp, 2002. p. 10.

Ao dispositivo normativo expresso, enxergado como acepção mais comum de norma jurídica, confere-se o nome de regra jurídica, caracterizado por uma descrição de uma situação fática hipotética (“Tatbestand”)139.

Justaposto a esse tipo de subsídio normativo, está o princípio, que fornece um lastro maior de informações para a decantação da norma em sua aplicação, invocando um valor genérico, multifacetado.

A distinção entre regras e princípios pode ser entelada partindo-se da noção de que esses últimos constituem a “expressão primeira” dos valores fundamentais do ordenamento e que informam as demais normas (diferenciação material) e, ainda, com respeito à forma de apresentação (diferenciação formal) e conseqüente densidade semântico-normativa, de acordo com o alto grau de abstração ou generalidade ao qual adere o princípio, em detrimento da especificidade em relação ao caso concreto que flexiona a regra140.

Dentro dessa distinção global, encontram-se sintetizados diversos outros critérios diferenciadores sugeridos pela doutrina, de modo que, em relação aos princípios, constatam-se, os seguintes caracteres de distinção material: acentuada natureza normogenética, maior aproximação da idéia de direito e caráter de fundamentalidade, posto que os princípios constituem o próprio fundamento das regras, ligam-se estreitamente a exigências de justiça, ocupam posições de destaque no sistema das fontes de direito e detêm importância estruturante dentro do sistema jurídico141.

Trata-se, portanto, do caráter de “fecundidade” ostentando pelo princípio, que atribui a ele função interpretativa e integrativa, no sentido de impor-lhe a tarefa de clarificação das leis de teor obscuro ou de colmatação das lacunas existentes, conforme assevera Paulo Bonavides, lançando mão dos ensinamentos de Domenico Farias142. Por uma questão de ordem metodológica, a funcionalidade dos princípios é abordada mais detalhadamente no item que segue a esse.

139

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 97-98.

140 ROTHENBERG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

1999, p. 16-18.

141

CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, s.d., p. 1124-1125.

142

Quanto ao critério formal de ordem global, é visível que a regra jurídica, entendida como o produto específico da atuação legiferante do Estado, tem um campo de abrangência bastante delimitado em comparação com os princípios. A regra possui cores próprias, contendo em sua estrutura lógica uma descrição de uma situação factual hipotética e de seus desdobramentos jurígenos143. Se uma determinada regra jurídica, dogmaticamente construída, choca-se com outra, de iguais grau hierárquico, temporalização ou enderaçamento, tem-se que uma delas não pode ser válida144. As regras jurídicas são aplicáveis por completo ou são totalmente inaplicáveis, desempenhando a função de “tudo ou nada”, concepção de Dworkin, a que alude Eros Grau145. No caso de existência de duas regras que dispõem sobre a mesma situação, de maneira diversa, verifica-se uma antinomia jurídica, que deverá ser dissimulada a partir de critérios previstos no próprio ordenamento146.

O princípio, em contraponto, não se visualiza como conectivo de uma só realidade, mas como uma orientação geral e abstrata que vincula a compreensão da norma, ao qual Dworkin atribui o significado de “standard”.147 Com isso, se um princípio mostra-se incompatível com outro, ambos continuarão válidos, pois haverá apenas a ponderação de funcionalidade dos valores contrapostos, no sentido de equalizar o referencial normativo a ser empregado, de modo que toda colisão entre princípios pode expressar-se como uma colisão de valores, ao passo em que o choque de valores antagônicos também redunda em um choque de princípios148. De tal modo, expõe Eros Grau, citando ainda Dworkin, que os princípios possuem a dimensão do peso ou importância, ao contrário das regras jurídicas, que não possuem maior ou menor peso, no interior o sistema normativo, exceto quando se verificar que determinada regra pertence a nível hierárquico superior, ou cuida de normações específicas ou especiais,

143

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da isonomia, princípio da proporcionalidade e privilégios processuais da Fazenda Pública. Nomos (Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC). Fortaleza, v. 13-14, n. 1-2, jan-dez. 1994-1995, p. 18.

144

DWORKIN, R.M. Is Law a System of Rules? In: Dworkin, R.M. (editor). The Philosophy of Law. Londres-Nova Iorque -Toronto: Oxford University Press, 1977, p. 48.

145

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 97.

146 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:

Celso Bastos, 2001, p. 55.

147

DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University Press, 1997, p. 46.

148

ALEXY, Robert. Derecho y razón prática. Trad. Wistano Orozco. México: Distribuciones Fontamara, 1998, p. 14.

ou é mais recente149. No dizer de Gomes Canotilho, “princípios coexistem, as regras antinômicas, excluem-se”.150

Manoel Messias Peixinho sintetiza a lição de Canotilho, no que concerne à distinção básica, de caráter formatológico, existente entre princípios e regras, assinalando, basicamente os seguintes critérios ou fatores151:

a) grau de abstração, o que leva a nã o acentuar a diferença qualitativa entre princípios e regras, a insistir no grau tendencialmente mais abstrato dos princípios em relação às normas regras;

b) grau de determinabilidade de aplicação e um critério conducente à idéia de necessidade de concretização dos princípios em comparação com a possibilidade de aplicação direta das regras;

c) o conteúdo de informação é um critério que conduz a separar os princípios abertos ou informativos, sem densidade de aplicação concreta, e as normas, com disciplina jurídica imediata para determinadas situações hipotéticas ou pressupostos de fato; e

d) o critério de separação radical aponta para uma rigorosa distinção qualitativa, quer quanto à estrutura lógica, quer quanto à intencionalidade normativa.