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Capítulo 5 PERFORMATIVIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DO REEXAME

1. Reinserção da questão efetividade processual versus segurança jurídica no plano do

Através do exame até aqui verificado, tem-se que o reexame necessário em duplo grau de jurisdição é um mecanismo atípico em nosso modelo judiciário, de modo que não é difícil encontrar-se na doutrina especializada476 e, até mesmo na jurisprudência477, recorrentes apelos por sua eliminação plena.

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Dentre outros, assim se posicionam: MEDEIROS, Hortência Catunda de. Recursos atípicos. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 10, ainda empregando a terminologia recurso de oficio que, na opinião desse autor, é “uma idiotice ou esquisitice”; COELHO, Carlos Souza. Princípios fundamentais dos recursos e efetividade do processo. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (Org.). Elementos para uma nova

teoria geral do processo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 325; DIAS, Francisco Barros. A

busca da efetividade do processo. In: DINIZ, José Janguiê Bezerra (Coord.) Direito Processual: Civil, Penal, Trabalhista e Administrativo . v.1. Recife: Litoral, 2000, p. 323-341; Em outro artigo, já denota-se, a partir do título, a incisiva opinião do autor referido: DIAS, Francisco Barros. Duplo Grau de Jurisdição Obrigatório, uma aberração em nosso ordenamento jurídico. Teia Jurídica. Disponível em: <http://www.teiajuridica.com/af/djgexc.html>. Acesso em 12/10/2001; SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Constituição e sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 42.

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Assim já se posicionou o ministro Humberto Gomes de Barros, do STJ: “Em verdade, o instituto traduz uma deformação cultural, herdada de nossas origens: a falta de confiança do Estado em seus agentes e a leniência em sancionar quem pratica atos ilícitos em detrimento do interesse público. Se o juiz ou o advogado do Estado é desidioso ou prevaricador, outros povos civilizados o afastariam da Magistratura. Nós, não: criamos uma complicação processual, pela qual, violentando -se o princípio dispositivo, obriga-se o Juiz a recorrer”. (Recurso Especial nº 29.800-7, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, unânime, julgamento em 16.12.1992, publicado no DJU de 15.03.1993, p. 3796).

De mais a mais, podem ser identificados, na doutrina e na casuística, densificados embates de opinião sobre os mecanismos de proteção da Fazenda Pública e o propósito jurídico-pragmático do benefício do duplo grau obrigatório, contrapondo esse instituto, sobretudo, ao princípio da igualdade, e, mais recentemente, ao princípio da efetividade e ao primado da proteção jurídica eqüitativa, em uma perspectiva que avaliza o amplo acesso à justiça.

Ao contrário do que se pode imaginar, não existem autores que se dediquem a estudar esse instituto de maneira particularizada478. No mais das vezes, são apenas comentários, curtas notas doutrinárias ou artigos e, em algumas raras ocasiões, como capítulos de obras temáticas, mesmo com as recentes e significativas alterações que alcançaram o regime de reexame necessário, no âmbito do processo civil.

O que é fácil de pressentir é que os enfoques conferidos ao assunto resvalam, de um modo frontal ou mesmo indireto, na dicotômica questão que teve lugar no primeiro capítulo: segurança jurídica e da efetividade do processo. De certo, ao menos em termos, as opiniões que reduzem o instituto do reexame necessário como fator de proteção da Fazenda Pública, reputam-no essencial à segurança no direito; contrario

sensu, aqueles que atribuem ao duplo grau de jurisdição feições anti-isonômicas ou

aniquiladoras da efetividade ou, como componente autônomo desta, da celeridade.

Enfim, a questão suscitada possui grande papel para a dissimulação dos objetivos desse trabalho, seja no plano geral, a partir de uma contribuição possível para o equilíbrio da relação segurança-efetividade, seja quanto à pretensão específica de caracterizar a necessária mitigação e eventual extinção do reexame necessário.

Se de uma margem indigita-se o duplo grau obrigatório como um mecanismo um tanto quanto incompatível com o postulado da efetividade, e, particularmente, com a tão propalada celeridade dos feitos judiciais, por ângulo inverso, a existência desse mecanismo processual de proteção fazendária avulta, no cenário da dogmática jurídica, como fator de segurança, essencial ao desenvolvimento das posições assumidas pelo Estado em juízo.

478 Necessário referir-se que a literatura jurídica nacional não possui monografia publicada

especificamente sobre o assunto. No que se refere a dissertações e teses, apenas duas podem ser referidas: CAMARGO, Jayme Silvestre Correa. O duplo grau obrigatório de jurisdição. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. Dissertação (Mestrado) – Universidade Gama Filho, 1983; e TOSTA, Jorge.

Do reexame necessário no direito processual civil. Bragança-SP: Pontifícia Universidade Católica de São

Na visão apriorística proporcionada pela difusão das nuances básicas do duplo grau obrigatório, sediadas no capítulo anterior, em harmonia com o investigativo capítulo primeiro, e, ainda, com respeito ao enquadramento constitucional do processo civil, permeado pelo estudo dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo, inclusive, o próprio princípio do duplo grau de jurisdição, temas constantes dos segundo e terceiro capítulos, propõe-se, enfim, o direcionamento prefacial à questão central desse trabalho: analisar até que ponto o reexame necessário constitui-se em uma vantagem para a preservação do interesse público.

Em verdade, a invocação dos dois valores acima referidos – segurança jurídica e efetividade processual – revelam-se como o pano de fundo da emblemática dissensão doutrinária acerca do reexame necessário: opiniões que reputam-no mecanismo que fere o princípio de igualdade das partes na relação processual, acarretando maior ônus temporal à parte e a ineficácia da sentença, importando, pois em privilégio desnecessário e excessivo ou, em sentido contrário, importante garantia de compensação pela inoperância da advocacia pública (ou de quem faz as vezes dessa) e que elimina a possibilidade de indevidos prejuízos eventualmente lançados ao erário público, calcado no primado isonômico de conferir tratamento desigual aos desiguais.

De início, importante frisar que a divergência apontada é apenas exemplificativa, tendo sofrido inúmeras variações: afronta à oralidade, à efetividade e à celeridade. Entretanto, o foco central dos argumentos dissonantes que valoram o instituto tem raízes no princípio da isonomia, sobre a adequação ou não do tratamento desigual.

O capítulo vertente, ao seu passo, baseia -se na contextualização necessária da razão de ser desse estudo, focalizando o reexame necessário sob a ótica da performatividade jurídico-processual almejada, ou seja, o discurso de valores tão caros ao processo que, não raras vezes, demonstram-se inconciliáveis.

2. Nova sistemática de reexame necessário em conformidade com as recentes