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Capítulo 4 SUJEIÇÃO OBRIGATÓRIA AO DUPLO GRAU: PERFILANDO O

3. O papel do reexame mandatório no sistema jurídico

3.2. Aparentes justificativa e finalidade do reexame necessário

3.2.3. Reexame necessário em sucumbência fazendária: preservação do interesse

Como mais uma das providências legais erigidas com o fito de resguardar o interesse público, o crivo do duplo grau de jurisdição ocorre por força legal nas causas em que se verifica a sucumbência da Fazenda Pública.

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Destaque-se aqui a possibilidade de contratação de assessoria jurídica para os Municípios ou órgãos da Administração Publica indireta (autarquias, fundações e empresas públicas ou sociedades de economia mista). Cf. SIQUEIRA, Marcelo Marques. A contratação direta de advogados pela Administração Pública. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de Goiás. Goiânia, n. 20. Disponível em: http://www.pge.go.gov.br/ .Acesso em: 27 mar. 2002.

Referindo o antigo art. 814, do CPC de 1939, afirma Letácio Jansen que o duplo grau compulsório “manifesta a suspeita de possível conivência entre o juiz e a parte, em detrimento do interêsse público”.452

Em obra publicada no ano seguinte ao da promulgação da Constituição vigente, Vicente Greco Filho afirmou ser o reexame obrigatório das sentenças desfavoráveis à Fazenda Pública um privilégio, que se justifica porque o erário “tem dificuldades burocráticas na formulação de sua defesa”, merecendo, assim, tratamento diferenciado, consistente em atenção especial, porque sua derrota pode prejudicar, eventualmente, toda a coletividade.453

Restringindo-se o conceito de interesse público, sob o aspecto meramente quantitativo, tem-se que o interesse da Fazenda Pública abrange o interesse da maioria. Na perspectiva que revela Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – para quem a dicotomia clássica “direito público e direito privado” resta superada – a noção de interesse público deve assumir um sentido mais amplo, calcado na defesa de interesses privados que repercutem em toda uma coletividade, a exemplo da “public interest litigation”, presente no processo judicial americano454.

O que impende firmar-se é o entendimento de que o interesse público nem sempre coincidirá com o interesse patrimonial do Estado, pois concentram-se os interesses públicos primários como os interesses do bem geral, afeitos a toda coletividade e, ao passo em que os interesses da Administração Pública devem ser focalizados como interesses públicos secundários, aqueles que, ligados ao aparelho estatal unitariamente considerado, nem sempre são suscetíveis de proveito pelo bem comum, como incisivamente escreveu Josenildo da Costa Santos, na dissertação que lhe valeu o título de Mestre, pela Universidade Federal de Pernambuco, apoiado, nessa lição em particular, nos ensinamentos de Renato Alessi.455 No mesmo norte, aponta Danielle Souza de Andrade e Silva, que considera a expressão “público” referência aos beneficiários da atividade administrativa e não aos entes que a exercem; “A

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JANSEN, Letácio. Notas sobre os recursos no processo civil e comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 25.

453 GRECO FILHO, Vicente. A tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 138. 454

DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Mandado de Segurança Coletivo: Legitimação Ativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 30.

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SANTOS, Josenildo da Costa. Improbidade Administrativa: Uma Máxima Constitucional. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. Dissertação (Mestrado) – Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Pernambuco, 2001, p. 43.

Administração é apenas guardiã do interesse público, daí não poder dele dispor”.456 Daí a complexidade do conceito de interesse público, que não pode se esgotar numa rotulação formal em que se enquadrariam as atividades da Administração Pública457.

Como já assinalado, deve haver harmonização das três ordens distintas que podem se ligar à noção de interesse público, quais sejam, os interesses individuais, os interesses coletivos e os interesses gerais. E a aplicação de regras jurídicas mais favoráveis a um dos setores de interesses que se pressupõem gerais, pode, não raro, repercutir negativamente ou outra esfera de interesses da comunidade política, daí o oportuno influxo do princípio da necessidade ou exigibilidade, subprincípio constitutivo do princípio da proporcionalidade, na verificação da possibilidade de adoção de outros meios menos onerosos para o cidadão, senão aquele escolhido.458

Uma análise de caso que bem ilustra a presente questão é a apontada por Roberval Clementino Costa do Monte, acerca do papel do Ministério Público na defesa do interesse público, constante de um parecer formulado pela Promotoria de Justiça de Nova Iguaçu-RJ, nos idos de 1981, em que se defende a idéia de que não é obrigatória a intervenção do Ministério Público “pelo simples fato de ser parte na demanda pessoa jurídica de direito público ou de haver interesse patrimonial da Fazenda”, pois o que realmente importa, para exigir a intervenção do órgão ministerial, é que a lide alcance valores relevantes, onde se afiguram reclamados os interesses gerais da sociedade459.

Agora, reverta-se a análise entelada à hipotética situação de um servidor público que, arbitrariamente exonerado da função que ocupava, propôs ação judicial de anulação de ato administrativo, obtendo vitória sobre a Fazenda Pública. Como cediço, a decisão de primeiro grau deverá ser submetida ao crivo do duplo grau, obrigatoriamente, em nome do interesse geral, respaldo indiscutível de defesa do erário. Mas e o interesse de sua família, que deverá suportar a insuficiência econômica e social do seu provedor, obstaculizada em meses e, quem sabe, anos? Não estaria havendo um excesso de proteção dos interesses da Faze nda, que conta, ainda, com outras

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SILVA, Danielle Souza de Andrade. Interesse público: necessidade de sua definição no direito administrativo. Estudantes – Cader no Acadêmico. Recife, a. 4, n. 6, jan-jun. 2000, p. 139 e 142.

457 Idem, p. 142. 458

A esse respeito, evidencia -se o exposto no Capítulo 2, sobre o princípio da proporcionalidade. 459

MONTE, Roberval Clementino Costa do. O parquet e o interesse público no proces so civil. Revista da

Procuradoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, a. 7, n. 14, jul-dez. 1981, p.

prerrogativas na disputa judicial? Não haveria, enfim, um meio mais suave para pretender-se resguardado o interesse geral?

Justapondo-se a visão escorreita de Néri da Silveira, nada justifica que “se congestionem pautas de julgamento dos tribunais, máxime federais, com o exclusivo reexame de sentenças que deram” pela condenação da Fazenda Pública, mormente aquelas de pequeno valor, “em que o acerto da decisão foi, desde logo, admitido pelo defensor da Fazenda Pública, em nã o manifestando recurso”.460

Indecomponível, portanto, a constatação de que os interesses ostentados pela Fazenda Pública nem sempre equivalem ao interesse público supostamente protegido, na sua acepção primordial.