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Capítulo 1 SOBRE A TENDENCIAL REFORMULAÇÃO DOS CONTORNOS

3. A querela dos entraves: ponderações para um processo seguro e efetivo

Não há como pretender resultados efetivos com medidas inócuas ventiladas em fórmulas caducas. Fórmulas definitivas simplesmente não existem em matéria de saber jurídico, enquanto ramo da racionalidade humana não instrumental. Isso é tão curial quanto distinguir ciências exatas de culturais.

A perplexidade em se deduzir metas, entretanto, não pode conduzir o pensador do direito ao desestímulo. Pelo contrário, a consciência trazida com a mudança de mentalidade granjeada pela nova etapa de desenvolvimento da ciência do processo implica no sopesamento das novas práticas judiciárias com os mecanismos dogmáticos aplicáveis, na inafastável ânsia de qualificar a prestação da jurisdição.

De certo, indissociável do lado “prático” do processo, representado pelas medidas legislativas adotadas para simplificar ou agilizar o processamento dos feitos judiciais, tem-se o lado “teórico”, que longe de ser apenas um ponto de partida, deve ser enfocado pelo processualista moderno como um “ponto de chegada”. Entre esses pontos existe um istmo, que abrange a teoria geral do processo, onde localiza-se boa parcela dos entraves do processo efetivo. Imprescindível, pois, estudar o universo teorético do direito processual, para a correta compreensão das dificuldades de alcançarem-se os resultados concretos das postulações jurídicas.

De grande ressonância a opinião de Carlos Alberto Carmona que, analisando a denominada mini-reforma do Código de Processo Civil ocorrida em 1995, sobretudo no que se refere às alterações no regime de agravo, observa que “o novo sistema trouxe um

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PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Uma visão crítica da jurisdição civil. Leme-SP: LED Editora de Direito, 1999, p. 26.

enorme afluxo de recursos aos tribunais, que não estão (e dificilmente estarão) preparados para lidar com tal novidade”.106

Portanto, pouco adiantarão as reformas legislativas pretendidas, as conversões dos anteprojetos em providências “de lege ferenda” e as inventivas figuras processuais criadas ao sabor do acaso, se persistir a visão tipificada como “enderaçamento negativo” da instrumentalidade processual: a idéia obviamente equivocada de que o processo gera direitos ou privilegia, perante o Estado, determinadas pessoas ou situações jurídicas.

Repise-se, portanto, a exortação de que não se pode esquecer: o processo não é um fim em si mesmo, mas a ponte para a realização do direito material. Só será, enfim, válido, somente e na medida em que propiciar seu alcance sem maiores constrangimentos, na busca daquilo que deve ser o fim do direito: a pacificação social107.

Somente com essa transição paradigmática que urge realizar-se, é que será possível a fiel e concreta compatibilização dos valores envolvidos na busca da melhor produção judiciária: a segurança jurídica e a efetividade do processo.

Certo que, por vezes, para ser efetivo, o processo deve ser proporcionado num tempo hábil. Assim, exsurge a necessidade de celeridade, que seria um fator preponderante da efetividade. Além disso, efetividade, em seu sentido primordial, é vetor de tratamento igualitário das partes em juízo, de modo em que se confunde, mesmo, com o valor que, a priori, parecer-lhe-ia antagônico, qual seja, a segurança jurídica.

Assim, a prestação jurisdicional deve radicar na dissimulação de um processo efetivo, seguro e célere, posto que, dessas três concepções, depende o fiel cumprimento do prospecto de justiça que acalenta o ordenamento jurídico.

O que se propõe, enfim, é que o operador epistemológico do processo não fique adstrito ao campo dogmático específico que se inclina a estudar, qual seja, o próprio direito processual civil. Esse deverá ser somente o seu ponto de partida. Impõe-se, em verdade, não apenas seu direcionamento à teoria geral do processo, mas à própria teoria

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CARMONA, Carlos Alberto. O sistema recursal brasileiro: Breve análise crítica. In: ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda; NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos

e atuais dos recursos. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41.

107

TAVARES, André Ramos. Acesso ao Judiciário. In: BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André Ramos. As tendências do direito público no limiar de um novo milênio. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 436.

geral do direito, na busca de investigações e consentâneas respostas que afigurem-se-lhe suficientes e prontas. Ao operador prático, do mesmo modo, posto que de sua atividade depende a concretização do direito, na busca de modelos e respostas que propiciem a conformação necessária dos bens jurídicos discutidos no plano cotidiano do direito.

Em momentos severos, a efetividade do processo e a segurança do direito demonstram-se, aparentemente, dissociados. Tais momentos são adrede denominados “crise do direito”, e, exatamente, nessas ocasiões que o pensamento indolente, crítico e construtivo encerra esforços para a revitalização hermenêutica do direito, de maneira, inclusive, extra-dogmática. A ponderação entre os ditos valores não se trata de uma mera opção que se faz sobre qual deles deverá preponderar em cada situação de demanda, mas, essencialmente, representa a construção do discurso jurídico, do conjunto normativo de uma determinada comunidade, do trabalho de sopesamento entre princípios e regras que formam as feições jurídicas do ordenamento, como será estudado no capítulo dois seguinte.

A visão unitária do direito processual cinge tanto a experiência do operador epistemológico, como suscetibiliza o operador prático a equívocos no âmbito da realidade. Preexiste, até mesmo, a tentativa de fundar-se um novo ramo investigativo jurídico: a filosofia do direito processual108.

Não se pode olvidar a própria investida de Radbruch em dedicar um trecho da sua monumental “Filosofia do Direito”, ao temário em apreciação, focalizando em cerca de cinco páginas, a independência do juiz, a relação jurídica processual e o caso julgado, temas afeitos ao estudo do processo civil clássico109.

Em favor da constituição desse enfoque filosófico, como ilustra Willis Santiago Guerra Filho, “milita ainda o argumento de que seu objeto, o direito processual, mais do

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Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito aplicada ao direito processual e à teoria

da constituição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 49 et seq. Em extensa nota, o autor aponta, como antigos

precursores da idéia, Ludwig v. Almendingen, com sua “Metafísica do processo civil”, de 1821, e Bordeaux, cuja obra “Filosofia do processo civil”, remonta a 1842, enquanto que, contemp oraneamente, Geoffrey C. Hazard Jr., Dieter Brüggemann, Piero Pajardi e, de maneira destacada, Jürgen Rodig, figuram como aqueles que defendem a instalação da “filosofia do direito processual”.

109

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. L. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1997, p. 341-346.

que um simples ramo na árvore do conhecimento jurídico, revela -se uma dimensão do direito”.110

Para pontificar essa dimensão filosófica do aparato conceitual do processo, assinala o referido autor que o processo e o procedimento são o “meio (ou ‘método’) empregado na formação da ‘vontade estatal’ em um Estado de Direito”, possuindo regras lógicas que visam a consecução de um fim, a “idéia -retora que é a justiça”, contribuindo assim para a sua racionalização e persecução .111

Com base nesse entendimento, é lícito supor que o processo é um fator marcante do discurso jurídico, pois seu desdobramento pragmático insculpe a própria experiência e cultura do direito112, na perspectiva em que enseja a criação de modelos baseados na fonte jurídica que exprime, seja através dos pr ecedentes judiciais, seja por meio da jurisprudência dos tribunais. Em outras palavras, a fundamentação racional de uma decisão judicial, dentro de um universo de infinitas possibilidades, per si, justifica a adesão às investigações filosóficas do processo.

A concretização de uma filosofia ou teoria voltada para o processo, ou, em outra formulação possível, do destacamento de aspectos extra-dogmáticos na teoria do processo, possui cariz fundamental para a correta dissimulação de uma gama de dicotomias e padrões discursivos que atormentam doutrinadores e operadores jurídicos, de uma maneira geral, como a já comentada dicotomia efetividade e segurança, ou de outras variações correntias, tal como justiça e segurança ou justiça e celeridade. A grande questão seria o aparato conceitual de tais chaveamentos, no esgotar da extensão de tais polarizações. Enfim, a teoria processual não seria marco suficiente, ou seja, não alçaria jamais um texto definitivo, sobre a acepção de justiça encerrada em discussões racionais práticas, de tal modo que a infiltração de uma teoria contextualizada sobre esses aspectos trazidos à baila, seria imprescindível para o correto desenrolar do saber processual contemporâneo.

Voltaremos, sobretudo no capítulo quinto seguinte, a entelar as razões dessa transição epistemológica, na perspectiva da teoria jurídica atual, permeando possíveis

110 GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito aplicada ao direito processual e à teoria da

constituição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 51.

111

GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito aplicada ao direito processual e à teoria da

constituição. São Paulo: Atlas, 2001, p. 64.

112

Cf. REALE, Miguel. Fontes e modelos do direito: Para um novo paradigma hermenêutico. Sao Paulo: Saraiva, 1994, p. 12-19 e passim .

cintilações sobre o revolvimento na relação segurança jurídica e efetividade do processo, marcado pela crítica ao duplo grau de jurisdição obrigatório.